"Sputinik"

Com vacina, Rússia quer se recolocar entre potências globais

Não foi por acaso que o governo de Vladimir Putin chamou a vacina contra a covid-19 de Sputinik – uma referência à primeira vitória da então União Soviética na corrida espacial. Em 1957, os soviéticos atropelaram as ambições dos Estados Unidos e foram os primeiros a enviar um satélite ao espaço (sputnik, em russo).

Agora, em meio à pandemia mundial do novo coronavírus, os russos tentam repetir a façanha, saindo na frente na corrida vacinal. Na peça promocional do novo imunizante, cujo registro foi anunciado nesta terça-feira, 11, mesmo sem a conclusão dos testes clínicos, a imagem do satélite e do vírus se sobrepõem no espaço, revelando uma suposta primazia da Rússia sobre todo o planeta. Em entrevista ao Estadão, o diretor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio (UFRJ), Leonardo Valente, analisa, do ponto de vista geopolítico, a estratégia de Putin e o que chamou de “a geopolítica da vacina”.

Por que é importante para Putin anunciar antes de todo mundo uma vacina contra a covid-19?
Do ponto de vista de estratégia econômica, é fundamental. Estar à frente do Ocidente numa urgência mundial dessas, nessa corrida científica e tecnológica, é crucial para a atração de investimentos e cérebros e também para a disuasão – que é a capacidade de uma nação dizer para outra: “ei, eu sou uma potência, não se meta comigo”. Por isso ele remeteu ao Sputnik (o primeiro satélite lançado ao espaço, pela Rússia, em 1957), à corrida espacial, que tinha os mesmos objetivos, o desenvolvimento de tecnologias e armas bélicas a partir da ciência espacial e ostentar o poder de disuasão.

Mas existe um risco muito grande de esse tiro sair pela culatra, não? O que acontece se essa vacina não for legitimada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela comunidade internacional?
Sim, existe um risco. A Rússia pode até não ter condições de ter concluído uma vacina segura (em tão pouco tempo), mas certamente está avaliando friamente tudo o que está fazendo. Existe um plano arquitetado, a gente só não sabe qual é.

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Há um mês autoridades americanas, britânicas e canadenses denunciaram uma tentativa de roubo de estudos de vacinas contra o novo coronavírus por hackers russos. A Rússia negou…
Tem muita coisa que a gente provavelmente não sabe, nem vai saber. Mas seria estranho que fosse um tiro totalmente no escuro.

Supondo que a vacina seja eficiente e seja comprada por outros países, seria uma vitória e tanto para a Rússia, não?
Sim, será um gol e tanto. A Rússia vem nesse movimento de recuperar o prestígio da antiga União Soviética e diminuir a influência americana e europeia. Por isso, fez um aliança com a China, uma atração forte com o Irã e uma política muito pesada junto aos países-satélites para enfraquecer a influência americana. O caso mais emblemático é a questão da Síria, onde conseguiram manter Bashar al-Assad no governo, vencendo a queda de braço com o Ocidente. Nessa tentativa de se recolocar entre as grandes potências mundiais, a Rússia mostra seu poderio militar e bélico, econômico e, agora, científico e tecnológico. O recado é claro: “ainda somos a mãe Rússia, ainda resolvemos os problemas”.

Existe alguma chance de americanos e europeus comprarem a vacina russa? Qual seria o significado disso?
Dificilmente os Estados Unidos e a Europa vão aceitar uma defasagem e dependência da Rússia. Nem descarto que outros estágios do desenvolvimento de outras vacinas sejam atropelados também. Acho inconcebível que fiquem dependentes da Rússia para imunizar a própria população. Certamente, se a vacina for eficaz, vai provocar uma mudança no comportamento da produção da indústria farmacêutica. Toda essa geopolítica da vacina tem mexido muito com a questão protecionista. Virou uma questão de soberania nacional produzir a vacina dentro de seu próprio território.

Fonte: Terra
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