Se dependesse apenas da comunidade brasileira nos Estados Unidos, a eleição presidencial americana, que será realizada em cinco dias, já estaria definida. Isso porque 71% dos brasileiros que vivem no país e possuem direito a voto dizem que preferem o democrata Joe Biden, enquanto 27% optam pelo republicano Donald Trump, que concorre à reeleição. É o que indica uma pesquisa feita pelo Instituto Ideia e obtida com exclusividade pela BBC News Brasil.
O Ideia ouviu 800 brasileiros maiores de 16 anos, entre os dias 26 e 27 de outubro, nos Estados da Flórida, Virgínia, Maryland, New Jersey, Nova York, Massachusetts, Texas, Illinois e Califórnia, além do Distrito de Columbia, onde fica a capital do país, Washington D.C.. A margem de erro do levantamento é de três pontos percentuais. O instituto descobriu ainda que mais da metade desses brasileiros já votou — e engrossou os mais de 70 milhões de votos já recebidos no pleito atual. 33% deles enviaram suas cédulas via correio.
O retrato obtido pela pesquisa mostra o democrata Biden com vantagem de 44 pontos percentuais sobre o adversário Trump, em um quadro muito mais confortável do que aponta o agregado de pesquisas nacionais do site FiveThirtyEight, no qual Biden lidera com folga de nove pontos percentuais.
O que eles esperam de quem vencer a eleição?
A explicação para a ampla preferência pelo democrata também surge em uma pesquisa do Ideia realizada em setembro de 2020: 77% dos entrevistados se disseram contrários ao aumento nas restrições do governo americano sobre a imigração legal ou ilegal.
Questionados sobre quais devem ser as prioridades do próximo presidente, os brasileiros colocam em primeiro lugar, em empate técnico, a busca por uma vacina anticovid (23%), a recuperação da economia (22%) e a melhoria do sistema de saúde (19%). Na sequência, estão itens diretamente ligados à questão da imigração. Para 15%, a reforma do sistema migratório americano é o ato mais urgente do próximo mandatário e, para 13%, o presidente deveria se dedicar a criar um caminho para regularizar os indocumentados.
Foi exatamente o teor da proposta de Biden no último debate presidencial entre os candidatos, há uma semana. O democrata afirmou que levará adiante uma reforma do sistema e que enviará ao Congresso uma proposta para dar cidadania americana a 11 milhões de imigrantes que vivem de modo ilegal nos EUA hoje.
“Embora esses brasileiros que podem votar já sejam cidadãos e não estejam em risco de deportação, muitos deles nasceram aqui, filhos de imigrantes sem documentos. Ou são os chamados Dreamers, adultos jovens trazidos para os EUA ainda na infância em condição irregular. Para eles, a ameaça que as políticas de deportação representaram ou ainda representam para as suas famílias é muito real”, explica Maurício Moura, fundador do Instituto Ideia e professor visitante da Universidade George Washington, em D.C..
De acordo com Moura, a comunidade brasileira, composta por cerca de 1,2 milhão de pessoas, associa Trump a uma ideia de tolerância zero com os imigrantes. O republicano se elegeu em 2016 prometendo construir um muro na fronteira com o México e colocar pra fora do país o que chamou de “bad hombres”, em uma referência a latinos indocumentados nos EUA.
Durante sua gestão, Trump aumentou o número de detenções e prisões de pessoas indocumentadas. Em 2018, ele instituiu uma política de separação de milhares de famílias, inclusive brasileiras, que atravessaram sem autorização do governo americano a fronteira com o México. Por conta da medida, até hoje, 545 crianças jamais puderam ser reunidas a seus pais.
Além disso, em 2019, os americanos passaram a submeter brasileiros a deportação sumária, isto é, sem direito a audiência na Justiça. E também passaram a forçar imigrantes do país em busca de asilo a aguardar o desfecho do processo em território mexicano. Trump entrou ainda na Suprema Corte com um pedido de revogação da permanência dos Dreamers no país.
Embora o governo anterior, do democrata Barack Obama e no qual Biden era o vice-presidente, também tenha registrado recorde em deportações, para os brasileiros, o programa defendido por Trump é ainda mais agressivo e ameaçador.
“De alguma forma, é como se o Trump nem mesmo permitisse mais a vinda dessas pessoas, para depois expulsá-las. Ele tornou esse movimento inviável, e isso é grave para a comunidade”, afirma Moura.
Brasileiros podem prever quem vai vencer?
Os imigrantes brasileiros costumam residir nos subúrbios, áreas no entorno de grandes cidades, como Miami, na Flórida, e Boston, em Massachusetts.
E enquanto as cidades americanas são majoritariamente democratas e as zonas rurais, republicanas, os subúrbios funcionam como uma espécie de região pendular, que a cada eleição tende para um lado do espectro político. É exatamente por essa característica que os eleitores dessas áreas têm enorme peso: eles são normalmente o fiel da balança eleitoral.
Em 2016, os subúrbios foram cruciais para a vitória de Trump sobre Hillary. Mas em 2020, parte desse eleitorado, especialmente as mulheres brancas, parece ter desembarcado da candidatura republicana. Há duas semanas, em um comício na Pensilvânia, o próprio Trump reconheceu o problema: “”As mulheres suburbanas, elas deveriam gostar de mim mais do que qualquer um aqui esta noite, porque eu acabei com a regulamentação que trouxe o crime para os subúrbios. Eu permiti a elas viverem o sonho americano. Mulheres suburbanas, vocês poderiam, por favor, gostar de mim? Eu salvei o bairro de vocês, certo?”
