A britânica Kellie Howarth, de 42 anos, costumava se passar por menina para “caçar” pedófilos na internet. Mas acabou sendo perseguida por trolls – gíria usada para designar perfis que agem com o intuito de provocar ou ofender nas redes sociais – e acusada de abusar sexualmente de crianças.
A polícia investiga se ela foi vítima de um plano de vingança de predadores sexuais que ajudou a desmascarar.
“Não”, eles responderam. “Precisamos falar com você.”
Kellie mandou a filha de 12 anos subir e deu à pequena de quatro anos brinquedos para se distrair.
Sentada ao lado da outra filha, de 26 anos, ela ouviu o policial explicar que algumas denúncias “sórdidas” haviam sido feitas contra ela.
Um e-mail foi enviado para a polícia de Northumbria acusando Kellie de abusar sexualmente de crianças. O texto dizia que ela produzia com regularidade “vídeos caseiros” em que abusava sexualmente de menores, antes de “publicá-los em uma rede para pedófilos”. “Eu fiquei chocada”, conta Kellie. “Isso acabou comigo. Foi horrível. Chorei de verdade.”
Acusações por vingança
Mas Kellie sabia exatamente o que precisava fazer para provar ao policial que as acusações eram falsas.
Ela pegou o celular e mostrou a ele uma coleção de mensagens abusivas que tinha recebido nas redes sociais.
O e-mail era apenas o ataque mais recente de uma campanha perversa e incessante de trolls, que começou após ela ser identificada como integrante do grupo de caça a pedófilos The Hunted One. “Quando começou, eu literalmente vomitei”, disse Kellie. “Tem sido um verdadeiro pesadelo.” Ela tentou esconder o que estava acontecendo da família, mas o fardo acabou se tornando pesado demais.
“Um dia a situação ficou tão feia no Twitter que eu desabei no chão da cozinha e me acabei em lágrimas”, relembra.
Ela contou ao marido, mas os filhos mais novos ainda não sabem da sua provação.
O The Hunted One afirma ter fornecido provas policiais que levaram à condenação de cerca de 30 predadores sexuais.
Kellie se voluntariou para atuar na organização após fazer um trabalho semelhante para um grupo menor no nordeste da Inglaterra, chamado Guardians of the North.
A função dela no The Hunted One era se passar por meninas na internet, criando perfis falsos como “iscas” no Facebook. Ela deveria aceitar a solicitação de amizade de homens adultos que começariam a “aliciá-la”.
Quando acumulava indícios suficientes contra os suspeitos, enviava as mensagens para a polícia ou participava de “operações”, em que os membros do grupo confrontavam o suspeito, muitas vezes fazendo streaming ao vivo de vídeo para seus seguidores. “Era algo que, para mim, parecia ser uma coisa boa na época”, diz Kellie. No entanto, cinco meses após integrar a equipe do The Hunted One, as identidades reais de seus membros foram reveladas em um blog. O blogueiro anônimo disse que eles eram “perigosos” e “fora de controle”.
O blog também listou vários sites pró-pedofilia, incluindo uma petição para abolir o registro de criminosos sexuais e um artigo pedindo que imagens indecentes de crianças fossem legalizadas.
Isso levou Kellie a suspeitar que pelo menos alguns de seus algozes eram pedófilos contrariados, até porque os ataques começaram pouco depois de sua verdadeira identidade ser revelada. “Há definitivamente pedófilos por trás disso”, disse Kellie. “Eles não querem os caçadores de pedófilos por perto.” “Estou preocupada que, se eles me encontrarem, tirem fotos dos meus filhos.”
Outros alvos
Josh Blakely, que vive em Londres, é outro ex-caçador de pedófilos que foi vítima dos mesmos trolls. Ele também acredita firmemente que pedófilos desmascarados estão por trás do assédio e passou o nome de um suspeito para a polícia.
“Não foi difícil descobrir”, disse ele. “Todos eles se comunicam entre si.”
Ele conta que começou a caçar pedófilos para fazer “justiça” aos abusos que sofreu quando criança e ajudou a condenar 28 homens. No entanto, ele passou a ter pensamentos suicidas e medo de sair de casa após receber uma onda de ataques que o deixaram “enojado”.
Uma foto adulterada compartilhada na internet mostrava Josh segurando um cartaz de protesto pedindo que a maioridade sexual fosse reduzida para seis anos. Um site afirmou que Josh, Kellie e outros membros da comunidade de caçadores de predadores sexuais faziam parte de uma “aliança de pedófilos de pornografia infantil”.
Outra imagem mesclava uma foto de Josh com a de Jimmy Savile, ex-apresentador da BBC acusado de pedofilia. “Isso me desconcertou muito”, disse Josh. “Houve uma ocasião, em agosto, que um deles [dos trolls] estava no meu feed do Twitter e comentou que eu devia ser enforcado.” “Foi a gota d’água. Mentalmente, eu me fechei. Estava muito mal.”
Tanto Kellie quanto Josh denunciaram diversas páginas no Twitter, YouTube, WordPress, LiveLeak, Blogspot e Facebook, mas cada vez que uma é suspensa, outras aparecem. “Não é apenas um perfil, são cerca de 30 [de uma vez só]”, afirmou Kellie. “Quem está fazendo isso é muito inteligente.”
Um tuíte em particular exibia uma foto de Kellie ao lado de seu nome com a seguinte legenda: “pedófila”.
Mas um membro da equipe de suporte do Twitter disse a ela que “não houve violação das regras contra comportamento abusivo”. A empresa disse que não comenta casos individuais.
Josh também teve problemas com o Google, que ele disse ainda não ter atendido sua solicitação para remover o conteúdo de suas plataformas, exercendo seu “direito de ser esquecido”.
Um porta-voz da companhia informou, por sua vez, que o Google estava em contato com Josh e ofereceu a ele conselhos sobre como gerenciar sua reputação online.
A Polícia de Northumbria confirmou ter recebido o e-mail acusando Kellie de “graves crimes sexuais”, mas o caso foi encerrado quando comprovaram que as denúncias eram “falsas”.
Fonte: G1
Créditos: G1