Chegou ao fim para Paolo Guerrero uma luta que durou 14 meses. Condenado por doping quando defendia a seleção do Peru pelas eliminatórias da Copa do Mundo, em 2017, o atacante tentou até a última instância, mas não conseguiu provar sua inocência da acusação de ingerir a substância benzoilecgonina. A liberdade chegou, a estreia pelo Internacional aconteceu e os gols já começaram a sair. Mas não sem que antes o jogador tivesse que batalhar contra seu ânimo e enfrentar problemas pessoais, como a morte do sobrinho Julio André, em março, vítima de um assalto em Lima.
Em entrevista exclusiva ao Esporte Espetacular – a primeira desde que cumpriu a suspensão -, Guerrero lembrou o que viveu no período de suspensão e comemorou o momento no Internacional, ao qual não se cansa de agradecer por ter o contratado mesmo com o risco de precisar adiar sua estreia em alguns meses – o que de fato veio a ocorrer – ainda por conta do imbróglio judicial.
Confira a entrevista abaixo:
Qual a sensação de poder voltar a jogar agora, depois de quase dois anos entre idas e vindas da suspensão por doping? É como se fosse um passarinho que saiu da gaiola?
Pra ser bem sincero, eu estou me sentindo feliz de voltar aos gramados, de ter essa sequência de jogos importantes, porque só peguei jogo difícil. Peguei os dois Gre-Nal, contra o Flamengo, dois jogos da Libertadores que foram bem pegados também (a entrevista foi antes do jogo contra o Palmeiras, neste sábado). Então são jogos difíceis, mas voltei ao que eu mais queria fazer: jogar futebol. Então eu me sinto como você falou: um gavião que quer sair, voar alto com meu time, que é o Inter.
Como foi lidar mentalmente com tudo o que aconteceu?
Eu não queria voltar a tudo isso que vivi porque foi um momento muito difícil, muito triste. Tive depressão mesmo. Não queria sair da minha casa, fiquei no Peru todo esse tempo. Todo mundo falava para eu viajar e distrair a cabeça. Mas fiquei o tempo todo no Peru. Não pensei em fazer uma viagem, me distrair. Eu queria resolver minha vida, voltar a jogar futebol. Deixei de assistir um pouco futebol porque não queria ver meus companheiros jogando bola sem mim. Além disso, os resultados naquele momento não eram os que queríamos. Então, não poder ajudar era muito difícil.
Mas tive que aceitar, tive que me apegar à minha família, estar com eles mais perto. E isso foi uma das coisas mais importantes a que me dediquei a fazer depois do que aconteceu.
Chegou a buscar ajuda psicológica?
Não, o psicólogo tinha que ser eu mesmo. Eu pensei muitas vezes em procurar mas eu tinha que tirar essa vontade de mim. Porque sou um jogador com 35 anos, sou sobretudo um ser humano que tem que saber lidar comigo mesmo. E foi a força de vontade que eu tive. Pensar que nada pode me afetar, que eu tinha que lutar contra pela minha inocência. Fui inocente e não podia cair, porque veria meus pais tristes. E isso era o que eu não queria fazer, porque a primeira coisa que vinha na cabeça era que seu fico com depressão, fico pedindo ajuda, fico mal, meus pais vão estar pior do que eu. Então minha força de vontade foi isso. Pensar que meus pais poderiam estar pior, porque já são pessoas de mais idade, então qualquer coisa poderia afetar muito mais. Então eu só pensava neles e que eu tinha que estar forte e que eles me vissem forte. Queria mostrar que estou bem, que vou lutar e que vou estar sempre com a cabeça erguida.
Como foi seu dia a dia naquele período?
Um dia acordava e acordava mal. Queria ficar na minha casa, na minha cama, sem querer ver ninguém. Ficava triste. Tinha ligação e eu não atendia, tinha mensagem não atendia. Ficava trancado na minha casa. Outros dias, não. Minha mãe por exemplo, falava comigo, meu pai também. Me ligavam, eu falava que estava tudo bem, tudo certo. Minha mãe me via triste, eu falava: “caramba, ela está percebendo que eu estou triste. Eu não posso me cair.” Então tinha que demonstrar outras coisas, que estava forte.
Foi o pior momento da sua vida como pessoa e atleta?
Claro. Futebol é a minha vida, é minha paixão, é tudo que eu posso querer. Só jogar futebol. E deixar de jogar por aquilo que aconteceu era muito injusto. Eu não podia aceitar algo assim. Na minha cabeça só era lutar pela minha inocência. Mas depois, como eu falei, eu não podia demonstrar para os meus pais que eu cairia, porque sei que poderia afetar a todos. E sabe como é o estresse… e meus pais têm algumas doenças também. Meu pai é diabético, tem algumas coisas, minha mãe também. Então a única coisa que pensava era na saúde deles.
E em meio a tudo isso, como foi disputar a Copa do Mundo, que era o seu grande objetivo?
O sonho do meu país era classificar para a Copa. E eu tive esse castigo que foi muito injusto. Me tiraram da Copa, porque para mim, eu não joguei a Copa. Não joguei porque com dez dias de preparação eu estava treinando sozinho num parque. Jogadores europeus, a maioria dos jogadores jogava na Europa, chegaram com 70 jogos, eu chegava com três.
Então você não aproveitou a Copa do Mundo?
