Aos 83 anos, uma das escritoras mais premiadas da Rússia contemporânea, Liudmila Petruchevskaia diz que a guerra “fratricida” de Vladmir Putin — que ela chama de criminoso — envergonha a história de orgulho do povo russo, que derrotou Adolf Hitler.
Em entrevista ao GLOBO em 2017, Petruchevskaia contou ter aprendido a conquistar a liberdade em um país de escassez. Passou fome, viveu anos com um único vestido e enfrentou o estigma de ser neta, filha e sobrinha de presos e executados durante o stalinismo. Sua família foi considerada inimiga do povo pelo ex-ditador.
Seus primeiros livros foram publicados na Rússia depois da perestroika, quando já faziam sucesso na Europa e dentro do próprio país, pois, como tantos outros, chegavam aos soviéticos pelo “samizdat”, as publicações caseiras de títulos proibidos. No Brasil, foram publicados dela “A menininha do hotel Metropol” e “Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha”, ambos pela Companhia das Letras.
Leia abaixo o depoimento
“Vivemos tempos terríveis na Rússia — piores do que durante a Segunda Guerra Mundial, quando fomos atacados por Hitler. À época, o mundo inteiro apreciava nosso povo, nosso país, e nossas amadas Forças Armadas. Para proteger o resto do mundo, pagamos com nosso sangue; e grandes países nos ajudaram — sobretudo os Estados Unidos e a Inglaterra. Todos os intelectuais da Europa formaram movimentos de resistência para lutar contra Hitler.
Naquele momento, minha família vivia nos confins da Rússia. Passamos fome, eu tive tuberculose, pedi esmolas nas ruas e cantei por um pedaço de pão — eu tinha sete anos quando a guerra acabou. Mas me lembro de tudo. Cresci orgulhosa do meu povo. Orgulhosa dos pobres, das mulheres que deram tudo para proteger o seu país no front doméstico. Toda a sua dor e sofrimento estão nos meus livros e peças.
Agora a Rússia foi esmagada. Os generais de Putin a violaram e destruíram, pegaram seus filhos para lutar uma guerra vil, odiosa — uma guerra contra nossos próximos, nossos irmãos, contra a nossa amada Ucrânia.
Não consigo parar de chorar enquanto leio as notícias na internet. É como se eu estivesse me escondendo das nossas bombas! Como se eu estivesse protegendo as nossas crianças do fogo, dos tiros das nossas outras crianças. Eu estou lá, com a Ucrânia, me preparando para passar fome e pedir esmola novamente. Imploro ao mundo inteiro que ajude a Ucrânia.
Por esta guerra, responsabilizo o principal criminoso: Putin. Que o sangue de todos os mortos nessa guerra caia sobre sua cabeça decrépita, corra pela sua face e mãos. Ele é o culpado por esse massacre. É um criminoso.
Estou pronta para ser presa, para apanhar da polícia, para passar fome e sede, como o que está acontecendo com aqueles que protestaram nas ruas. Mas eu, e somente eu, sou responsável pelas minhas palavras. Meus filhos, netos e bisnetos não têm nada a ver com o meu depoimento.”
Fonte: O Globo
Créditos: Polêmica Paraíba