Covid-19

Novo estudo liga 17 mil mortes em seis países ao uso da cloroquina para tratar o coronavírus

Um novo estudo publicado na revista científica Biomedicine & Pharmacotherapy, nesta semana, afirma que cerca de 17 mil mortes podem ser relacionadas ao uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes hospitalizados com Covid-19 durante a primeira onda da pandemia, em 2020, em seis países.

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Um novo estudo publicado na revista científica Biomedicine & Pharmacotherapy, nesta semana, afirma que cerca de 17 mil mortes podem ser relacionadas ao uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes hospitalizados com Covid-19 durante a primeira onda da pandemia, em 2020, em seis países.

O trabalho foi conduzido por cientistas de Lyon, na França. Para traçar a estimativa, eles analisaram 44 estudos de coorte realizados com pacientes internados na Bélgica, França, Itália, Espanha, Turquia e Estados Unidos, entre março e agosto de 2020.

Com base nos dados, eles calcularam a taxa estimada de pacientes hospitalizados com Covid-19 em cada país no período, a taxa de prescrição da hidroxicloroquina como parte do tratamento da doença e o número geral de mortes.

Em seguida, eles relacionaram esses dados com o aumento de 11% da mortalidade entre pacientes tratados com a hidroxicloroquina. Esse percentual foi apontado por uma análise de diversos ensaios clínicos conduzida por uma equipe de quase 100 pesquisadores, publicada no periódico Nature Communications em 2021.

Com isso, os cientistas franceses chegaram à estimativa de que a hidroxicloroquina pode ser relacionada a 95 óbitos na Turquia; 199, na França; 240, na Bélgica; 1.822, na Itália; 1.895, na Espanha, e 12.739 óbitos nos Estados Unidos.

“A principal conclusão do presente estudo é que a HCQ (hidroxicloroquina) pode ter sido associada a um excesso de 16.990 mortes durante a primeira onda da pandemia de COVID-19 nos seis países para os quais havia dados disponíveis. (…) Estes números provavelmente representam a ponta do iceberg, subestimando assim largamente o número de mortes relacionadas com HCQ em todo o mundo”, escreveram os autores no trabalho.

Isso porque, devido ao monitoramento necessário para fazer a análise, apenas as nações listadas, que tinham esses dados disponíveis, foram incluídas no novo estudo. Já países que utilizaram amplamente a hidroxicloroquina de forma off-label (finalidade diferente da bula), como o Brasil e a Índia, não foram avaliados.

O especialista explicou que já se sabia que a hidroxicloroquina não era uma molécula isenta de riscos, por isso o objetivo de avaliar o impacto que a ampla utilização na emergência sanitária pode ter causado. Um dos efeitos conhecidos, por exemplo, é a retinopatia tóxica, uma perda visual irreversível que sublinha a importância de usar medicamentos apenas nos contextos indicados pelas autoridades médicas.

— Temos dados da farmacovigilância de um lado e também testes e controles randomizados de outro lado, que nos mostram que a cloroquina pode ter uma toxicidade cardíaca. Estes dados já são bem conhecidos, principalmente no uso da droga em casos de doenças autoimunes e para a malária (recomendação mais comum do fármaco) — complementou Lega.

No trabalho, os pesquisadores escrevem que a prescrição off-label até “pode ser apropriada quando os médicos julgam ter evidências suficientes para sugerir o benefício da medicação”. No entanto, destacam que “a primeira série (de estudos) que relatou o efeito da hidroxicloroquina mostrou eficácia limitada ou nenhuma na redução da mortalidade”.

À emissora francesa BFM, o médico especialista em saúde pública Jean-Pierre Thierry lembrou que de fato, em julho de 2020, quando os primeiros estudos sérios confirmaram que a molécula não tinha efeito contra a Covid-19, a maioria dos países seguiram as recomendações médicas de não prescrever o medicamento, porém alguns continuaram.

— A prescrição da hidroxicloroquina caiu a partir de julho de 2020, exceto em alguns países que preferiram continuar a usá-la. Estamos falando do Brasil de Bolsonaro, da Índia também. Mas no geral, na maioria dos países, a partir de julho, quando tivemos provas de que ela não funcionava de forma alguma, a prescrição parou — disse.

No mês seguinte, um amplo ensaio clínico de pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, com aproximadamente 4,5 mil pacientes, reforçou os resultados, indicando que o remédio não diminuía o tempo de internação, nem o risco de morte. Os testes foram encerrados mais cedo pois seria antiético continuá-los diante da clara ineficácia.

Desde então, uma série de outros trabalhos aumentaram o corpo de evidências que apontam para a falta de benefícios, e possíveis riscos, no uso da hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19. Ainda assim, líderes pelo mundo, como o ex-presidente americano Donald Trump e o ex-mandatário do Brasil Jair Bolsonaro, seguiram na defesa o medicamento.

Em agosto de 2020, durante um ato em Belém, capital do Pará, Bolsonaro disse ser “a prova viva que (a cloroquina) deu certo”. — Muitos médicos defendem esse tratamento e sabemos que mais de cem mil pessoas morreram no Brasil que, caso tivessem sido tratados lá atrás com esse medicamento, poderiam suas vidas terem sido evitadas, e mais ainda aqueles que criticaram a hidroxicloroquina não apresentaram alternativas — afirmou numa das inúmeras defesas, sem evidências científicas, do remédio.

Fonte: O Globo
Créditos: Polêmica Paraíba