A busca por uma oportunidade de vida melhor fora do Brasil não é novidade. Porém, esse movimento intensificou-se nos últimos anos, em grande parte por causa da crise econômica que atinge o País.
De acordo com dados da Receita Federal, entre 2014 e 2016 foram entregues 55.402 Declarações de Saída Definitiva do País, um crescimento de 81,61% na comparação com o triênio imediatamente anterior. De 2011 a 2013, período que antecede a crise econômica, 30.506 pessoas entregaram o mesmo documento. No entanto, especialistas estimam que esse número seja ainda maior, uma vez que nem todos os brasileiros prestam essa informação quando vão embora.
“Sabia que ficando no Brasil, mesmo formada, não teria grandes oportunidades ou qualidade de vida. Fugi da crise também, pois ela se tornou um obstáculo”, conta.
Especialistas consultados pelo Estado confirmam que a desilusão com a situação política e a taxa de desemprego elevada são os maiores responsáveis pela saída de quem escolhe países como Portugal, Canadá e Estados Unidos para uma nova vida.
“Há uma falta de crença generalizada na recolocação profissional porque há muitas pessoas desempregadas e o mercado de trabalho já não absorve todo mundo. É natural esse desejo por experiências em outros locais”, analisa a sócia-fundadora da consultoria executiva Unique Group, Alexia Franco.
Porém, engana-se quem acredita que viver no exterior é um mar de oportunidades. O esforço de empreender no Brasil, por exemplo, é muito diferente da realidade de abrir um negócio – e ter sucesso com ele – fora do País.
Um dos maiores problemas dos brasileiros, segundo o presidente da consultoria especializada em mobilidade global Emdoc, João Marques da Fonseca, é o “imediatismo” dos resultados. “É preciso entender a cultura local e adaptar seus produtos e serviços às necessidades do novo público”, afirma.
Essa foi a fórmula seguida pelo empresário Guilherme Cerqueira, de 36 anos. Fundador de uma empresa de tecnologia, ele os sócios já tinham em mente um outro negócio envolvendo comportamento e consumo, que “deveria nascer internacional”. O próximo passo foi analisar qual o melhor destino para a startup que queriam desenvolver.
“Não bastava ter vontade de ir morar fora, pegar tudo e desembarcar em outro país. O primeiro lugar que surgiu no meu radar foi o Vale do Silício, na Califórnia, então fui para lá entender como era a vida de um empreendedor naquele local. Só quando voltei é que decidimos investir”, relembra.
Em 2015, Guilherme deixou o Brasil com a esposa e os dois filhos ainda crianças. Ele cita a crise econômica e a violência do Rio de Janeiro, onde morava, como fatores determinantes para a mudança.
Segundo Fonseca, da Emdoc, outro erro constante de quem deixa o Brasil é acreditar que a vida lá fora será semelhante ao experimentado aqui. Em certos casos, ele confessa identificar que algumas dessas aventuras já surgem com data certa para acabar devido a falta de alinhamento entre expectativa e realidade.
“Boas ideias e dinheiro guardado não são suficientes. A pessoa sai daqui com uma ideia sobre ganhos e estilo de vida e somente lá percebe que a dinâmica é completamente diferente”, comenta.
No caso de Guilherme, a cobertura na Barra da Tijuca deu lugar a um apartamento de dois cômodos em São Francisco, afim de conter despesas e fazer o dinheiro render enquanto seu negócio não decolava. Para Camila, o caminho encontrado foi aceitar um emprego na área de telecomunicações. Apesar de não ter relação com sua formação, o novo trabalho ajudou no entendimento de como funcionava o mercado de trabalho em Portugal, diz a jovem.
“Começar do zero não é fácil. No primeiro mês, se alguém me perguntasse se eu tinha desejo de voltar diria que sim. Mas hoje tenho mais certeza de que quero mesmo é ficar de vez”, diz Camila.
O preço de morar fora. Em alguns casos, a maior barreira de quem vai para outro país pode ser a hospitalidade dos moradores locais. Imigrantes vindos de países em desenvolvimento, como o Brasil, sofrem preconceito tanto no trato pessoal como nas oportunidades de emprego que lhes são oferecidas.
O engenheiro civil Luiz Henrique Parizotto soube o que é passar por uma situação de discriminação na cidade de Brisbane, na costa leste da Austrália. Morando na cidade há quatro meses – deixou o Brasil em busca de melhores oportunidades de trabalho – Luiz conta que, mesmo com um diploma de ensino superior na mão, só conseguiu vagas de emprego que costumam ser destinadas aos “latinos e indianos que chegam aos milhares no país.”
“Além disso, em mais de uma ocasião, já sofri com a desconfiança de vendedores em algumas lojas, que me pararam no meio do corredor e exigiram que eu mostrasse meus bolsos. Achavam que eu estava roubando alguma coisa”, relata Luiz, indignado.
Mesmo não tendo sofrido com esse tipo de situação, Guilherme Cerqueira afirma que a situação de “não pertencimento” tende a ser a parte mais complicada de morar nos Estados Unidos.
“Costumo dizer que o preço mais caro de morar em outro país não é o dinheiro investido nem o risco que assumi caso tudo desse errado. Caro de verdade é estar longe da família, dos amigos e cercado por pessoas que não compartilham das mesmas referências que eu. Aqui eu continuo me sentindo o latino que está tentando fazer seu próprio negócio dar certo”, conta.
Perfil. Seja um jovem recém-formado de classe média ou um alto executivo, o desejo de tentar a vida fora de um país em crise e repleto de escândalos políticos passa pela cabeça de muitos brasileiros. E quanto melhor a formação, mais oportunidades serão encontradas, afirmam profissionais da área de recursos humanos.
“A saída definitiva do Brasil acontece muito mais para aqueles profissionais que já atuavam em níveis hierárquicos mais altos do que para quem atuava em posições operacionais”, explica o presidente da empresa especializada em recrutamento e seleção de profissionais Curriculum, Marcelo Abrilei.
Para a sócia da consultoria suíça Egon Zehnder, Ângela Pêgas, executivos e empresários acabam tendo mais possibilidades no momento de fixar-se em outro país.
“Quem tem dinheiro compra um imóvel ou consegue um visto de investidor para poder fazer a migração. Essa migração que vimos nesse tempo de crise é de gente qualificada, que poderia contribuir muito com o Brasil, mas opta por fazer a vida lá fora.”
O presidente da Emdoc, João Marques da Fonseca, concorda, mas acredita que boa parte dos brasileiros que foram embora “para sempre” devem voltar ao Brasil no médio prazo.
“São pessoas que saem com muito otimismo, mas nem sempre encontram o resultado que buscam. Às vezes seguem o embalo de amigos próximos que foram e vivem bem, mas essa aposta não dá tão certo para todo mundo”, arrisca.
Fonte: ESTADÃO