no Rio de janeiro

'A gente ia morrer junto', diz mulher no enterro do músico fuzilado pelo Exército

O carro da família de Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos, foi atingido por 80 tiros do Exército. À tarde, 10 militares presos prestarão depoimento em audiência de custódia

O músico Evaldo dos Santos Rosa, morto após ter o carro atingido por ao menos 80 tiros, foi enterrado nesta quarta-feira (10) no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, Zona Norte do Rio. À tarde, os dez militares presos pelo crime serão ouvidos na Justiça Militar.

A mulher de Evaldo estava muito emocionada ao se despedir do caixão. “A gente ia morrer junto! Junto!

O que eu vou falar pro teu filho? Eu te amo!”, disse Luciana dos Santos Nogueira, que estava no carro com o marido, o filho de 7 anos, o padrasto e uma amiga no último domingo (7). A família ia para um chá de bebê.

Durante o velório, Elizabete Cristina de Oliveira, amiga de Evaldo desde a adolescência, disse não acreditar na punição para os 10 militares do Exército presos por atirarem no carro do músico de 51 anos.

“Não sei nem se vai ter punição para esse tipo de gente, só porque são do Exército. Vão prender eles administrativamente e depois vão soltar, vão responder em liberdade.“

Carlos Renato Marques Sampaio, assistente social de 47 anos, mostrou uma bandeira com marcas de bala e sangue para simbolizar a morte do amigo Evaldo.

Ele chamou a morte de “execução sumária” e disse que nem amigos nem familiares foram procurados por autoridades. “O governo do Estado não se manifestou, o governo federal não se manifestou, e queremos saber o que eles têm a dizer.”

Ele afirmou que a responsabilização sobre o crime precisa recair também sobre quem autorizou os disparos. “Eles deram tiro no para-choque do carro. Isso mostra que eles estavam com medo. Mas alguém acionou essa ordem. Quem atirou fez porque alguém mandou atirar. E nós queremos que o Comando Militar do Leste nos procure”, afirmou ele, que disse ter um carro semelhante ao de Evaldo.

“Quero saber, se quando eu sair de casa, também vou ser alvejado como foi o Evaldo. A comunidade está com medo”.

Depois do enterro, parentes e amigos de Edvaldo fizeram um protesto em frente a um quartel do Exército na Vila Militar, na Zona Oeste do Rio.

Carlos Sampaio, assistente social, amigo de Evaldo Rosa dos Santos, morto após ter tido o carro fuzilado pelo exército em Guadalupe, na Zona Norte do Rio, explicou o porquê da bandeira cheia de tiros e marcas de sangue que foi usada varias vezes durante o enterro é enterrada junto com Evaldo:

“Essa bandeira simboliza um tiro na democracia, um tiro no nosso direito de ir e vir. Um tiro na nossa cidadania, na nossa liberdade. Nós não sabemos se poderemos continuar nas ruas que nós estamos acostumados a andar. Certeza que, se esse carro estivesse passando na Avenida Ayrton, na Vieira Souto, na Avenida Lúcio Costa, se ele seria alvejado com essa quantidade enorme de tiro. O Manduca morreu porque ele estava na Estrada do Camboatá”.

O advogado João Tancredo, que representa a família de Evaldo Rosa, diz que vai tentar tomar três medidas: transferir a investigação do caso da Justiça Militar para a Divisão de Homicídios, promover uma ação contra o Comando Militar do Leste e tentar uma indenização imediata para a família do músico de 51 anos.

No caso de ação contra o CML, Tancredo afirmou que o Comando atribuiu uma conduta criminosa à família e que isso merece punição.

“De maneira bastante irresponsável, então não é razoável que alguém cometa uma barbárie e não tenha nenhuma resposta a isso”, afirmou o representante da defesa da família.

A Polícia Civil diz que “tudo indica” que o veículo foi confundido com o de criminosos. Dos 12 homens do Exército que participaram da ação, 10 foram presos na segunda-feira (8). Eles vão prestar depoimento na 1ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar.

A audiência de custódia vai analisar a legalidade das prisões e a necessidade de mantê-los detidos. A defesa de cada um dos militares também dará sua versão.

O caso é investigado pelo Exército devido a uma lei sancionada em 2017 pelo então presidente Michel Temer (MDB).
O decreto determina a investigação militar em casos de ações:

do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo presidente da República ou pelo ministro de Estado da Defesa;
de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante;
de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária

A princípio, o Comando Militar do Leste (CML) informou que os agentes tinham respondido a “injusta agressão” de criminosos. No entanto, na manhã de segunda, o CML disse que identificou “inconsistências” entre os fatos reportados pelos militares e comunicou que os agentes acabaram afastados.

 

 

Fonte: G1
Créditos: G1