Como vivem nessas áreas, os brasileiros tendem a ter, de acordo com Moura, “um senso maior da realidade eleitoral nos EUA” e, por isso, seriam capazes de tomar o pulso do avanço da disputa política e de antever o resultado da eleição.
Em 2016, o Ideia também esteve em campo para aferir a preferência eleitoral da comunidade e descobriu que 78% dela votava por Hillary Clinton. Apesar disso, 52% dos brasileiros ouvidos garantiam que era Donald Trump quem venceria aquele pleito (42% diziam que seria a democrata). Contrariavam assim — e com acerto — o que era dito pelos institutos de pesquisa, que davam a Hillary uma vantagem de cerca de cinco pontos percentuais sobre Trump, e pela imprensa, cuja leitura era de que a democrata era a favorita.
Agora, no entanto, 65% dos brasileiros cravam a vitória de Biden, contra 35% que dizem que é Trump quem vai ganhar. Esses números representam uma mudança em relação ao que a própria comunidade previa em setembro de 2020: naquele momento, Trump era visto por 55% dos brasileiros como o favorito.
Entre uma pesquisa e outra, dois acontecimentos parecem ter pesado sobre o destino da disputa e a percepção dos brasileiros.
O primeiro foi o debate presidencial entre Trump e Biden no fim de setembro. Na ocasião, Trump interrompeu o oponente dezenas de vezes, criando um clima caótico no debate. A avaliação da própria campanha do republicano foi a de que seu comportamento o atrapalhou. Tanto assim que, para o último debate, na semana passada, o presidente mudou completamente sua postura diante do oponente e das câmeras.
O segundo acontecimento foi a contaminação de Trump por coronavírus no início de outubro. Os sintomas de covid-19 no presidente foram fortes — com queda de oxigenação no sangue e febres altas — e obrigaram o republicano a passar quatro dias no hospital. Segundo Moura, “a doença pegou mal para Trump”, já que jogou de volta para o centro do debate um tema em que ele não vai bem.
A condução do presidente em relação à pandemia é mal avaliada pelos americanos no geral, mas sua imagem é ainda mais negativa na comunidade brasileira: em outubro, 82% dos brasileiros dizem que Trump teve desempenho ruim na crise sanitária e apenas 9% o aprovam. Em setembro, antes de sua infecção, os números eram ligeiramente melhores para Trump.
Com quase 230 mil mortes por covid-19, os EUA são o líder mundial em perdas humanas na pandemia, em números absolutos. E enfrentam agora a terceira onda de coronavírus em seu território. Os latinos são um dos grupos mais duramente atingidos pela doença: 22% dos adultos latinos já pegaram o novo coronavírus, contra 14% da população americana em geral, segundo o Pew Research.
E apesar disso, Trump tem repetido recentemente que a situação “não é tão grave” e que o vírus “está indo embora”. No início do surto, o presidente americano subestimou publicamente a pandemia — enquanto dizia ao jornalista Bob Woodward estar ciente da gravidade da situação. Ameaçou cortar verbas de governadores que não suspendessem as quarentenas e reabrissem a economia. Adotou uma medida para expulsar estudantes internacionais casos suas escolas e universidade não retomassem aulas presenciais — mais tarde, o governo recuou. Defendeu terapias sem comprovação científica, como a hidroxicloroquina e chegou a sugerir injeção de desinfetante, ao mesmo tempo em que se recusava a usar máscara e a determinar seu uso obrigatório no país.
E embora seja mal avaliado em relação à covid-19 e rejeitado por boa parte da comunidade por sua política imigratória, nos últimos quatro anos, Trump conseguiu ganhar terreno entre os brasileiros que vivem nos EUA.
Em outubro de 2016, a intenção de votos para o republicano era de apenas 10%. Agora, 27% dos brasileiros nos EUA afirmam votar por ele. Os números, aliás, se aproximam dos cerca de 30% da comunidade latina que tem apoiado Trump no país.
A preferência tem muito a ver com a gestão da economia por Trump no pré-pandemia, quando o país registrava crescimento constante e pleno emprego. “Uma anedota comum entre os brasileiros é que conforme eles prosperam de vida deixam de ser democratas e se tornam republicanos”, afirma Moura.
Segundo ele, especialmente entre os brasileiros por volta dos 40 ou 50 anos, empreendedores, que tem um negócio próprio e funcionários sob seu comando, os republicanos aparecem com força. Por um lado, esse grupo elogia o corte de impostos para o empresariado que Trump adotou. Por outro, teme que governos democratas deem força a sindicatos que podem trazer prejuízos aos seus negócios.
Fatores como o conservadorismo religioso também podem motivar alguns — especialmente em uma comunidade fortemente evangélica —, mas são um aspecto minoritário, analisa Moura.
Do mesmo modo, a associação entre Bolsonaro e Trump não parece ter resultado em grandes ganhos eleitorais para o americano. “Embora a comunidade brasileira tenha votado em peso em Bolsonaro em 2018, sua rejeição à política migratória de Trump explica esse fenômeno do bolsonarista anti-Trump. Estamos falando de sobrevivência pessoal e da família do eleitor, são impactos diretos sobre a vida dele, isso costuma falar mais alto do que simpatias políticas e ideológicas”, diz Moura.
Fonte: G1
Créditos: G1