PRETENSÕES

Presidente do Afeganistão propõe reconhecer Taleban como grupo político

Ashraf Ghani sugeriu a implementação de um cessar-fogo e a libertação de prisioneiros como parte de uma série de opções, incluindo a realização de novas eleições envolvendo os militantes e uma revisão da Constituição

Depois de 16 anos de guerra e mais de 100 mil mortos, o governo do Afeganistão decidiu nesta quarta-feira, 28, tentar a última cartada para conseguir a paz: reconhecer o Taleban como grupo político. “Estamos fazendo esta oferta sem precondições para que os taleban contribuam para o processo de paz”, afirmou o presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani. É a primeira vez que o governo do país fala em uma negociação sem precondições.

“A expectativa é que o Taleban contribua para o processo de paz, cujo objetivo é atraí-lo, como uma organização, às negociações de paz”, afirmou Ashraf Ghani.

O plano é uma tentativa de evitar uma guerra sem fim contra o Taleban, que ganha cada vez mais território no Afeganistão após uma década de declínio. Em 2016 e 2017, o grupo conquistou áreas que haviam sido tomadas pelo governo afegão com apoio de tropas americanas.

Estima-se que o Taleban controle quase 4% do território do país e tenha presença em 66%. Segundo um levantamento do centro de estudos americano Fundação para a Defesa da Democracia, “desde a retirada da força máxima dos EUA do Afeganistão, o Taleban ressurgiu de forma incontestável”.

Ghani propôs a implementação de um cessar-fogo e a libertação de prisioneiros como parte de uma série de opções, incluindo a realização de novas eleições envolvendo os militantes e uma revisão da Constituição como parte de um acordo com o Taleban.

Nos últimos meses, os taleban intensificaram ações terroristas em várias regiões do país, até mesmo na capital, Cabul. No mês passado, mais de cem pessoas morreram quando uma ambulância transformada em carro-bomba explodiu no centro da capital. Segundo a ONU, o aumento no número de ataques terroristas no ano passado resultou em mais de 10 mil vítimas civis – 3.438 mortos e 7.015 feridos.

A saída dos EUA do Afeganistão também preocupa Ghani. O governo afegão sabe que não tem como vencer o grupo sem os americanos. Em 2017, havia 8.400 soldados americanos em solo afegão – no auge do conflito, em 2010, havia 140 mil. Trump quer a retirada total, mas generais convenceram o presidente a enviar mais 3 mil soldados.

Outro fator que pode facilitar a negociação é a pressão que os EUA fizeram sobre o Paquistão no fim do ano passado, cortando apoio financeiro ao país enquanto Islamabad não parasse de apoiar o Taleban. Acredita-se que o Paquistão use os taleban para manter uma instabilidade na fronteira com a Caxemira, disputada com a Índia. “O fator financeiro e a pressão de Trump ajudam a explicar essa repentina vontade de negociação entre as partes”, tuitou Michael Semple, ex-negociador da ONU com o Taleban.

Em troca do reconhecimento como grupo político legítimo e da participação nas eleições, os taleban teriam de reconhecer o governo afegão e respeitar o estado de direito. Apesar da dificuldade, analistas acreditam que um acordo seja possível. “Mesmo com o sucesso no campo de batalha, os taleban tiveram perdas, sem contar com a ameaça do Estado Islâmico em território afegão. Um processo de paz pode ser bom e agrada aos taleban do Catar”, afirmou ao jornal The Guardian Simon Gass, representante civil da Otan no Afeganistão. “Para o governo afegão, sem os americanos, a única maneira de lidar com o Taleban é o diálogo.”

O Taleban, que luta para restabelecer um regime islâmico linha-dura após ter sido retirado do poder em 2001 por soldados liderados pelos EUA, já propôs iniciar conversas com Washington, mas até agora tem recusado negociações diretas com Cabul. Não ficou claro se o grupo estaria preparado para mudar seu posicionamento, apesar da crescente pressão internacional. / AFP, AP e REUTERS

Fonte: Estadão
Créditos: Estadão