Ucrânia x Rússia

Com pequenos avanços, contraofensiva ucraniana é considerada um fracasso; conflito entra em um impasse

Legenda: Soldados ucranianos durante a contraofensiva na região de Donetsk – Foto: Reprodução / Instagram @mstyslav.chernov

Seis meses após ser lançada, a contraofensiva ucraniana fracassou em seu objetivo principal, colocando em dúvida o apoio militar e financeiro do Ocidente. Em entrevista ao jornal The Economist, o comandante-chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Valery Zaluzhny, reconheceu que a guerra chegou a um impasse: apenas uma grande invenção tecnológica, como foi a pólvora no passado, poderia mudar o cenário.

“O simples fato é que vemos tudo o que o inimigo está fazendo e ele vê tudo o que estamos preparando. Para que possamos sair desse impasse, precisamos de algo novo, como a pólvora que os chineses inventaram e que ainda estamos usando para matar uns aos outros”, disse ele, que complementou logo em seguida: “Provavelmente não haverá nenhum avanço profundo e bonito”.

Para Zaluzhny, o atraso na entrega de armamentos modernizados, como os caças F-16 e o sistema de mísseis de longo alcance, permitiu que as forças russas fortificassem suas defesas e avançasse em algumas regiões — embora não seja esses os únicos motivos.

Os EUA e outros países ocidentais não enviaram armamentos mais poderosos por temerem que o confronto arrastasse toda a Europa contra Moscou, já que Putin vinha fazendo ameaças nos últimos meses.

Além disso, a ajuda militar enviada pela Otan [aliança militar ocidental], como tanques Leopard-2, não foi decisivo, ao ponto de desequilibrar o conflito em prol da Ucrânia. Zaluzhny admite que houve dificuldade de adaptação tática a seu uso.

Legenda: Comandante-Chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Valery Zaluzhny – Foto: Reprodução / Serviço de Imprensa Presidencial Ucraniano

Com relação aos objetivos militares, ele sugere que houve soberba ao traçar as metas da contraofensiva. “Se você olhar os manuais da Otan e a matemática que fizemos [planejando a contraofensiva], quatro meses deveriam ser tempo suficiente para nós termos alcançado a Crimeia, lutado na Crimeia, retornado da Crimeia e ter ido e voltado de novo”, afirma.

O general ressalta que o conflito se inclina para uma fase de atrito que tende para o lado da Rússia. Além do mais, destaca que Putin tem farta mão de obra e pode aceitar baixas sem se preocupar. “Esse foi um erro meu. A Rússia perdeu ao menos 150 mil soldados mortos. Em qualquer outro país, tais baixas teriam parado a guerra. Vamos ser honestos: é um Estado feudal no qual o recurso mais barato é a vida humana”.

Diante deste cenário, a guerra de atrito só pode ser contornada se o Ocidente fornecer rápida superioridade aérea, equipamentos avançados para guerra eletrônica e tecnologia para neutralizar campos minados, essenciais para o movimento de tropas terrestres.

Na via contrária, os russos também não conseguiram vitórias decisivas, apesar de terem retomado a iniciativa em Donetsk (leste) e Kharkiv (nordeste) e asfixiado economicamente o rival ao impedir a exportação de grãos pelo mar Negro.

Entenda melhor o porquê da Ucrânia não conseguir grandes avanços na contraofensiva

Para iniciar a contraofensiva os Estados Unidos e os aliados Ocidentais da Ucrânia enviaram tanques e outros veículos blindados para reforçar a linha de frente. Além disso, treinaram unidades recém-formadas da Ucrânia em táticas militares avançadas.

Estima-se que nove brigadas, envolvendo 36.000 soldados ucranianos, foram treinadas por militares dos EUA e aliados, no período de três meses.

Porém, enquanto forças ucranianas treinavam fora do país, os russos entrincheiravam-se e preparavam-se para a contraofensiva que já era muito aguardada.

Os militares dos EUA e da Ucrânia não perceberam inicialmente a capacidade das defesas russas, que se mostraram bastante eficazes durante o ataque. No treinamento, as tropas ucranianas que estavam na Alemanha, por exemplo, romperam defesas muito menos fortes do que as que acabariam por encontrar quando o embate finalmente começou.

Legenda: Defesas russas que foram criadas para evitar a contraofensiva ucraniana – Foto: Reprodução: Planet Labs PBC / BBC

Entre uma fortificação e outra, os russos criaram campos minados extensos, iguais aos da Segunda Guerra Mundial. Fora isso, a variedade de drones, incluindo drones comerciais da China, mudaram toda a literatura da guerra de manobras mecanizadas.

Em conflitos mais antigos, qualquer ofensiva na linha de frente podia ser explorada, permitindo que as forças atacantes ganhassem vantagem antes que o inimigo lançasse um contra-ataque. Agora, com o campo de batalha sob observação quase constante, é difícil para qualquer um dos lados capitalizar sem ser detectado e detido pela artilharia.

Além disso, durante a contraofensiva, os drones russos foram eficientes em cortar as comunicações entre as tropas da linha de frente e o posto de comando da Ucrânia. Outros drones fizeram o trabalho de localizar as equipes de varredura de minas, permitindo à Rússia enviar helicópteros para atacá-las.

