Mais uma suspeita de fraude nas últimas eleições da Federação Paraibana de Futebol (FPF) pode ser alvo de análise do Ministério Público. Isso porque é possível que dois clubes tenham votado de maneira irregular no pleito que levou Michelle Ramalho à presidência da FPF. A eleição, que aconteceu no dia 29 de setembro do ano passado, está na mira do MP depois que o Esporte Espetacular revelou algumas suspeitas de falsificação documental, compra de votos e chantagem.
Os clubes em questão são Internacional-PB e Serrano-PB. Alguns documentos aos quais o GloboEsporte.com teve acesso mostram que os dois clubes tinham pendências que poderiam tirar-lhes o direito a voto.
Internacional-PB teria direito a um ou dois votos?
No caso do Internacional-PB, a questão é bem contraditória. De acordo com o estatuto da FPF, para qualquer clube ter direito a participar de uma reunião colegiada – como é o caso de eleição -, dentre várias exigências, precisa ter disputado uma ou mais competições – não especifica se amadora ou profissional – nas duas últimas temporadas anteriores à reunião. Ainda de acordo com o documento que rege o funcionamento da FPF, o clube, para ter direito a um voto na categoria de futebol amador, na eleição, tem que ter participado de competições não profissionais organizadas pela FPF – sem detalhar se nos dois anos ou em um dos dois anos anteriores à reunião colegiada.
A redação desses dois dispositivos, no entanto, não deixa claro se a agremiação, para ter direito a voto na categoira amador, precisa disputar competições amadoras por dois anos seguidos ou disputar mais de uma competição amadora em apenas uma temporada, desde que tenha disputado um torneio profissional, por exemplo, no ano em que não jogou torneio amador.
De qualquer maneira, o entendimento majoritário da Comissão Eleitoral do pleito de setembro sobre o tema foi no sentido de que o clube profissional só teria direito a dois votos (o de amador e o de profissional) se tivesse disputado nas duas últimas temporadas à eleição – 2016 e 2017 – competições amadoras e profissionais, nos dois anos. Por isso, por exemplo, Campinense, Nacional de Pombal, Treze e Sousa só tiveram direito a um voto no pleito de setembro, relativo ao fato de estarem disputando nos dois anos a 1ª ou a 2ª divisão do Campeonato Paraibano (ambas competições profissionais). No período de 2016 e 2017, eles jogaram, por exemplo, um torneio amador, em apenas um desses anos.
Mas o Internacional-PB não jogou nenhum campeonato de base no ano de 2016, segunda temporada imediatamente anterior à de 2018. O clube disputou torneio amador apenas em 2017.
Por conta disso, se a regra aplicada a Campinense, Nacional de Pombal, Sousa e Treze fosse atribuída ao Internacional-PB, o clube colorado deveria ter direito a apenas um voto, o referente à sua participação em competições profissionais em 2017 e 2016. No ano retrasado, o Internacional-PB disputou a 1ª divisão do Campeonato Paraibano, enquanto que em 2016 jogou a divisão de acesso do estadual. Dessa forma, atendeu às exigências para ter o voto relacionado à sua atividade profissional.
Parágrafo 6º do artigo 21 do estatuto da entidade trata dos direitos dos filiados a voto — Foto: Reprodução
Desde a primeira atualização do colégio eleitoral, divulgada oficialmente pela FPF, no dia 6 de setembro do ano passado – já com a intervenção de João Bosco Luz em vigor para comandar o processo eleitoral -, o Internacional-PB consta com direito a dois votos na eleição. Nas atualizações seguintes, o clube seguiu com o direito a dois votos. Os clubes em situação semelhante sempre permaneceram com apenas um voto de direito no colégio eleitoral e, dessa forma, participaram do pleito.
O Internacional-PB, que até então tinha como seu presidente o dirigente Tassiano Gadelha, foi um dos nove clubes profissionais que subscreveu a inscrição de chapa da ex-auditora do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Com a vitória de Michelle, Tassiano assumiu o cargo de ouvidor da FPF.
