Tema recorrente no debate entre os candidatos à Presidência, a aquisição de armas de fogo por cidadãos comuns tem aumentado nos últimos três anos. Dados da Polícia Federal mostram que, independentemente da discussão política, brasileiros já estão se armando como nunca.
No ano passado, foram registradas 33.031 novas armas por civis, dez vezes mais do que o volume existente em 2004, quando houve a regulamentação do Estatuto do Desarmamento.
Aprovada em 2003, a legislação restringiu imediatamente o número de novas armas para cidadãos comuns. Em 2004, primeiro ano com a legislação em vigor, foram apenas 3.055 unidades, menor dado desde que foi criado o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), em 1997. A partir de 2008, porém, uma escalada constante do armamento passou a ocorrer. O recorde foi em 2015, quando 36.807 registros foram feitos. A partir daí, o número se manteve nesse patamar.
As mortes por arma de fogo também têm crescido em ritmo acelerado: entre 1997 e 2016, houve um aumento de 87%, enquanto o total de homicídios subiu 54%, segundo o Ministério da Saúde.
Especialistas e críticos do estatuto apontam a sensação de insegurança como principal motivo para essa escalada. João Bercle, de 34 anos, quis ter sua própria arma pessoal aos 25 anos, idade mínima para quem quer se armar. Uma outra exigência, a de aptidão, não era problema: João era instrutor de tiro. O medo da violência fez com que quisesse uma arma em casa.
— Como instrutor, andava com vários policiais e poderiam achar que eu era um. Ficava vulnerável. Minha preocupação era em casa, que ficava numa região onde o policiamento era fraco — diz João, que notou, como instrutor, um aumento da procura por quem quer uma arma para defesa pessoal.
“CONTROLES FALHOS”
Além de também apontar o aumento da violência como razão para o crescimento da demanda por armas, o presidente da ONG Movimento Viva Brasil, Bene Barbosa, disse que, embora não tenham sido feitas alterações na lei que justifiquem os números, houve uma mudança no contexto nacional da política de desarmamento.
Segundo ele, delegados da PF eram pressionados a dificultar a concessão de registros e, com a fragilização do governo Dilma Rousseff e depois o impeachment, o quadro se abrandou:
— Essa política passou a ser menos austera. A pressão pelo desarmamento acabou diminuindo um pouco, então aumentou o número de registros.
A PF tem exigências para conceder o porte de arma. A idade mínima é 25 anos, e a pessoa precisa apresentar uma declaração escrita sobre a “efetiva necessidade”, explicando as circunstâncias do pedido, principalmente se há ameaça à integridade física.
Também é necessária certidão negativa de antecedentes criminais, além de comprovação de capacidade técnica e psicológica para uso da arma a partir de testes com profissionais credenciados pela PF.
Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima diz que, na prática, armas não deixam a sociedade mais segura. Ele crê que uma flexibilização das regras pode ter consequências catastróficas para o país.
— Os dados desmascaram o discurso político em torno do medo da população. O grande dilema é que a arma mata — alerta. — Com a liberação, a barbárie se instalaria para além do que já vivemos hoje. Hoje as armas não são proibidas, mas os controles já são extremamente falhos.
A coordenadora de projetos da ONG Sou da Paz, Natália Pollachi, diz que houve nos últimos anos uma proliferação de sites disseminando o discurso de que as armas trazem segurança. Divulgam passo a passo de como o cidadão consegue o registro de um revólver ou pistola. Natália conta que, como os sistemas não se comunicam, é possível ludibriar a fiscalização da PF pedindo registro como colecionador ou atirador esportivo ao Exército.
— É a pessoa tentando burlar o controle do Estado — resume Natália.
Um exemplo comum entre os defensores do armamento civil são os Estados Unidos. Os americanos representam 4,43% da população mundial, mas têm 42% das armas com civis. Segundo Michele Ramos, pesquisadora do Instituto Igarapé, os EUA têm taxas de letalidade por armas de fogo maiores do que todos os demais países desenvolvidos. A tendência também se comprova entre os próprios estados americanos.
— Esses estados (com menos restrições), a maioria no Sul, estão sempre na liderança. Outros, com leis mais restritivas, têm menores índices de mortes — diz a especialista, citando suicídios por arma de fogo como um grave problema americano.
Fonte: O Globo
Créditos: IGOR MELLO E JULIANA CASTRO