Na manhã de 22 de junho, aos 39 anos, Ana Paula Campestrini foi executada com 14 tiros ao chegar em casa. Toda a ação, que dura cerca de dez segundos, foi registrada pelas câmeras de segurança do condomínio onde ela morava, em Curitiba (PR).
No Brasil, uma pessoa LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexo, assexuais e demais existências de gênero e sexualidade) é violentamente morta a cada 36 horas. O levantamento mais recente, com dados de 2020, foi feito pela Acontece Arte e Política LGBTI+ e Grupo Gay da Bahia. Os números podem ser ainda mais alarmantes, já que grande parte dos óbitos são subnotificados.
Nascida na pequena cidade de Lontras, no interior de Santa Catarina, Ana Paula se casou com um homem, teve três filhos e dedicou-se exclusivamente à família e ao relacionamento por 17 anos.
Vivendo um processo pessoal de descobertas, Ana se entendeu lésbica e pediu o divórcio. Do marido. Nunca dos filhos. Mas desde então passou a sofrer chantagens e ameaças do ex, o advogado Wagner Oganauskas. O UOL teve acesso a diversas mensagens trocadas entre Ana e Wagner em 2018, no início do processo de separação.
“A vida vai te cobrar a fatura”, escreveu o ex-marido. “Você quer desistir sem nem tentar. E eu repito: você vai desistir dos seus filhos. Da felicidade deles. E a vida vai te cobrar a fatura”, escreveu Wagner em um dos textos.
“[…] esse negócio acabou com o ano de treinamento da [nome da filha]. Ela está sem cabeça. Está comendo como uma porca por ansiedade, já passou de 52 quilos. Espero que você esteja contente por ficar olhando pro teu umbigo. Você não pensou em mais ninguém, nem nos teus filhos”, acusou ele.
Wagner frequentemente citava os filhos, que hoje têm 9, 11 e 17 anos, em mensagens agressivas destinadas a Ana. E também se referia à ex-esposa como “bruxa”, “egoísta” e “insensível”.
Em todas as mensagens às quais o UOL teve acesso, Ana Paula mantinha um tom neutro e pacífico. “Wagner, eu não te amo mais como marido. Isso é difícil para mim também, acredite, não é fácil como parece.”
O divórcio, o entendimento da própria sexualidade e a distância dos filhos fizeram de 2018 um ano extremamente difícil para Ana Paula.
Depois da chuva, o arco-íris
Mas depois da tempestade, veio o arco-íris. Em fevereiro de 2019 ela conheceu Luana.
“Tudo começou com um ‘oi’ num aplicativo de relacionamento. Começamos a conversar todos os dias e marcamos de nos encontrar em 13 de fevereiro, uma quarta-feira. Desde então, a gente não se desgrudou mais. Nossa conexão foi muito rápida”, conta Luana Melo, namorada de Ana Paula Campestrini, à colunista.
Luana lembra que na época, em 2019, fazia pouco tempo que Ana tinha saído de casa, já estava tendo problemas para ver as crianças e sofria bastante. “Eu também tava passando por um momento difícil, e posso dizer que nós duas nos curamos juntas. Compramos móveis, terminamos de pagar esse ano. Tínhamos parcelado em 18 vezes… A gente estava muito feliz com tudo o que estávamos conquistando juntas, com o nosso suor, trabalhando, não dependendo de ninguém”, orgulha-se.
“A única coisa que ela queria era ser feliz sendo quem ela era”
“A Ana Paula era uma pessoa muito boa. Pessoas como ela são raríssimas no mundo. A gente fala que quando uma pessoa morre, ainda mais de uma maneira tão trágica, a gente esquece todos os defeitos dela e a exalta, independentemente de ter tido problemas com ela ou não. E a Ana Paula já era boa, já era exaltada. Era uma pessoa maravilhosa, de um coração imenso, que não tinha problema com ninguém, não brigava com ninguém”, diz Luana.
“A única coisa que ela queria era poder ser feliz sendo quem ela era [uma mulher lésbica] e poder ter contato com os filhos. E ela foi arrancada das nossas vidas”, desabafou Luana, com a voz embargada, por telefone, enquanto se dirigia à manifestação por justiça por Ana Paula.
No domingo (27), dezenas de pessoas caminharam pelas ruas centrais de Curitiba pedindo celeridade na apuração do crime.
Dois suspeitos foram presos: Wagner Oganauskas, ex-marido de Ana Paula, e um amigo dele, Marcos Antônio Ramon.
A delegada responsável pelo caso, Tathiana Guzella, informou em entrevista à Globo que R$ 38 mil foram transferidos da conta de Wagner para Marcos em abril.
Ana Paula e Wagner disputavam na Justiça a guarda dos filhos e a divisão do patrimônio que construíram ao logo de 17 anos juntos, estimado em mais de R$ 2 milhões.
Ana foi assassinada por ser mulher e por ter colocado um ponto final no casamento heteronormativo que não a fazia feliz. Não hesitou em deixar a vida confortável que tinha para viver sua essência.
Após a separação, morou durante meses de favor na casa de uma amiga e trabalhou como diarista e motorista de aplicativo para pagar as contas. Entre um compromisso e outro, se divertia com os filhos produzindo vídeos no TikTok.
Quando uma pessoa LGBTQIA+ é brutalmente assassinada, um pedaço de nós morre junto.
Fonte: POLÊMICA PARAÍBA
Créditos: UOL