A médica ginecologista Michelle Chechter enfrenta a possibilidade de responder por homicídio no âmbito do inquérito que investiga a morte de uma paciente com Covid-19 que foi tratada com hidroxicloroquina nebulizada – tratamento experimental, que não tem eficácia comprovada cientificamente – em Manaus.
Em entrevista ao Metrópoles, a delegada Deborah Souza, titular do 15º Distrito Integrado de Polícia (DIP) de Manaus (AM), afirmou que a situação é agravada pelo fato de que a vítima estava grávida.
“Ela [Michelle Chechter] pode responder por homicídio com dolo eventual, que é quando assume o risco de matar alguém, ou por homicídio culposo, que é quando não se tem a intenção de matar. Tudo vai depender do andamento das investigações”, assinala Deborah.
“O problema foi que ela utilizou um medicamento que não tinha comprovação de que tivesse alguma eficácia no tratamento da Covid-19 e, além disso, a paciente ainda estava grávida, violando normas de protocolo da Anvisa e do Ministério da Saúde. Isso pode ter piorado a situação em que ela [a vítima] já se encontrava”, afirma.
O tratamento – amplamente divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) depois de situação similar em Camaquã (RS) – foi realizado em Manaus, no mês de fevereiro. Em vídeo que circula nas redes sociais, Michelle alega que a paciente havia sido curada da doença.
A ginecologista foi contratada para trabalhar temporariamente no Instituto da Mulher Dona Lindu (IMDL), junto a 2,3 mil profissionais de saúde. Após o episódio, a Secretaria de Saúde do Amazonas (Sesam) afastou a médica do cargo. O método aplicado não faz parte de protocolos terapêuticos contra a doença.
A Sesam e o IMDL informaram que “não compactuam com a prática de qualquer terapêutica experimental de teor relatado e não reconhecida e entendem que tais práticas não podem ser atribuídas à unidade de saúde, que tem como premissa o cumprimento da lei e dos procedimentos regulares, conforme os órgãos de saúde pública e os conselhos profissionais”, prosseguiu.
“O procedimento tratou-se de um ato médico, de livre iniciativa da profissional, que não faz mais parte do quadro da maternidade, onde atuou por cinco dias”, complementou.
A delegada Deborah Souza relata que a médica tratou ao menos outras duas pessoas com a nebulização de hidroxicloroquina. “Nós já ouvimos algumas pessoas. Tenho conhecimento de que mais duas pessoas receberam esse tratamento, mas ainda não temos confirmação de morte desses pacientes”, relata a investigadora.
A delegada também responsabiliza a médica pela divulgação e viralização do vídeo. O conteúdo foi compartilhado, inclusive, pelo ministro da Secretaria Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni. O Twitter, contudo, excluiu a postagem.
“A médica foi responsável por passar uma informação que não era correta, de que ela havia conseguido recuperar a paciente com aquele tratamento, mas na verdade a paciente veio a óbito”, pontua a investigadora.
O marido de Michelle, o médico Gustavo Maximiliano Dutra da Silva, também é investigado. Ele acompanhou a esposa para trabalhar no mesmo instituto. Os policiais ainda não tem provas, contudo, de que ele tenha realizado o tratamento precoce da doença.
Outro lado
Ao Metrópoles, o advogado Leonardo Magalhães Avelar, que defende a médica Michelle Chechter, enviou nota onde ressalta que a cliente “sempre pautou sua conduta profissional norteada pela ética médica, integridade, humanidade e respeito por seus pacientes” e que “no caso em questão, em razão do estágio avançado da doença, o tratamento adotado foi utilizado como medida compassiva e último recurso disponível, tendo o consentimento expresso da paciente e a anuência de seus familiares”.
Leia a íntegra da nota:
“Michelle Chechter sempre pautou sua conduta profissional norteada pela ética médica, integridade, humanidade e respeito por seus pacientes.
Ao longo de sua longa trajetória como médica, sempre se preocupou em garantir ao paciente o tratamento mais adequado, assegurando a dignidade humana e o bem-estar.
Nesse sentido, munida de espírito altruísta, visando auxiliar pacientes que se encontravam em lamentável crise do Sistema de Saúde no Estado do Amazonas – em razão da falta de médicos, equipamentos e leitos – se voluntariou para auxiliar no tratamento dos pacientes, em conjunto com outros profissionais que se deslocaram ao Estado do Amazonas.
A prestação dos serviços médicos por Michelle foi devidamente regulamentada em contrato e consistiu em dez plantões de doze horas de duração em um intervalo de 30 dias. No entanto, em caráter emergencial, os plantões foram realizados no intervalo de seis dias, em razão da insuficiência do número de profissionais em Manaus-AM.
Ainda, após completar o número de plantões acordados, Michelle permaneceu em Manaus-AM realizando atendimento médico voluntário domiciliar para auxiliar pacientes que estavam sem acesso aos hospitais.
No caso em questão, em razão do estágio avançado da doença, o tratamento adotado foi utilizado como medida compassiva e último recurso disponível, tendo o consentimento expresso da paciente e a anuência de seus familiares”.
Divulgação
O presidente Jair Bolsonaro entrou ao vivo em um programa de rádio de Camaquã (RS), no último dia 19 de março, para defender o tratamento precoce contra a Covid-19 e a chamada “nebulização da hidroxicloroquina”.
“Nós temos uma doença que é desconhecida, com novas cepas, e pessoas estão morrendo. Os médicos têm o direito, ou o dever, de que, no momento que falta um medicamento específico para aquilo com comprovação científica, ele pode usar o que se chama de off label – fora da bula”, disse o presidente, à Rádio Acústica.
Bolsonaro citou o caso da médica Eliane Scherer, que usou a técnica de nebulização da droga em pacientes com Covid-19 no Hospital Nossa Senhora Aparecida, em Camaquã (RS).
“Aqui no Brasil, a pessoa é criminalizada quando tenta uma alternativa para salvar quem está em estado grave – e quem está em estado grave e uma vez é intubado, chega próximo a 70% que não há mais retorno, vai à óbito”, prosseguiu o presidente, durante a ligação.
Ao menos três pessoas, no entanto, morreram após serem tratadas com o método experimental pela médica. Eliane Scherer foi demitida. A Polícia Civil e o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) abriram investigações para apurar a conduta da profissional.
Segundo o portal GaúchaZH, os quadros clínicos das vítimas variavam entre estáveis e graves, e evoluíram para óbito rapidamente após o início dos tratamentos experimentais ministrados pela médica.
Os protocolos clínicos do hospital preveem apenas a prescrição da hidroxicloroquina pela via oral, mas a médica passou a aplicar a técnica experimental da nebulização do fármaco diluído, o que não é previsto pelos regulamentos medicinais.
Fonte: Metrópoles
Créditos: Metrópoles