Em Tóquio, nesta segunda-feira (26), Rayssa Leal, a fadinha, esteve tão longe, em um evento tão grande, com tão pouca idade, para fazer história e se tornar a mais jovem medalhista olímpica do Brasil. Mais precisamente, Rayssa tem 13 anos, 6 meses e 21 dias. Enquanto especialistas analisavam tecnicamente a performance e telespectadores emprestavam o coração para torcer por sua vitória, um outro debate, em volume baixo, pedia atenção no canto da sala: afinal, é idade para ser uma atleta de alto rendimento?
Não é uma faixa etária completamente discrepante. Ao mesmo tempo em que o skate se desenrolava em Tóquio, caía na piscina, pela prova dos 200m livres, o romeno David Popovici, favorito à medalha com apenas 16 anos. Mesmo na prova de skate a fadinha competiu com atletas de idades semelhantes à dela, a medalhista de ouro, Momiji Nishiya, também tem 13. O esporte, inclusive, já está habituado a lidar com atletas nesta faixa: em 2019, a japonesa Misugu Okamoto foi campeã com os mesmos 13 anos, Rayssa, com 11, foi a vice.
Foi com 11 anos que Rayssa ingressou na seleção de skate, visando Tóquio 2020, ela teria 12 anos se as Olimpíadas fossem disputadas em sua data original.
A professora Katia Rubio, psicóloga especializada no esporte, ampliou o debate: “Eu entendo que há ambientes competitivos anteriores. Quando você considera que as crianças fazem vestibulinho aos 7 anos porque o número de vagas é limitado, e tanto os pais quanto o sistema acham isso normal, por que só é visto como algo danoso quando acontece no esporte?”, disse à CNN.
Nadia Comaneci foi a maior ginasta de sua geração e uma das maiores da história. Nascida em novembro de 1961, conseguiu três medalhas de ouro e uma de prata nas Olimpíadas de 1976. Ela tinha 14 anos e oito meses na ocasião. Na década seguinte, a idade mínima para a ginástica mudaria para 16 anos.
Rubio lembra: “O ambiente da ginástica, hoje sabemos, é altamente tóxico, com nível de assédio altíssimo. Isso derivava de uma cultura, forte principalmente no leste europeu, onde a competição esportiva era uma metáfora da guerra que não se fazia em campos de batalha”.
Não parece haver semelhança entre este cenário cultural e o ambiente vivido no skate, ao menos quando olhamos para o sorriso de Rayssa. “Me parece, vendo de longe, que, para a fadinha, a competição é uma grande diversão. Envolve, claro, cobrança por resultado, mas ela ainda parece encarar isso como uma diversão”, conclui a professora.
Rayssa sorriu e dançou ao longo de toda a prova. Quando errou sua última manobra, começou a chorar ao saber que a medalha de ouro lhe escapara. Um choro breve. Logo estava de novo desfrutando do momento. Ao falar com a imprensa, foi perguntada sobre a idade, e respondeu o que, para ela, parece simples: “É só fazer o que ama e se divertir”.
Rayssa Leal está amparada, além do treinador, pela mãe, devidamente credenciada e com acesso a dormitório na vila olímpica. Assim como a obrigação de usar capacete, orientação dispensada às adultas, a companhia materna é um cuidado específico considerando a idade da fadinha.
Em comparação com outros ambientes competitivos, a lembrança que o skate deixará em sua estreia olímpica é a da leveza e da solidariedade. Competidoras comemorando os acertos das próprias concorrentes e sorrindo mesmo quando as coisas não dão certo foram uma constante. Não pareceu um ambiente de pressão tóxica.
Como se trata de uma cultura urbana, praticada na maior parte do tempo sem a finalidade de julgamento por notas ou regulamento com limites, é justamente na pré-adolescência que ter um skate encanta e agrega amigos e amigas nas cidades. “E é uma prática que em muitas cidades foi proibida”, lembra Katia Rubio. “Perto da minha casa, por exemplo, instalaram obstáculos para impedir a prática de skate”.
A prática do skate, acostumada a existir dentro da dinâmica das cidades, e muitas vezes contra os moradores delas, leva para o ambiente competitivo, cercado de interesses múltiplos e comerciais, códigos que o sorriso da fadinha nos ajudam a decifrar. Mas nem tudo é um conto de fadinhas.
Na ginástica dos anos 1970, o sucesso de atletas de menos de 15 anos foi seguido da tentativa de produção em massa de competidoras ainda melhores e com ainda menos idade, testando o limite da saúde física e mental em um contexto que já não permitia tanta liberdade, o ponto de partida passava a ser o resultado rápido, não o prazer espontâneo.
A crítica mais comum feita sobre a faixa etária do pódio olímpico do skate traz uma preocupação com consequências, mais do que com a foto do momento em si. O recrutamento desordenado de atletas fora do tempo orgânico de maturidade, aliado ao alto rendimento que pouco se preocupa com a saúde física e mental de longo prazo, já existiu em outros esportes e pode jogar contra a modalidade.
Seja como for, a receita do sucesso está dada, e vai além da medalha de prata da brasileira. A primeira imagem pública de Rayssa Leal, desafiando uma pequena escada vestida com uma fantasia azul de fada, sintetiza a forma como se pratica um esporte em determinada idade e contexto. Se mais tarde virar medalha olímpica, melhor ainda.
Fonte: CNN
Créditos: Polêmica Paraíba