A declaração do presidente Jair Bolsonaro de que “a grande maioria dos imigrantes em potencial não tem boas intenções nem quer fazer bem ao povo americano” amplia o estigma sobre centenas de milhares de brasileiros que vivem nos EUA e enfrentam dificuldades crescentes, diz à BBC News Brasil Natalícia Tracy, dirigente de uma das principais associações de imigrantes brasileiros no país.
“É muito frustrante que os imigrantes – 99% dos quais são pessoas de bem, que estão aqui há décadas com suas famílias, com crianças, que estudam e pagam seus impostos – sejam tratados como criminosos”, diz Tracy, brasileira que se mudou para os EUA em 1989 e preside o Centro do Trabalhador Brasileiro, em Boston.
O Palácio do Planalto não comentou as críticas até a publicação desta reportagem.
A organização auxilia moradores brasileiros nos Estados de Massachusetts e Connecticut, onde eles são estimados em 400 mil. Calcula-se que cerca de 1 milhão de brasileiros vivam nos EUA.
Muro na fronteira com México
A declaração de Bolsonaro foi feita na segunda-feira em entrevista à TV americana Fox News. O brasileiro elogiou o endurecimento da política migratória americana no governo de Donald Trump e defendeu a construção de um muro na fronteira do país com o México.
A medida, uma das principais promessas de campanha de Trump, enfrenta forte resistência no Congresso e ainda não saiu do papel.
“Eu gostaria muito que os EUA levassem adiante a atual política de imigração, porque em larga medida nós devemos a nossa democracia no Hemisfério Sul aos Estados Unidos”, disse Bolsonaro.
No dia anterior, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, gerou polêmica ao afirmar que “brasileiro ilegalmente fora do país é problema do Brasil, é vergonha nossa”.
Criticado pela fala, ele disse que havia sido mal interpretado e que já trabalhou ao lado de “mexicanos e peruanos” em lanchonetes dos EUA por alguns meses, quando viajou ao país como estudante.
‘Efeito dominó’
Para Natalícia Tracy, as afirmações do presidente e seu filho têm um peso grande para brasileiros que vivem nos EUA sem documentos. Ela diz que o grupo responde por cerca de 60% da comunidade e é formado por pessoas que “só migraram porque o Brasil não lhes ofereceu condições”.
Tracy diz que, no governo Trump, muitos imigrantes brasileiros sem documentos deixaram de procurar a polícia para denunciar crimes de que são vítimas, como violência doméstica ou abusos trabalhistas. A postura reflete o temor de que os policiais os entreguem para os órgãos federais de imigração.
Tracy diz que, na gestão Trump, esses órgãos ampliaram o escopo de sua atuação, expandindo para todo o território americano ações que antes se concentravam nas fronteiras.
“A fala de Bolsonaro terá um efeito dominó, ampliando o estigma sobre a comunidade e estimulando as pessoas a se isolarem ainda mais”, afirma a brasileira.
“Não bastasse Trump, agora nosso próprio presidente nos cria dificuldades, incentivando uma política que expõe milhões de pessoas à caça.”
Eleitores de Bolsonaro nos EUA
A própria Tracy já foi vítima de abusos trabalhistas após se mudar para os EUA. Levada ao país aos 19 anos para acompanhar uma família brasileira em Boston, ela diz que trabalhava até 17 horas por dia como babá e doméstica – e que dormia numa “varanda fechada com cimento grosso no chão”.
Após o fim do contrato e a volta da família ao Brasil, Tracy resolveu permanecer nos EUA e se dedicar aos estudos. Ela se formou em psicologia e sociologia e recebeu um título de PhD na Universidade de Massachusetts. Hoje, além de dirigir a associação de imigrantes, Tracy dá aulas na universidade.
A brasileira diz acreditar que muitos imigrantes que endossaram Bolsonaro na última eleição vão se arrepender. O capitão reformado venceu entre os brasileiros que moram nos maiores centros urbanos dos EUA.
Todos os membros da comunidade estão aptos a votar, independentemente de sua situação migratória. Em Boston, Bolsonaro obteve 80% dos votos no primeiro turno.
“Eles vão mudar de opinião quando virem suas famílias sendo mais atacadas, mais marginalizadas, e principalmente quando eles próprios estiverem na cadeia.”
Fonte: BBC Brasil
Créditos: João Fellet