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Cegos fazem sucesso tocando abertura de Game of Thrones; veja vídeo

Músico de Santos (SP) criou o projeto Música Transformando Vidas baseado em uma metodologia própria, que consiste na memorização e solfejo musical

A música de abertura da aclamada série Game of Thrones tornou-se o carro-chefe das apresentações de um grupo de 40 alunos especiais do projeto Música Transformando Vidas (Promuvi), de Santos, no litoral de São Paulo. Com 95% de sua totalidade composta por pessoas cegas, a orquestra de sopro e percussão tem um repertório variado, que inclui clássicos e músicas de outras séries famosas. No entanto, a trilha que embala a saga dos Sete Reinos é a que mais comove o público e foi responsável por tornar o projeto nacionalmente conhecido.

O projeto já ensinou mais de 200 pessoas portadoras de necessidades especiais a tocarem instrumentos musicais. Hoje, a orquestra faz sucesso em seus concertos, e a música de Game of Thrones é o ponto alto do DVD ao vivo gravado pelo grupo.

O idealizador é o músico e escritor santista Paulo Eduardo Mauá, de 56 anos. A ideia surgiu após ele sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico, há cerca de dez anos. Ele conta que isso transformou sua vida e o fez encontrar a verdadeira vocação.

Mauá era professor e dono de uma empresa de informática, mas teve dificuldades para continuar trabalhando após o AVC. “Eu não conseguia sentar na cama, levar a escova de dentes à boca, nem falar palavras complexas. Então, minha pirâmide de valores ficou completamente invertida”.

Daí em diante, Paulo resolveu usar sua segunda chance para ajudar outras pessoas. Ele foi aconselhado pelo neurologista a voltar para a música, para acelerar sua recuperação. “Eu voltei a estudar bandolim e senti uma vontade maluca de tocar um projeto de música”, relembra.

Mauá resolveu, em 2009, investir no projeto Música Transformando Vidas, com o objetivo de ensinar crianças carentes de Santos a trabalhar a musicalização. “A ideia era ensinar minha metodologia, que consiste na memorização e no solfejo musical, que é repetir o nome das notas musicais em vez de cantar a melodia”.

A partir disso, pessoas com necessidades especiais passaram a entrar no projeto. Atualmente, 95% do grupo são compostos por cegos. Hoje, Paulo tem 40 alunos ativos e conta que mais de 200 já passaram pelo projeto. “Temos participantes entre 30 e 85 anos, mas aceitamos pessoas de qualquer idade, é só bater na porta. Também não precisa ter nenhum conhecimento de música”.

O grupo se fortaleceu em ensinar portadores de deficiências visuais com a chegada de Silvio Roberto Gonzaga de Souza, de 54 anos. Ele recebeu um convite de Mauá para se juntar à orquestra e foi o responsável por divulgar e levar mais alunos para o projeto.

Ele estudou trompete no conservatório de Cubatão, mas teve que largar sua grande paixão para ajudar seus pais. Aos 31 anos, sofreu um acidente e perdeu sua visão. Mas em 2009, recebeu uma segunda chance e decidiu se juntar ao grupo.

“Para mim foi ótimo o reencontro com a música, que é algo que gosto muito. Hoje retomei o trompete e estou aprendendo a tocar flauta. Com a música expressamos nossos sentimentos e é uma forma de transformar as nossas vidas e de quem está nos ouvindo”.

Ele ainda conta que o projeto é uma iniciativa importante e que pode diminuir o preconceito que muitos têm com pessoas portadoras de deficiências especiais. “Agora temos uma maior interação com a sociedade. Isso muda a forma como as pessoas nos veem e podem até se juntar a nossa voz”.

O projeto

Mauá trabalha com uma metodologia própria, criada com base em princípios de vários músicos. Seu método já chegou, inclusive, a Portugal. Ele explica que cursou mestrado à distância em comunicação acessível para a área de inclusão em uma universidade portuguesa. “Quando fui defender a minha tese, em 2017, recebi convites para dar uma aula e uma conferência sobre o projeto. Isso abriu muitas portas para a entrada do projeto na Europa”.
Para introduzir os iniciantes às aulas, é usada a flauta doce, um instrumento barato, pequeno e de fácil transporte. Com o tempo, eles passam a aprender outros instrumentos, como o clarinete, saxofone, cajón, trompete, violão e ukulele. “A orquestra está ganhando corpo. Nós fazemos cerca de 30 concertos por ano. Já nos apresentamos em vários lugares, inclusive no Coliseu”, comemora.

De acordo com o músico, as partes mais importantes do projeto são os trabalhos de socialização e autoestima, que ajudam a reintegrar os deficientes à sociedade. “Um lugar que antes eles nem iam como plateia, hoje sobem ao palco para tocar. Essa é uma grande realização pessoal, que poucas pessoas têm. Imagina para eles, como deficientes visuais”, explica.

Outra grande conquista foi a gravação do primeiro DVD ao vivo do grupo. Eles tocaram um repertório de quase duas horas, que inclui músicas de Beethoven, Beatles, Gilberto Gil e Game of Thrones. “Agora, eu sou mais crítico e os trato como músicos profissionais. Notei uma melhora musical e na vida pessoal deles. Alguns estão até buscando cursar faculdade de música”.

Paulo ainda revelou seus planos para o futuro. Ele deseja consolidar cada vez mais o projeto em Santos, abrir a orquestra para mais instrumentos e montar um estúdio, com o objetivo do projeto gerar sua própria renda. “Existem males que vem para o bem. Essa parada que dei há dez anos reverteu toda a minha situação. Resolvi passar tudo a limpo e fazer a vida valer a pena”, finaliza.

Os interessados em participar do projeto podem comparecer às aulas de Prática de Conjunto, que acontecem todas as terças-feiras, das 9h às 11h, na Avenida Conselheiro Nébias, 267 (altos), no bairro Vila Mathias, em Santos. As aulas são gratuitas e não é preciso se inscrever.

Fonte: G1
Créditos: G1