Donald Trump voltou ao palco na noite de sábado, após meses recluso em sua mansão da Flórida sem atos públicos, e lançou um discurso explosivo contra a Administração de Joe Biden que assentou as bases da campanha que prepara com o foco nas eleições legislativas de 2022, quando os republicanos tentarão recuperar o controle da Câmara de Representantes e do Senado para limitar as ações do presidente democrata. “Estão destruindo nosso país diante de nossos olhos”, disse assim que iniciou sua fala na convenção republicana da Carolina do Norte.
No ato, e durante mais de uma hora, Trump acusou Biden de “abrir completamente a fronteira” aos imigrantes sem documentos, bradou contra o Governo “de esquerda mais radical da história” dos Estados Unidos e alimentou o fantasma de fraude eleitoral em 2020, afirmando que “milhares de imigrantes ilegais” e pessoas supostamente mortas votaram. Foi, disse, “o crime do século”.
O ex-presidente republicano, que continua sem reconhecer a derrota nas eleições presidenciais, ameaçou novamente com a ideia de concorrer em 2024, mas, principalmente, demonstrou que já tem o olhar ―e a máquina― posto no próximo encontro com as urnas: “A sobrevivência dos Estados Unidos depende de nossa capacidade de eleger republicanos em todos os níveis, começando pelas eleições de meio de mandato no ano que vem”, disse no centro de convenções de Greenville (Carolina do Norte). Seu último discurso público foi em 28 de fevereiro, no encerramento da Conferência de Ação Política Conservadora.
A noite teve muito de déjà vu. Tocava a lista de canções habitual prévia a seus comícios, com My heart will go on, do filme Titanic, e ele apareceu no palco com uma hora de atraso, com sua inconfundível gravata vermelha, enquanto tocava a habitual música country de cada início de discurso, God bless the USA (Deus abençoe os EUA), de Lee Greenwood. Frisou que havia deixado como herança a Biden uma economia em estado de graça ―até que a pandemia paralisou a atividade― e criticou os recentes ciberataques sofridos por empresas importantes, como o grande oleoduto da costa Leste, como um sinal de fraqueza.
Desde que foi expulso das redes sociais e deixou a Casa Branca, Trump desapareceu do foco midiático. Não apareceu em atos públicos, as menções sobre ele desabaram 95% nas principais plataformas, segundo um cálculo feito pelo The Washington Post, e o blog que abriu há um mês para congregar seus fiéis e recuperar o empuxo do ciberespaço fechou com resultados magros. O Facebook anunciou na sexta-feira que manterá sua conta suspensa durante mais dois anos ―responsabilizado por incitar a violência no dia do ataque ao Capitólio em 6 de janeiro― com a ideia de revisar a decisão em 2023.
Paralelamente, entretanto, seu poder sobre o Partido Republicano se consolidou. A defenestração de Liz Cheney da liderança do partido na Câmara de Representantes consumou esse domínio. Cheney, congressista por Wyoming e filha do ex-vice-presidente Dick Cheney (na Administração de George W. Bush), batalhava abertamente contra o boato de fraude eleitoral que Trump e seus acólitos continuam espalhando nove meses depois das eleições presidenciais. Se era uma batalha pela alma do Grand Old Party (Grande Velho Partido) de Abraham Lincoln, Trump a venceu.
Ele continua jogando com as expectativas mirando 2024, deslizando aqui e acolá a ideia de que pode voltar a se candidatar às eleições presidenciais, algo quase sem precedentes na história de mandatários que perdem nas urnas. “Na próxima vez em que estiver na Casa Branca, não ocorrerão mais jantares com Mark Zuckerberg [presidente do Facebook], a seu pedido, e sua esposa. Será só trabalho!”, afirmou em um comunicado de três linhas na sexta-feira, após o anúncio da decisão da rede social.
Todas as pesquisas feitas até hoje o colocam como vencedor de eventuais primárias republicanas realizadas agora, contra concorrentes como seu vice-presidente, Mike Pence, e a ex-embaixadora nas Nações Unidas Nikkey Haley. Em seu retiro na mansão de Mar-a-Lago, na Flórida, continua recebendo membros do partido, outorga e nega apoios a candidatos em disputas estaduais através de comunicados e organiza eventos de arrecadação de fundos para seu Comitê de Ação Política, chamado Salvem a América, para financiar sua atividade política após o fim de seu mandato.
Nessa noite repetiu várias vezes o bordão com o qual se lançou à corrida pela Casa Branca em 2016: “América, primeiro”. E acusou Biden de destruir seu legado. “Os Estados Unidos são desprezados e humilhados no mundo”, disse. Ao acabar, tocou YMCA, do Village People, e ao som de “Young man, there’s no need to feel down, I said young man, pick yourself off the ground… (”Jovem, não precisa se sentir triste; jovem, levante-se do chão…)” se despediu, provavelmente, por pouco tempo.
Fonte: EL País
Créditos: EL País