O presidente Michel Temer e seu companheiro do norte, o americano Donald Trump, tentam vender para o clube de Davos um peixe que ninguém quer comprar.
Temer insiste que “o Brasil está de volta”, enquanto Trump tenta convencer a arquibancada que a política “América em Primeiro Lugar” é genial.
O presidente brasileiro chegou festejando o Brasil, “país das reformas”, que aprovou as novas regras trabalhistas, o teto de gastos, e indicou que a mudança na Previdência está próxima (sic).
Como Trump, Temer tem alguns indicadores econômicos vistosos para mostrar —investimento estrangeiro direto de US$ 75 bilhões em 2017, juros no menor patamar histórico, 7%, inflação abaixo do piso de 3%, superávit da balança comercial de US$ 67 bilhões.
Temer falou até das “perspectivas realistas” de concluir o acordo EU-Mercosul (que começou a ser negociado em, pasmem, 1999, portanto um grão de ceticismo vai bem), o acesso à OCDE (faltou mencionar o veto dos EUA, a Argentina na nossa frente, a real utilidade de entrar na organização, etc etc), o combate ao aquecimento global (omissão estratégica das medidas pró-bancada do boi adotadas em seu governo).
Mas isso não parece suficiente para convencer a Davoslândia que o Brasil voltou, e que vai ficar tudo bem, a eleição de 2018 não é um “big deal”, ninguém precisa prestar atenção na situação política absolutamente bizarra em vigor no país.
Na sessão de perguntas e respostas após o discurso de Temer, o criador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, não conseguiu ignorar o bode na sala.
“O senhor não mencionou explicitamente a corrupção, vocês têm alguns casos de corrupção que estão pairando, o senhor acha que eles podem influenciar as próximas eleições?”
(A pergunta foi omitida na transcrição que a Presidência fez da sessão de perguntas e respostas, substituída por Professor Klaus Schwab (em inglês))
A pergunta não se referia diretamente a acusações a Temer, mas o presidente acusou o golpe, ao ser indagado por jornalistas a respeito:
“Quero dizer que agora não vou mais tolerar essas coisas. Já houve a tentativa de desmoralização, os meus detratores estão na cadeia, e quem não está desmoralizado, desmascarados pelos fatos. Foi uma oportunidade que tive, até agradeci a pergunta, de esclarecer a Europa sobre essa questão” afirmou Temer.
Trump, como Temer, ostenta nível recorde de baixa popularidade. Temer tem 5% no último Datafolha, Trump ficou com 36% no último Gallup, índice mais baixo da história para um presidente americano nesta altura do mandato.
O americano chegou com a mensagem de que “América em Primeiro Lugar” não significa “América Sozinha”.
Segundo Trump, os números não mentem, sua política populista-protecionista é um sucesso —PIB cresceu acima de 3% em dois trimestres consecutivos, desemprego está em baixa, há sinais de repatriação de investimentos.
Mas, como no caso de Temer, a comunidade de Davos se permite discordar.
OK, a bolsa de valores reflete o otimismo do empresariado com os EUA. Mas talvez esse otimismo se deva à reforma tributária e à desregulamentação promovidas por Trump, e se mantenha apesar da política de “América em Primeiro Lugar”, a despeito da saída dos EUA da Parceria Transpacífico e do acordo global do clima, das tarifas que o país acaba de impor sobre painéis solares e maquinas de lavar importadas da China, etc, etc.
Fonte: Folha
Créditos: Folha