Ademais, a ausência da força área ucraniana, já bastante debilitada, influenciou na falta de suporte para as tropas em terra. Os caças F-16 prometidos só vão chegar no segundo semestre e ainda carecem de treinamento adequado para os pilotos responsáveis por manuseá-los.

Ainda por cima, para agravar os problemas da Ucrânia, os generais dos EUA entraram em divergências com oficiais ucranianos a respeito de onde empregar as novas forças mecanizadas da contraofensiva. As autoridades ucranianas, incluindo o próprio Zelensky, concluíram que a parte oriental do país era a região mais importante, uma vez que as forças de Putin concentraram os seus esforços ali.

Legenda: Zelensky e seus oficiais – Foto: Reprodução / Serviço de Imprensa Presidencial Ucraniano

Os EUA, por sua vez, enxergavam o leste da Ucrânia, incluindo a região de Donbass, como estrategicamente menos importante do que a costa sul ocupada pelos russos.

Os americanos traçaram uma estratégia para os ucranianos atacarem o sul, com o objetivo de quebrar ou ameaçar o domínio de Moscou na faixa de terra ucraniana entre a Crimeia e a fronteira russa. O comando da Ucrânia, por outro lado, não aceitou bem a decisão, pois acreditava que a região possuía defesas rígidas para serem penetradas e que avançar através dos campos minados causaria imensas baixas em seu exército.

Por meio de um consenso entre ambas as partes, a Ucrânia dividiu suas forças entre o leste e o sul, recusando-se a definir apenas uma rota principal de ataque. Isso, então, resultou em forças espaçadas ao longo da linha de frente.

Os militares ucranianos avaliaram as expectativas americanas como irrealistas, especialmente, por conta do fato de não terem poder aéreo para proteger as suas unidades terrestres.

“Há muitas razões pelas quais a contraofensiva falhou, mas a crítica ucraniana tem um fundo de verdade”, disse Eric Ciaramella, estudioso militar da Organização ‘Fundo Carnegie para a Paz Internacional’. “Havia uma espécie de soberba de expectativas coletivas.”

O que diz Zelensky

Legenda: Zelensky concede entrevista à CNN, em Kiev – Foto: Reprodução / CNN

Em entrevista, o presidente Zelensky relatou que a falta de avanços significativos da contraofensiva é resultado da carência de munições e ao nível insuficiente de preparação de seus militares para manejar equipamentos ocidentais.

“Tínhamos planos para iniciar [a contraofensiva] na primavera. Mas não fizemos isso porque, francamente, não tínhamos munições suficientes e nem armamentos. Além disso, faltavam brigadas devidamente treinadas nestas armas (ocidentais). Fora que as missões de treinamento se realizavam fora da Ucrânia. Mas, ainda assim, começamos. E isto é importante”, insistiu Zelensky em uma entrevista ao jornalista Fareed Zakaria, da CNN.

O mandatário ucraniano também ressaltou os atrasos nas entregas de armas ocidentais, o que permitiu ao exército russo minar os territórios pelos quais as tropas ucranianas tentariam avançar.

“E como começamos um pouco mais tarde, pode-se dizer, e será verdade compartilhada e compreendida por todos os especialistas, que a Rússia ganhou tempo para minar todas as nossas terras e construir várias linhas de defesa. E, definitivamente, tiveram até mais tempo do que necessitavam”, argumentou Zelensky para explicar a lentidão da contraofensiva.

Neste contexto, o mandatário ucraniano voltou a assegurar que para suas forças a prioridade passa por minimizar as baixas entre o pessoal e a escassez de equipamento militar.

“Sim, entendo que sempre é melhor que a vitória chegue logo. Isso é o que também queremos. Mas a questão é o preço dessa vitória. Portanto, não vamos jogar as pessoas literalmente embaixo dos tanques. Planifiquemos nossa contraofensiva como sugerem nossos analistas, nossa inteligência”, declarou Zelensky.

Mapa mais recente do conflito até a publicação desta matéria

Legenda: A atual situação do conflito no leste europeu – Foto: Reprodução / Instituto para o Estudo da Guerra (Institute for the Study of War)

Uma rápida olhada no mapa mostra que a situação não mudou muito desde o início da contraofensiva.

A Rússia ainda ocupa quase um quinto da Ucrânia — incluindo as importantes cidades de Donetsk, no leste, e Mariupol, que foi capturada após inúmeras semanas de cerco.

A área a sudeste da cidade de Zaporizhzhia foi traçada como a mais importante estrategicamente para as forças ucranianas.

Um ataque em direção ao Mar de Azov poderia cortar as linhas de abastecimento da Rússia que ligam a cidade russa de Rostov-on-Don à Crimeia.

Porém, não houve muito progresso nesta frente, exceto na área em torno das aldeias de Robotyne e Verbove, onde os ucranianos romperam a primeira linha defensiva das forças russas.

Desde então, não houve nenhum avanço significativo. O exército ucraniano ganha pequenos espaços aqui e ali, mas sem a capacidade de ocasionar uma retirada russa em grande escala.

Veja, abaixo, um grupo de soldados ucranianos repelindo um ataque massivo russo na região da cidade de Avdiivka:

https://www.youtube.com/watch?v=WnbKuWDOJKg&t=349s

Fonte: CNN, BBC, Le Monde, Reuters, The New York Times, The Economist, The Washington Post
Créditos: Carlos Germano/Polêmica Paraíba