De Veja
Um vistoso cartaz com um largo sorriso de Hugo Chávez, presidente que comandou a Venezuela entre 1999 e 2013, dá as boas-vindas aos pacientes da ala infantil de um dos mais prestigiados hospitais da capital, Caracas, o El Algodonal, referência em doenças respiratórias. Às 7 da manhã de uma quarta-feira, a Guarda Nacional Bolivariana, que armada vigia as portas, estava em troca de turno — e aí abriu-se a fresta para um passeio pelo interior. É um cenário de horrores. Faltam luvas, máscaras, antibióticos, oxigênio e até mesmo água, que os familiares trazem em garrafas de refrigerante abandonadas nos banheiros imundos.
Goteiras pingam na cozinha sobre a minguada comida dos doentes, muitos com diagnóstico de má nutrição. Não raro, também a luz se apaga, conferindo contornos surrealistas ao drama humano que transcorre naqueles corredores. Outro dia, a cirurgiã chefe Marieta del Raya operava um homem quando se deu um apagão. Manteve as mãos firmes e terminou o delicado trabalho de costura do abdômen com a lanterna do celular. “Esse país está na UTI”, resume a doutora.
O retrato do outrora centro de excelência médica, para onde afluía gente de toda a América Latina, é um triste espelho da Venezuela de hoje — o vizinho que a todo instante desponta no polarizado debate político brasileiro como um alvo de intensos ataques ou elogios, a depender do matiz ideológico de quem tem o microfone. Ali, água abundante na torneira, luz acesa, gás para cozinhar, todas essas conquistas civilizatórias básicas se tornaram artigos de luxo no castigado cotidiano da imensa maioria da população desassistida em suas necessidades mais elementares.
Segundo novos dados da Pesquisa Nacional de Condições de Vida, colhidos a cada ano pelas três grandes universidades do país, à frente do zelo pelas estatísticas que o governo não fornece, inacreditáveis 94,5% das pessoas estão afundadas na pobreza, vivendo com menos de 3,2 dólares por dia. Uma porção de três quartos desse contingente habita uma zona ainda mais dramática — a da miséria. Em nenhum lugar do planeta a fatia dos pobres é tão vasta, nem mesmo em nações africanas onde a escassez historicamente maltrata os indivíduos, como Madagascar e o Sudão do Sul (veja o ranking). “É a pior crise econômica e humanitária já registrada na América Latina, e não foram poucas”, diz Paulo Velasco, especialista na região e autor de Venezuela e o Chavismo em Perspectiva.
A face mais perversa da espiral da pobreza é a fome, que draga as forças e concentra as energias nas asperezas da sobrevivência. Um levantamento do Programa Mundial de Alimentos da ONU mostra que um em cada três venezuelanos não atinge as exigências nutricionais mínimas. É rotina que se desenrola em lares como os do povoado de Tocoron, a duas horas de Caracas. Em casebres que abrigam geladeiras vazias e eletrodomésticos enferrujados, comprados no tempo de menos aperto, cinco primos entre 5 e 11 anos estão abaixo do peso e pequeninos, aparentando bem menos idade.
Comem, como se diz nas casas venezuelanas, lo que hay — se não há nada, ficam à míngua. Logo se avista Luiz Cadiz, ouvido pela reportagem de VEJA há três anos e agora, de novo, aos 18. Antes, o menino sonhava voltar a “comer carne”. “Hoje quero comer qualquer coisa”, afirmou em cortante depoimento em que dá rosto a uma perturbadora realidade apontada pela mesma pesquisa, que cavucou as dimensões da pobreza: em 2020, ela saltou 91%. A pandemia e seu deletério efeito sobre o mercado de trabalho contribuíram para tamanha expansão, mas o vírus é apenas um de vários fatores que arrastam o país às profundezas da crise.
As informações são da Revista Veja.
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Polêmica Paraíba