A equipe do governo de Donald Trump se recusa a assinar uma carta permitindo que a equipe de transição do presidente eleito Joe Biden inicie formalmente seu trabalho nesta semana, em outro sinal de que o presidente em exercício não reconheceu a vitória de Biden e pretende dificultar a transferência de poder.
O responsável pela Administração de Serviços Gerais, GSA, na sigla em inglês, a agência encarregada dos prédios federais, tem um papel pouco conhecido quando um novo presidente é eleito: assinar a papelada que entrega oficialmente milhões de dólares em recursos, bem como dar acesso a funcionários do governo, espaço de escritório em agências e equipamentos autorizados para as equipes de transição do vencedor.
Trata-se de uma declaração formal do governo federal, sem divulgação da mídia, do vencedor da corrida presidencial.
Mas na noite de domingo, quase 36 horas depois que os meios de comunicação projetaram Biden como o vencedor, a administradora do GSA, Emily Murphy, não havia escrito tal carta. E o governo Trump não tem planos imediatos para assiná-la, segundo fonte ouvidas pelo Washington Post. Isso poderia levar ao primeiro atraso de transição na história moderna dos Estados Unidos, exceto pelo atraso em 2000, quando a Suprema Corte decidiu interromper a recontagem dos votos na Flórida no embate entre Al Gore e George W. Bush.
“Uma verificação ainda não foi feita”, disse Pamela Pennington, porta-voz da GSA, em um e-mail, “e o administrador do GSA continuará a cumprir todos os requisitos da lei”.
A declaração da GSA deixou os especialistas em transições federais se perguntando quando a Casa Branca espera que a transferência de um governo para o outro comece – quando o presidente esgotar seus meios legais para lutar contra os resultados, ou quando a votação formal do colégio eleitoral ocorrer, em 14 de dezembro? Faltam 73 dias, a partir desta segunda-feira, 9, para a posse de Biden, em 20 de janeiro.
O GSA faz parte do planejamento de transição desde que a Lei de Transição Presidencial foi assinada em 1963. Desde então, a agência identificou o vencedor em poucas horas ou um dia das depois das projeções da mídia e semanas antes de os resultados serem oficializados pelo colégio eleitoral ou certificados pelas legislaturas estaduais.
Chris Lu, que atuou como diretor de transição do ex-presidente Barack Obama em 2008, lembrou que depois que Obama foi declarado vencedor sobre John McCain em 4 de novembro, ele foi dormir para se levantar cedo na manhã seguinte para abrir o escritório de transição . Ele não atendeu a ligação do administrador interino do GSA, Jim Williams, informando-o de que havia cedido recursos de transição para a equipe de Obama.
“Jim fez a ligação à 1h”, disse Lu. “Simplesmente não havia controvérsia envolvida.”
Robert C. MacKichan Jr., advogado que atuou como conselheiro geral da GSA para os presidentes Ronald Reagan e George H.W. Bush disse que, como Trump está contestando a eleição e os eleitores ainda não votaram, é muito cedo para Murphy tomar essa decisão. Depois que o administrador emite a carta, os fundos podem ser gastos e não podem ser recuperados.
“Não acho, neste momento, que me sentiria confortável em tomar essa decisão”, disse MacKichan. “É prematuro.”
MacKichan disse estar confiante de que Murphy lidaria com uma situação difícil de forma justa. “Como advogado e oficial do governo, acho que ela tem o mais alto padrão de integridade”, disse ele.
“Nenhum chefe de agência vai se adiantar ao presidente sobre questões de transição agora”, disse um alto funcionário do governo, que falou sob a condição de anonimato porque não estava autorizado a falar publicamente. O responsável previu que os chefes das agências serão instruídos a não falar com a equipe de Biden.
Outro alto funcionário do governo que não foi autorizado a falar publicamente disse que cada agência elaborou planos de transição detalhados para um novo governo, mas eles não serão divulgados para a equipe de Biden até que um vencedor seja formalmente declarado.
Trump resiste em participar de uma transição – temendo ser um mau presságio -, mas permitiu que assessores importantes participassem, desde que os esforços não se tornassem públicos, disseram funcionários do governo. É improvável que ele admita que perdeu ou participe de atividades tradicionais, disseram as autoridades.
A decisão chamou a atenção para Murphy, cujo mandato de quatro anos foi marcado por várias controvérsias envolvendo o presidente, um perfil incomum para uma agência pouco conhecida fora de Washington.
“A ação dela agora deve ser condenada”, disse o deputado Gerald E. Connolly, democrata, que lidera um painel de supervisão da Câmara sobre as operações federais. “É um comportamento consistente com a subserviência dela aos desejos do próprio presidente e é claramente prejudicial à transição ordenada de poder.”
O atraso tem implicações práticas e simbólicas. Ao declarar o “aparente vencedor” de uma eleição presidencial, o administrador do GSA libera sistemas de computador e dinheiro para salários e apoio administrativo para o gigantesco empreendimento de estabelecer um novo governo – um custo estimado de US$ 9,9 milhões este ano.
Os oficiais de transição obtêm endereços de e-mail do governo. Eles conseguem espaço para escritórios em cada agência federal. Eles podem começar a trabalhar com o Escritório de Ética Governamental para processar a divulgação financeira e os formulários de conflito de interesse para seus indicados.
E eles têm acesso a altos funcionários, nomeados políticos da administração que se encerra e funcionários públicos de carreira, que retransmitem as prioridades e projetos em andamento de uma agência, prazos futuros, áreas problemáticas e riscos. O governo federal tem uma operação de US$ 4,5 trilhões e, embora a equipe de Biden não seja nova no governo, o acesso à suas operações é crítico, disseram os especialistas.
Tudo isso ficará em espera por enquanto. “Agora que a eleição de Joe Biden foi projetada de forma independente, esperamos que o administrador do GSA determine rapidamente Joe Biden e Kamala Harris como presidente eleito e vice-presidente eleito”, disse um porta-voz de transição de Biden por e-mail. “A segurança nacional e os interesses econômicos dos Estados Unidos dependem da sinalização do governo federal de forma clara e rápida que o governo dos Estados Unidos respeitará a vontade do povo americano e se envolverá em uma transferência de poder tranquila e pacífica”.
À medida que a campanha terminava, o presidente Trump deu sinais de que não entregaria facilmente as rédeas do poder ao seu sucessor. Mas pessoas que já passaram por transições desse tipo afirmam se tratar de um empreendimento massivo que requer disciplina, tomada de decisões e rápido aprendizado. Cada dia perdido atrasa o cronograma do novo governo.
“O processo de transição é fundamental para garantir que a próxima equipe esteja pronta para o primeiro dia”, disse Max Stier, presidente e executivo-chefe da parceria apartidária para o serviço público, que criou um centro de transição presidencial e compartilha conselhos com as equipes de Biden e Trump. “É fundamental que você tenha acesso às agências antes de colocar seu pessoal no lugar.”
A equipe de Biden pode avançar para obter autorizações de segurança preliminares e iniciar verificações de antecedentes exigidas pelo FBI sobre candidatos em potencial que requerem confirmação do Senado.
Em uma ligação na sexta-feira com funcionários do governo, Mary Gibert, chefe da equipe de transição presidencial no GSA, disse a colegas que a agência estava em “compasso de espera” e não deveria “hospedar pessoas de equipes de Biden até que haja uma certificação”. Ela não deu um cronograma específico sobre quando era esperado.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Polêmica Paraíba