Tráfico internacional

MÁFIA ITALIANA E CRIME ORGANIZADO: reportagem do O Globo mostra João Pessoa na rota de investigações da PF

Foto:  Nicola Assisi e Patrick Assisi
Foto: Nicola Assisi e Patrick Assisi

João Pessoa e Paraíba - Uma investigação internacional revelou a presença da máfia italiana ‘Ndrangheta no Brasil, onde a cidade de João Pessoa aparece como um dos principais pontos de atuação do grupo criminoso. Reportagem do jornal O Globo detalhou como os mafiosos movimentaram R$ 12 bilhões no país, utilizando a capital paraibana como base para o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

João Pessoa no radar da ‘Ndrangheta

No final de 2020, agentes monitoravam conversas entre membros da ‘Ndrangheta em um aplicativo criptografado quando identificaram mensagens enviadas pelo italiano Vincenzo Pasquino. O criminoso, que atuava como representante da máfia na América Latina, mencionava suas conexões no Brasil e no Equador. Durante esse período, Vincenzo Pasquino circulou pelo litoral brasileiro, incluindo Guarujá (SP) e João Pessoa, buscando parcerias com o Primeiro Comando da Capital (PCC) para fortalecer o tráfico internacional de drogas e operações de lavagem de dinheiro.

Em maio de 2021, Vincenzo Pasquino foi preso no Brasil e, posteriormente, extraditado para a Itália, onde firmou um acordo de delação premiada. As revelações feitas pelo mafioso ajudaram a desmantelar uma complexa rede criminosa que se espalhava por várias cidades brasileiras.

A Polícia Federal investiga Anselmo Limeira de Oliveira, ex-assessor parlamentar e ex-candidato a vereador em João Pessoa, por atuar como concierge da máfia italiana no Brasil. Ele intermediava hospedagem, transporte e negociações para mafiosos como Vincenzo Pasquino e Rocco Morabito, um dos criminosos mais procurados da Itália. Anselmo Oliveira também fornecia documentos falsos, negociava armas e drogas e usava uma construtora de fachada para lavar dinheiro do tráfico. Além disso, articulava campanhas políticas e buscava contratos públicos.

Empresas de fachada e lavagem de dinheiro

As investigações também apontaram que a ‘Ndrangheta utilizava empresas de fachada para lavar dinheiro do tráfico. Um dos alvos principais era Giuseppe Calvaruso, considerado o “tesoureiro” da organização criminosa. Ele foi preso na Itália após desembarcar do Brasil, onde controlava operações financeiras ilícitas.

Segundo o Ministério Público italiano, cerca de R$ 300 milhões foram movimentados por meio da compra de imóveis, incluindo flats, loteamentos de casas, pizzarias e cafeterias em cidades do Nordeste, como Natal (RN) e João Pessoa. Entre as empresas envolvidas no esquema estava a “América Latina Hemisfério Investimentos Imobiliários”, que detinha um capital de R$ 100 milhões.

Resposta das autoridades

Em nota, a Prefeitura de João Pessoa afirmou que nem o prefeito nem a primeira-dama são alvos do inquérito e que desconheciam o passado criminoso de Anselmo Oliveira. O caso segue sob investigação da Polícia Federal, em parceria com autoridades internacionais, para desmantelar os tentáculos da máfia italiana em território brasileiro.

Criptodoleiros

A prisão de outros dois concierges da máfia italiana no Paraná dão dimensão do modus operandi dos grupos no Brasil. A PF apontou que uma célula da ‘Ndrangheta utilizava os serviços oferecidos por William Barile Agati e Marlon Santos, presos durante a operação Mafiusi, em dezembro de 2024. Segundo as investigações, eles forneciam uma “complexa estrutura” de empresas e criptodoleiros usados para lavar o dinheiro do tráfico internacional de drogas e do PCC.

— Nessa seara, os criminosos só querem saber do lucro. Não há ideologia. Então, eles dividem esses ganhos e compartilham as estruturas — explicou o delegado da PF Eduardo Verza, responsável pela apuração e integrante da força-tarefa anti-máfia formada entre autoridades brasileiras e italianas.

Entre as empresas em nome de Agati que recebiam os repasses estão uma corretora de valores e uma produtora de eventos suspeitas de envolvimento com garimpo ilegal na Amazônia. Além disso, um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividade Financeiras) apontou movimentações do grupo para uma distribuidora de combustíveis, um banco digital e uma distribuidora de bebidas. As transações feitas para escamotear a origem ilícita dos recursos do narcotráfico, de acordo com as investigações, somam cerca de R$ 2 bilhões. A advogado de Agati, Eduardo Maurício, nega as acusações, dizendo que ele é “inocente, um empresário internacional de conduta ilibada, primário, e nunca teve nenhum contato (lícito ou ilícito) com o PCC, nem com a máfia italiana”. A defesa de Santos não foi localizada.

A célula identificada pela PF tinha os italianos Nicola Assisi e o filho como responsáveis. Conhecido pela alcunha de “Fantasma da Calábria”, Nicola mantinha um apartamento na Praia Grande, no litoral de São Paulo, de onde negociava as operações do grupo no Brasil. A gravação de uma reunião do mafioso com um integrante do PCC e um guarda civil municipal que atuava no porto de Paranaguá revelou detalhes dessa atuação. “Amigo, eu tenho 300 anos de cadeia pra fazer, mas estamos aqui. (…) Nós mandamos uma tonelada e duzentas esse mês. Demos carro, arma, dei tudo. Nós temos tudo”, disse Assisi, em português com sotaque italiano, oferecendo aos criminosos armamento, carro e um celular novo para realizarem um serviço.