A reportagem tentou entrar em contato com Tassiano Gadelha, mas o telefone só deu desligado até o fechamento desta matéria.
Serrano-PB votou com pendência financeira
No caso do Serrano-PB, a suspeita de votação irregular por parte do Lobo da Serra envolve uma dívida que o clube tinha com a FPF. No dia 3 de setembro do ano passado, o então presidente do clube, Otamar Almeida, enviou um ofício à entidade com o objetivo de esclarecer por que a equipe ainda não constava no colégio eleitoral. O Serrano-PB só foi incluído no colégio divulgado pela FPF dez dias depois.
Ofício do Serrano-PB endereçado à FPF — Foto: Reprodução
No dia 13 de setembro, o interventor João Bosco Luz, também auditor do STJD, assinou um documento em que reconhecia que havia um débito no nome de Valdir Cabral, ex-presidente do Lobo da Serra. O que estranha é que, ao passo que o interventor reconheceu a dívida como sendo do antigo dirigente do Serrano-PB, também entendeu que o débito era do clube, já que deu um prazo para a agremiação pagar a dívida. Ainda no documento, Luz garante os direitos políticos do clube nas eleições que estavam por chegar, mesmo com o débito em aberto.
A reportagem teve acesso ao cheque que comprova o débito em questão, datado do dia 1º de dezembro de 2017, quando o presidente da FPF ainda era Amadeu Rodrigues, afastado do cargo pela Justiça em junho do ano passado. Em um recibo, assinado no mesmo dia, o Serrano-PB e a FPF indicam que o empréstimo de R$ 10 mil era para cobrir despesas do clube.
João Bosco Luz garante os direitos políticos do Serrano-PB, mesmo com o reconhecimento da dívida por parte da FPF — Foto: Reprodução
O GloboEsporte.com entrou em contato com Otamar Almeida, que agora é diretor executivo da FPF, na gestão de Michelle Ramalho. O dirigente assumiu que o débito não foi pago antes das eleições, mas argumentou que a dívida era nominal a Valdir Cabral e que, por isso, não poderia ser imputada ao Serrano-PB.
– Eu não ia reconhecer um débito do Serrano-PB se o cheque está no nome da pessoa física de Valdir Cabral. Esse dinheiro não tem em lugar nenhum. Não entrou em caixa do Serrano-PB. Eu não reconheço e assim eu passei para o interventor. E o interventor prontamente disse que não poderia deixar de reconhecer o débito. Ia reconhecer o Serrano-PB e dar um prazo para ser pago. Foi isso que ficou acertado – comentou Otamar.
Recibo assinado pelo ex-presidente do Serrano-PB indica que o empréstimo era para cobrir despesas do clube — Foto: Reprodução
Cheque do empréstimo da FPF — Foto: Reprodução
A reportagem também entrou em contato com o ex-presidente do clube, Valdir Cabral, que foi candidato a vice-presidente na chapa do advogado Eduardo Araújo, que concorreu no pleito do ano passado contra a candidatura de Michelle Ramalho. De acordo com o ex-mandatário, o empréstimo serviu para pagar parte da folha do clube.
– Deixamos uma dívida mesmo. Foi um empréstimo para pagar a folha de dezembro. O dinheiro não foi para Valdir Cabral. Foi para o clube. Eu, como representante do clube, presidente, recebi o cheque – explicou o dirigente.
Otamar Almeida é o atual diretor executivo da FPF — Foto: Raniery Soares/Paraíba Press/FPF
Após entrar no colégio eleitoral, o Serrano-PB passou a aparecer mais como agente político da eleição. Otamar virou coordenador da campanha de Michelle Ramalho e continua como braço direito da dirigente dentro da FPF.
Memo da Diretoria Administrativa Financeira da FPF atestando o débito do Serrano-PB junto à Federação — Foto: Reprodução
Ex-presidente do Auto Esporte acusa interventor: “Veio para fraudar a eleição”
Outro personagem interessante da eleição é o Auto Esporte. O clube tinha uma dívida com a FPF de cerca de R$ 40 mil. O presidente do Alvirrubro durante o processo eleitoral na entidade, Watteau Rodrigues, entrou em contato com o interventor João Bosco Luz para saber detalhes do débito. Até agora, Watteau defende que a dívida não é do Auto Esporte.
