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Entenda o que é catfishing, golpe que levou atleta italiano a acreditar que namorava Alessandra Ambrosio por 15 anos

O caso do jogador de vôlei italiano Roberto Cazzaniga, que acreditou por 15 anos que namorava à distância a modelo brasileira Alessandra Ambrosio, causou espanto e compaixão entre internautas. O atleta, que enviou 700 mil euros (R$ 4,3 milhões) para a estelionatária ao longo do falso relacionamento amoroso, caiu num golpe conhecido como catfishing.

O caso do jogador de vôlei italiano Roberto Cazzaniga, que acreditou por 15 anos que namorava à distância a modelo brasileira Alessandra Ambrosio, causou espanto e compaixão entre internautas. O atleta, que enviou 700 mil euros (R$ 4,3 milhões) para a estelionatária ao longo do falso relacionamento amoroso, caiu num golpe conhecido como catfishing. Na prática, uma pessoa finge ser outra nas redes sociais para enganar a vítima e obter vantagens a partir da confiança estabelecida. O termo se popularizou em 2010, quando foi lançado o documentário “Catfish”, do produtor e ator Nev Schulman. No filme, estrelado por ele mesmo, Nev mostrou que a mulher com quem ele vinha se relacionando na web também usava fotos de uma modelo para se identificar. Na verdade, a golpista era mais velha que ele.

Outro caso com repercussão internacional neste ano foi o da advogada indiana Palwinder Kaur que, em abril, pediu a prisão do príncipe Harry após um internauta se passar por ele e a pedir em casamento. Ela afirmou que o conheceu pela internet. Convicta de que estava namorando o filho mais novo de Charles e Diana, que na verdade é casado com a americana Meghan Markle, a advogada entrou com uma ação para que ele fosse forçado a cumprir sua promessa “sem demora”. O tribunal que recebeu o pedido rejeitou o processo, e ainda a alertou sobre os perfis falsos nas redes sociais que se passam por outras pessoas.

— Já atendi pessoas que foram vítimas, tanto homens quanto mulheres, que se decepcionaram e se frustraram com esse tipo de situação e tiveram problemas financeiros com isso. Outros não tiveram problemas financeiros, mas passaram pelo desconforto de se relacionar com alguém que usava fotos de uma celebridade de outro país. É algo desconfortável, bem constrangedor e desagradável para a pessoa que começa a se envolver emocionalmente e acaba fazendo transferências financeiras e, no final das contas, a pessoa não existe — relatou a advogada Gisele Truzzi, especialista em Direito Digital, destacando que quem pratica catfishing costuma agir dessa forma justamente para obter algum tipo de vantagem, principalmente financeira.

Conduta pode se enquadrar em vários crimes

De acordo com Truzzi, o catfishing pode se enquadrar, principalmente, em quatro crimes do Código Penal brasileiro:

  • falsa identidade (Art. 307)
  • falsidade ideológica (Art. 299)
  • extorsão (Art. 158)
  • estelionato (Art. 171)

Estelionato, o mais comum

— O crime de estelionato, no artigo 171 do Código Penal, é o mais comum e acontece quando o indivíduo obtém vantagem ilícita em prejuízo de outra pessoa. Ao se passar por um terceiro (praticando a falsa identidade) e conseguir obter uma vantagem financeira ou qualquer outro tipo de vantagem, sendo isso muito comum na internet, pode ser caracterizado como estelionato. Então acredito que, nesses casos de catfishing, o estelionato é o principal crime cometido.

Na internet, o estelionato pode ocorrer por meio da criação de perfis falsos em redes sociais ou aplicativos de mensagem por um internauta usando nome ou foto de outra pessoa para se passar por ela. Se alguém suspeitar que é vítima desses crimes, Truzzi recomenda reunir provas e registrar um boletim de ocorrência.

Na extorsão, o praticante de catfishing exige alguma atitude da vítima por meio de ameaças e chantagem. Em casos assim, Truzzi afirma que é possível que haja troca de imagens íntimas numa conversa online, de forma que a vítima comece a ser constrangida e coagida a fazer algo.

