Quando a Coreia do Norte lançou seus mísseis de longo alcance, eles foram propelidos pelo UDMH, um combustível raro e potente que as agências de inteligência acreditavam ser de origem chinesa e russa. Os EUA ainda não determinaram se os dois países fornecem matéria-prima para esse combustível volátil e se o fornecimento pode ser interrompido por meio de sanções ou sabotagem.
Analistas acreditam que os EUA precisam se concentrar na questão do combustível para retardar o programa nuclear norte-coreano. Mas pode ser tarde demais. Para membros da comunidade de inteligência, o programa já avançou a tal ponto que o país não dependeria mais de fornecedores externos e estaria produzindo o poderoso combustível por conta própria.
Apesar dos persistentes alertas da comunidade de inteligência de que a Coreia do Norte vinha adquirindo motores e combustível potentes para seus mísseis, não há evidências de que Washington tenha agido com urgência para cortar o acesso de Pyongyang a esse propelente raro.
Memorandos secretos dos governos de George W. Bush e de Barack Obama expuseram, com uma clareza profética, como a busca dos norte-coreanos por um combustível altamente potente permitiria ao país desenvolver mísseis que poderiam alcançar qualquer parte do continente americano.
Os Estados Unidos não produzem mais o UDMH. Em 1996, a agência espacial americana (Nasa) alertou para seus riscos tóxicos e explosivos, produzindo um vídeo que começa com uma detonação espetacular.
A Casa Branca e as agências de inteligência americanas recusaram-se a dizer o que vem sendo feito para cortar o fornecimento do combustível para os norte-coreanos, mencionando o caráter sigiloso de seus esforços para interromper o programa de mísseis da Coreia do Norte, que incluíram ataques cibernéticos, autorizados pelo presidente Obama em 2014.
Em 2012 e 2014, o combustível foi incluído nas listas do Conselho de Segurança das Nações Unidas de produtos de exportação proibida. Segundo especialistas, pouca gente prestou atenção a esse pormenor.
“Todas as coisas cuja exportação para a Coreia do Norte foram proibidas acabaram entrando de alguma maneira no país”, disse Vann van Diepen, ex-funcionário do Departamento de Estado que teve papel central nos esforços americanos para controlar a propagação de armas de destruição em massa.
No entanto, os registros dos esforços americanos para monitorar o avanço da Coreia do Norte mostram uma preocupação crescente, que já dura uma década, de que os norte-coreanos estariam obtendo motores russos para seus mísseis e o combustível para sua propulsão.
Um memorando secreto e assinado em outubro de 2008 por Condoleezza Rice, então secretária de Estado, advertia os aliados de que os norte-coreanos haviam obtido um motor cujo combustível propulsor era o UDMH, o que representaria “um avanço substancial na tecnologia de propelentes líquidos por parte da Coreia do Norte”, acrescentando que ele permitiria “ao país construir mísseis de alcance ainda maior”.
O memorando, incluído nos documentos divulgados mais tarde pelo WikiLeaks, é prova dos esforços iniciais para que os países que assinaram o Regime de Controle da Tecnologia de Mísseis mantivessem esse avanço fora do alcance da Coreia do Norte, Irã e de outros países.
O míssil lançado na semana passada pela Coreia do Norte, que sobrevoou o norte do Japão, partiu de um desses lançadores móveis alimentados pelo UDMH, o que foi mostrado por satélites espiões.
Autoridades americanas, assessores do Congresso e cientistas afirmam que indícios sugerem que, no decorrer dos anos, Pyongyang conseguiu o combustível, seus componentes, sua fórmula secreta e os equipamentos de manufatura da China, sua principal parceira comercial. Pequim ainda usa o UDMH em satélites e ogivas e há muito tempo exporta a substância para todo o planeta.
Fonte: Estadão