Segundo o dirigente, ele foi até a FPF para pedir um tratamento semelhante ao que o interventor dera ao Serrano-PB, em busca de um prazo para que o clube pudesse quitar a dívida, mas que fossem garantidos os direitos políticos ao time de João Pessoa. De acordo com Watteau, não houve isonomia nos dois casos. Ele ainda avaliou que a eleição na FPF foi fraudulenta.
– Essa dívidas vêm de anos, da época de Rosilene. Mas eu não reconheço que essa dívida é do Auto Esporte, porque a gente não sabe a origem dela. Fomos atrás do interventor João Bosco Luz, que negou dar um prazo e nosso direito de votar. Com o Serrano-PB ele fez diferente. A verdade é que o João Bosco Luz veio para cá para dar a FPF para Michelle Ramalho. Foram eleições ilegais, manipuladas – comentou.
Watteau Rodrigues, ex-presidente Auto Esporte, detonou a atuação de João Bosco Luz na Paraíba — Foto: Cisco Nobre / GloboEsporte.com
A reportagem tentou entrar em contato com o ex-interventor da FPF e auditor do STJD, João Bosco Luz, mas não teve as ligações atendidas. Em entrevista ao Esporte Espetacular, João Bosco Luz negou que tenha participado de qualquer fraude na eleição do ano passado na FPF.
Gestão atual pode estar ferindo estatuto da FPF
Com a vitória de Michelle Ramalho, Tassiano Gadelha e Otamar Almeida ganharam posições privilegiadas na gestão da ex-auditora do STJD. O primeiro virou ouvidor da FPF, enquanto que o segundo é o atual diretor executivo da entidade. Foram anunciados oficialmente para os cargos pela própria presidenta, no dia 20 de novembro, por meio de aplicativo de mensagem instantânea ao GloboEsporte.com.
Michelle Ramalho divulgou a equipe da FPF no dia 20 de novembro — Foto: Reprodução
O estatuto da FPF, no entanto, veta que qualquer dirigente que possui cargo em quaisquer entidades desportivas possa assumir outro cargo na FPF.
Dispositivo do estatuto que explica quem pode exercer cargo na FPF — Foto: Reprodução
No sistema da CBF, por exemplo, em uma consulta realizada no dia 28 de dezembro – quase um mês depois de sua nomeação -, à qual o GloboEsporte.com teve acesso, Tassiano Gadelha segue constando como presidente do Internacional-PB. Além disso, o último registro em cartório da situação do clube colorado mostra que Tassiano continua sendo o mandatário do clube.
Tassiano aparece como presidente do Internacional-PB no sistema da CBF em uma consulta realizada no dia 28 de dezembro — Foto: Reprodução
Ata da eleição de Tassiano Gadelha no clube é a última atualização legal da situação administrativa do Colorado — Foto: Reprodução
Já Otamar Almeida revela que não é mais presidente do Serrano-PB. O dirigente, entretanto, não renunciou ao cargo maior do Lobo da Serra. Apenas pediu um afastamento por tempo indeterminado da função, no dia 1º de outubro.
Em cartório, a última atualização da situação administrativa do clube demonstra que Otamar Almeida ainda é o presidente do time. A reportagem tentou entrar em contato com a presidenta Michelle Ramalho, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
Apesar de haver essas situações questionáveis, nenhuma denúncia formal ainda foi realizada sobre as últimas eleições da FPF. O Ministério Público da Paraíba prometeu investigar o caso e a expectativa é de que ainda essa semana os primeiros depoimentos sejam colhidos no órgão.
Pedido de afastamento feito por Otamar Almeida, antes de assumir cargo na FPF — Foto: Reprodução
Fonte: Globo Esporte PB
Créditos: Globo Esporte PB