Projeto mira estelionato sentimental

A advogada explicou ainda que, como esse tipo de golpe ocorre muito em casos de relacionamentos amorosos pela internet, as pessoas tendem a chamá-lo de estelionato emocional ou sentimental.

— Porque uma pessoa se passa por outra e vai estabelecendo um relacionamento virtual, criando afeição na vítima, e conforme a relação se desenrola, há mais intimidade e troca de informações. O indivíduo que não estiver muito atento pode se tornar uma presa fácil desse golpe, que não deixa de ser um grande estelionato caso tenha ocorrido um prejuízo para a vítima.

No Brasil, o termo catfishing não consta na legislação, mas já tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 6444/2019, criado por Julio Cesar Ribeiro (Republicanos-DF), para incluir no artigo 171 o crime de “estelionato sentimental”, descrito no PL como a conduta que “induz a vítima, com a promessa de constituição de relação afetiva, a entregar bens ou valores para si ou para outrem”.

O trauma do catfishing e suas marcas psicológicas

“É preciso reconhecer que, nessa espécie de estelionato, o prejuízo não é apenas material, mas moral e psicológico também”, afirma trecho do projeto de lei, numa afirmação que é sustentada por especialistas.

— Quando somos traídos, nossos cérebros mostram uma elevação no estresse, provavelmente uma superprodução de hormônios do estresse para combater essa percepção de um ‘ataque’, hipervigilância e ansiedade — afirmou a neuropsicóloga Sanam Hafeez, doutora em Psicologia, ao portal americano “Bustle”.

Ainda de acordo com Sanam, pessoas propensas à ansiedade ou depressão podem ser afetadas mais profundamente pelo trauma do catfishing.

O fenômeno catfishing também foi avaliado por um estudo português sobre “os perigos da internet”, divulgado em julho de 2020 na revista da Unidade de Investigação do Instituto Politécnico de Santarém (UIIPS). Na pesquisa, aplicada a um total 141 pessoas, por meio de dois questionários, verificou-se que 91% e 97% consideram que “este tipo de agressão e invasão do espaço pessoal deixa nas pessoas marcas psicológicas”.

No caso do italiano, quando o GLOBO o procurou para comentar sua situação, uma fonte próxima a ele contou, no sábado, dia 27, que o atleta ainda está muito abalado.

— Ele não encontrou uma forma de responder, sinto muito. Ele está passando por um momento difícil.

Diante do trauma, parentes e amigos de Roberto tentam ajudá-lo a se reerguer, tanto emocional quanto financeiramente. O atleta chegou a fazer empréstimos para enviar o dinheiro à estelionatária, ficando com dívidas de 60 mil euros. Dessa forma, um amigo dele e ex-colega de time, chamado Danilo Rinaldi, criou no dia 24 uma vaquinha online no site GoFundMe. Até o momento, foram arrecadados mais de 12 mil euros. Além disso, Roberto recebeu uma festa na quadra onde joga para animá-lo.

Como descobrir que um perfil é falso

No estudo português, 78% dos entrevistados se consideraram capazes de distinguir um perfil falso de um verdadeiro nas redes sociais. Perguntados sobre como fazem essa diferenciação, eles citaram que:

  • procuram por amigos em comum
  • observam com atenção o tipo de discurso da pessoa com quem estão interagindo
  • pedem para fazer uma videochamada ou marcam um encontro presencial
  • veem as fotos, a descrição do perfil e a cronologia do mural do Facebook.

Entre tais estratégias, a mais comum foi procurar amigos em comum, presente em 45 respostas.

Quanto a isso, chama atenção que, no caso de Roberto Cazzaniga, ele também foi enganado por uma “amiga”. Identificada como Manuela Passero, foi ela quem passou o contato da estelionatária a Roberto. Procurada pelo programa “Le Iene”, que revelou toda a história, Manuela negou que conhecesse o jogador e chegou a correr do cinegrafista. No entanto, de fato, não houve chamadas por vídeo, muito menos encontros pessoalmente. Roberto contou que a voz da mulher foi o suficiente para despertar sentimentos.

