O que um suposto vídeo de uma orgia entre músicos da Coreia do Norte tem a ver com o encontro do presidente dos EUA, Donald Trump, com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, domingo (30), na fronteira das Coreias do Norte e do Sul?
O ponto em comum é uma cantora: Hyon Song-wol, a mais famosa da República Democrática Popular da Coreia, nome oficial da nação da dinastia Kim. Ela estava na reunião entre Kim e Trump, como parte da delegação norte-coreana. E estaria também na tal filmagem erótica, envolvendo as jovens da banda Moranbong, da qual foi a vocalista principal, e outros músicos do país.
A história se complica: segundo vários relatos, a bela Hyon Song-wol, 42, foi namorada de Kim Jong-un. Quando o suposto vídeo de sexo grupal emergiu, em 2013, ele teria ficado furioso e mandou fuzilar todo mundo, incluindo Hyon.
Mas, nove meses depois, ela ressurgiu, viva, agora como política. Desde então, foi sendo sucessivamente promovida. Atualmente, é membro do Comitê Central do partido de Kim e vice-diretora do Departamento de Propaganda e Agitação, um órgão-chave do regime norte-coreano.
O maior sucesso de Hyon como vocalista da Moranbong é a canção “A Excelente Moça que Trabalha como uma Égua”, uma ode à vida de uma operária da indústria têxtil. Na vida real, a reabilitação de Hyon Song-wol foi de fato excelente.
Outros não tiveram a mesma sorte, especialmente o diplomata Kim Hyok-chol, que até meses atrás comandava, pelo lado da Coreia do Norte, as negociações com os EUA. Depois do fracasso da reunião entre Kim e Trump em Hanoi (Vietnã), em fevereiro passado, a culpa teria recaído sobre Kim Hyok-chol. Ele e alguns de seus auxiliares teriam sido fuzilados, ou estariam vivos, mas sofrendo punições severas.
Depois da reunião de domingo (30), jornalistas perguntaram a Trump se ele tinha falado com o ditador Kim sobre o destino dos diplomatas norte-coreanos. O presidente respondeu: “Posso dizer que a pessoa principal [referência a Kim Hyok-chol] está viva. Espero que os outros também estejam”.
O encontro entre Trump e Kim, na fronteira entre as duas Coreias, teria, segundo a versão oficial dos dois países, acontecido meio de improviso, a partir de um tuíte que Trump escreveu no sábado (29), dizendo que, já que estava a caminho da Coreia do Sul, gostaria de subir até a fronteira para dar um aperto de mão em Kim Jong-un.
Quase imediatamente, um oficial do governo norte-coreano respondeu que a proposta era “interessante”. Vinte e quatro horas depois, para desespero dos serviços secretos dos EUA e da Coreia do Norte, que tiveram de organizar tudo, o encontro acabou mesmo acontecendo.
Alguns aspectos pareceram de fato improvisados, com gritos, correria e empurrões entre jornalistas e agentes de segurança. Mas muitos analistas avaliam que provavelmente já havia negociações secretas em curso, inclusive com participação da China, a principal avalista do regime ditatorial norte-coreano.
Os encontros entre Kim e Trump (o de domingo foi o terceiro em um ano) visam a suspender o programa nuclear da Coreia do Norte. Nunca um presidente dos EUA tinha aceitado se encontrar com um dirigente máximo norte-coreano. As reuniões, até agora, agitaram TVs, jornais e a internet, mas não resultaram em muita coisa concreta. Trump disse que, depois do encontro de domingo, comissões dos dois lados devem se reunir em “duas ou três semanas” para retomar as negociações.
Embora, para quem olha de fora, o regime de Kim pareça um monolito imune a dissidências, observadores mais atentos têm notado possíveis divisões dentro do Partido dos Trabalhadores da Coreia (nome oficial da agremiação controlada pela dinastia Kim).
Um artigo recente do especialista norte-americano em Coreia do Norte Robert Carlin – publicado no site “38 North” – aponta uma aparente guerra ideológica sendo travada nas páginas do principal diário norte-coreano, o “Rodong Sinmun”.
Na primeira página do jornal, longos artigos, que parecem ter origem na ala mais tradicional do partido, enfatizam a importância do investimento no aparato militar e alertam para os perigos de abrir mão do poderio atômico.
Como contraponto, a ala de fidelidade absoluta a Kim Jong-un emplaca respostas indiretas, com textos de louvor a antigos diplomatas, já mortos, que tiveram sucesso em negociações com os EUA, nas épocas dos ditadores anteriores, Kim Il-sung (avô do atual líder) e Kim Jong-il (pai).
São sinais sutis que poderiam indicar que não há apoio unânime no partido à aproximação de Kim Jong-un com os EUA, e que explicariam por que ele aceitou o convite do americano: para mostrar à ala mais ortodoxa que sua política de amizade com Trump está dando certo.
O próximo encontro entre os dois líderes, caso aconteça, pode definir se isso é verdade.
Fonte: G1
Créditos: G1