Os Jogos de Tóquio marcam a edição olímpica com o maior número de atletas abertamente LGBTQIA+ da história. Segundo contagem do site Outsports, ao menos 163 competidores presentes no megaevento esportivo são gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, queer e não binários, número maior do que a soma de todos os esportistas declaradamente LGBTQIA+ em Olimpíadas anteriores.
Para comparação, na Rio-2016, a mesma publicação contabilizou 56 atletas dentro dessa classificação. Em Londres-2012, eram 23. Além da cifra recordista, Tóquio-2020 desponta ainda como a edição em que, pela primeira vez, uma atleta trans competirá: a halterofilista Laurel Hubbard, da Nova Zelândia.
Outra novidade partiu da mídia: a narradora Natália Lara, do SporTV, utilizou o pronome neutro “elu” para se referir a Quinn, atleta de futebol feminino do Canadá que se identifica como transgênero não binária.
No Brasil, a lista de 13 pessoas LGBT+ é majoritariamente feminina, com apenas um homem: Douglas Souza, 25, da seleção de vôlei, que viralizou nas redes sociais graças a publicações bem-humoradas sobre o cotidiano da equipe olímpica. À Folha Douglas disse que é necessário “levantar bandeira em busca de igualdade”. “Estamos fazendo isso no esporte, e infelizmente a gente ainda engatinha nessa fase.”
Entre as mulheres, além de nomes conhecidos do futebol, como Marta, Formiga e Bárbara, a atleta de rugby de sete Isadora Cerullo, 30, destaca-se. Na cerimônia de entrega de medalhas da Rio-2016, ela foi pedida em casamento por Marjorie Enya, que trabalhava no comitê organizador do evento.
Izzy, como Cerullo é conhecida, e a esposa estão casadas há quatro anos, e o momento do “sim” é lembrado até hoje pela comunidade no esporte. À época, porém, o pedido no palco olímpico foi considerado inoportuno e desnecessário, lembra a jogadora. “Para a gente, fez sentido ser lá, e acabamos aprendendo a importância que isso teve. Tem atletas LGBT+ nos Jogos. Nem todos se sentem à vontade ou seguros, ou sentem a necessidade de falar sobre isso, mas não podemos apagar a existência deles.”
Antropólogo do esporte, Wagner Camargo, 47, afirma que o aumento do número de atletas assumidamente LGBT+ se deve, entre outros fatores, a uma reação a grupos conservadores, que tentam retirar direitos já adquiridos e impedir o acesso da comunidade a condições de igualdade.
“Estamos entrando numa era em que os atletas se posicionam para se contrapor a pessoas, partidos e grupos conservadores que tentam castrar ou minimizar a importância dessas questões. As pessoas se arriscam para que esse ganho coletivo não se perca”, diz ele.
Único país do G7 que não legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda que levantamento do Pew Research Center aponte que quase 80% dos japoneses com menos de 60 anos querem que a medida seja aprovada, o Japão é alvo de muitas críticas em relação a questões de gênero e sexualidade.
Esse panorama estimulou esportistas do país a abordarem cada vez mais o tema, aproveitando a vitrine dos Jogos para lutar por mudanças. “É um país marcado por um patriarcalismo super arraigado, avesso à homossexualidade. Não deve ser fácil [ser um atleta gay] num país como o Japão”, afirma Camargo.
A presença de pessoas trans nos Jogos Olímpicos também é fruto de debate há anos. Após a classificação de Hubbard, da Nova Zelândia, às Olimpíadas, grupos passaram a pedir maior detalhamento dos critérios para dificultar o acesso dessas pessoas ao esporte de alto rendimento.
Esforços do tipo fizeram com que o ex-esgrimista Sugiyama Fumino, que defendeu o Japão pela seleção feminina do país, anunciasse ser um homem trans apenas após a aposentadoria. Mesmo depois de divulgar sua identidade de gênero, ele foi chamado de “mulher” ao ser citado como membro do Comitê Olímpico Japonês. A presença dele na entidade, porém, é símbolo de uma mudança que pode estar por vir.
Além dele, o jogador Kumi Yokoyama, que disputa a NWSL, a liga de futebol feminino dos Estados Unidos, pelo Washington Spirit, também tornou público o fato de ser um homem trans. Nenhum deles vai disputar os Jogos e, na lista da Outsports, não há atletas japoneses.
Para a brasileira Izzy, a decisão de “sair do armário” é a ponta do iceberg, já que passa por diversos fatores como segurança, conforto e a importância da ação. No futuro, ela espera que a sexualidade ou a identidade de gênero de atletas não seja mais uma questão. “Acho legal enxergar que podemos chegar a um ponto no mundo em que nem precisa ter toda essa atenção e necessidade de sair do armário.”
A atleta afirma que os valores olímpicos passam a ilusão de que o mundo esportivo vive em uma “bolha”. Ao observar o caso do Japão, que assinou um compromisso de não discriminação ao receber as Olimpíadas, percebe-se que a situação não é bem assim. “É perigoso perpetuar apenas a ilusão de viver valores olímpicos e não colocar isso em prática quando é mais necessário.”
Fonte: Polêmica Paraíba com o Tempo
Créditos: Polêmica Paraíba