A advogada Gisele Truzzi também listou algumas recomendações para evitar cair no golpe de catfishing. Confira:

  • não enviar dados bancários, pessoais próprios ou de familiares
  • evitar enviar conteúdo íntimo
  • fazer chamadas de vídeo para se certificar que a pessoa é quem diz ser
  • pesquisar o nome da pessoa na internet
  • fazer busca reversa no Google Imagens, colocando a foto da pessoa no buscador

Mentirosos compulsivos trazem ausência de culpa

Outros estudos buscam entender o comportamento psicológico dos praticantes de golpe. Segundo uma pesquisa publicada em 2020 na “Sexual & Relationship Therapy”, os homens são mais propensos que as mulheres a praticarem catfishing. Além disso, o perfil de quem é mais propenso a tanto ser autor quanto vítima é caracterizado pela presença de ansiedade e apego, com o sentimento de achar difícil ser amado.

Para a especialista, quando alguém mente com muita frequência, a parte do cérebro chamada amígdala para de responder, de forma que a pessoa mentirosa não sente sinais de culpa nem desconforto pelo que inventa.

Já a “Scientific American” mencionou que um fenômeno chamado “efeito de desinibição online” ajuda explicar as ações de catfishing. Por meio do anonimato na web, as pessoas tendem a aderir menos aos códigos morais da vida real.

No estudo português da UIIPS, os autores consideraram como preocupante o resultado de que entre 10% a 23% dos entrevistados admitiram que já criaram um perfil falso na web, indicando potencial de serem praticantes de catfishing.

“Podendo estes ter criado o perfil falso para agirem e serem alguém diferente, controlar os comportamentos dos/as parceiros/as ou por vingança. São muitas as razões que podem levar alguém a criar um perfil falso, mas verificou-se que grande parte das pessoas questionadas considera que o que leva outras a criarem esse perfil é  agirem e serem alguém diferente do que são no dia-a-dia”, afirmam os autores da pesquisa.

Casos no Brasil

No Brasil, embora o termo “estelionato sentimental” ainda não conste no Código Penal, ele já configura em decisões judiciais. Em 2019, por exemplo, o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) condenou um homem por ter iniciado um relacionamento amoroso para obter vantagens econômicas da vítima que, por sua vez, teve direito à indenização por danos morais e materiais, nos valores de R$ 50 mil e R$ 5 mil, respectivamente. Para a juíza Silvana Carvalho Soares, que julgou a ação, o caso foi definido como estelionato sentimental. Segundo ela, a vítima não prestaria ajuda financeira ao condenado se o relacionamento não fosse baseado na confiança.

Nesse caso da Paraíba, o dono de uma agência de viagens vendeu um pacote para a cidade de Natal ao ganhar a confiança de uma cliente por meio de relacionamento amoroso. Depois, o empresário passou a alegar dificuldades financeiras e recebeu R$ 5 mil, na condição de empréstimo. Em seguida, visitou a vítima em João Pessoa e pediu que ela pagasse por sua estadia e demais despesas, além de R$ 600 adicionais. Por fim, o condenado não atendeu mais as ligações da vítima, que acabou descobrindo que ele era casado e pai de três filhos.

Outro exemplo de estelionato sentimental no Brasil foi julgado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) em 2020. Em decisão do desembargador Guiomar Teodoro Borges, um homem de Cuiabá foi condenado a pagar R$ 10 mil por danos morais a uma mulher por esta prática, além de ressarci-la. O réu solicitou empréstimos, fez compras em loja de grife, pegou cheques em branco, rompeu o relacionamento e deixou a vítima arcar com todas as dívidas. O nome da vítima chegou a ser enviado às instituições de proteção ao crédito.

Fonte: O Globo
Créditos: Polêmica Paraíba