Para ser bem sincero, não. E isso todo mundo tem que saber, no meu país também. Só que eu precisava estar lá com meus companheiros porque eles me veem como um exemplo e como capitão deles. Então eu tinha que estar do lado deles para apoiar em todos os sentidos. Por isso quando me tiram do primeiro jogo eu… eu queria jogar, como todo jogador quer estar sempre no campo. Mas valia a minha presença com eles apoiando, porque se estamos perdendo temos que ir para empatar e virar, mas eu tinha que estar com eles. Mas aproveitar como jogador dentro do campo… Como? Antes de me incorporar à seleção eu treinei num parque sozinho. Numa parque lá na Suíça porque eu estava lutando. Fui na Fifa conversar com o presidente da Fifa, ver meus advogados. Tinha reunião aqui, tinha reunião lá. Tinha que resolver minha vida para jogar futebol
Era difícil direcionar seu foco para um lugar só?
Como? Eu não estava treinando. Antes de me incorporar à seleção treinei cinco dias em um parque. E tiveram os amistoso contra Arábia Saudita, que fiz dois gols, e Suécia, que empatamos em 0 a 0. E daí a estreia contra a Dinamarca. Enquanto todo mundo chegava com 70 jogos, eu chegava com dois. Impossível.
Sua intenção era não demonstrar para seus companheiros de seleção toda essa amargura?
Com certeza. Eu estava punido injustamente. Primeiramente me dão um castigo de um ano, daí me reduzem para seis meses. Quando achei que tinha passado tudo, comecei a jogar pelo Flamengo, tinha feito um gol contra a Chapecoense e me senti bem no campo. O gol te enche de confiança. No dia seguinte, segunda-feira, cai novamente uma suspensão em mim de um ano e dois meses. Quatorze meses de suspensão. Aí, cara, o mundo acaba. Era inacreditável e foi muito difícil. Mas eu tinha que me manter forte para acompanhar meus companheiros, poque seria uma Copa difícil.
E e meio a tudo isso, em fevereiro deste ano você ainda enfrentou a morte de seu sobrinho.
Muito difícil a partida do meu sobrinho, da forma como foi. Roubaram o telefone dele por roubar, mataram ele, e é difícil entender esse tipo de coisa que acontece no dia a dia. Para a minha família foi um choque muito forte. Mais para a minha mãe, porque o meu sobrinho estava vivendo esses dias com minha mãe, e tudo aconteceu quando ele estava voltando para lá. Minha mãe se culpa muito, e eu não gosto da minha mãe assim triste. Inclusive a gente comemorava junto aniversário, porque ele também era de 1º de janeiro, e sempre cantavam parabéns para mim e para ele. No mesmo dia a gente comemorava, a gente sempre estava junto porque passávamos o mesmo dia juntos.
De que forma viu o voto de confiança do Internacional, que acertou sua contratação em meio a todo o imbróglio jurídico?
Foi lindo, porque quando me chegou a proposta do Inter havia outras propostas também. Mas os clubes duvidavam se eu continuaria jogando, se teria uma suspensão maior. Mas o Inter disse que ia esperar até o dia que eu pudesse jogar.
Então não tinha como dizer não. Inclusive o Flamengo fez uma proposta, mas com muitas dúvidas. Então o Inter era: se você não puder jogar agora, a gente te aguarda até quando puder jogar, mas a gente te quer aqui. E me receberam com os braços abertos. Por isso sempre falo que estou muito agradecido com o Inter porque me acolheu muito bem.
Estou me sentindo muito bem aqui, me adaptando à cidade, a tudo. Acho que já estou adaptado aos meus companheiros porque chego lá e é felicidade pura. E por isso estou agradecido com meus companheiros, porque eles me abraçaram, e é isso o que eu quero fazer. Chegar no clube, no vestiário e rir, chegar no jogo e rir. E ganhar. É o mais importante. Sou um cara muito competitivo, que se cobra muito e não gosta de perder. Tomara que a gente possa ganhar muito e este ano possa comemorar um título importante.
Então agora você tem acordado e dormido com um sorriso no rosto.
Sim, claro. E a preocupação do jogo. Como te falei, sou muito competitivo e já quando acordo e tem um jogo importante, estou pensando como vai ser. Vai ser pegado, vai ser difícil. E imagino o que vai ser dentro do campo.
Você acredita em destino, em coincidências? Porque você já havia marcado alguns gols no Beira-Rio. Estreou pelo Flamengo no Beira-Rio fazendo gol, e na última quarta-feira enfrentou pela primeira vez o Flamengo fazendo gol no Beira-Rio.
Pode ser. Na verdade já fiquei pensando, mas, como te falei, é um lugar onde me sinto à vontade. Campo bom, estádio lindo. Inclusive já joguei no Beira-Rio antigo pelo Corinthians e também fiz gol aqui, e agora estou fazendo gol jogando pelo Inter. Então é um lugar onde me sinto à vontade, muito à vontade.
Quais são seus planos no Internacional? Fazer gols, entrar para a galeria de ídolos…
Sempre quando passei por todos os meus clubes tive respeito por todos. E sempre quando passo por um clube tento dar o meu melhor. Não sei se ser um ídolo ou estar nessa galeria. Mas dar meu melhor, que isso é o mais importante. Suar sangue no campo. Porque com isso acho que o torcedor um dia vai dizer ele deu a vida dentro do campo, e essa é a minha satisfação.
Sabia que já marcou 99 gols por clubes brasileiros? Você se liga em estatísticas?
Não sabia e não me ligo em estatísticas. E também não me ligo só em fazer gol. Eu quero ganhar, cara. Me cobro muito quando perco. Não me sinto bem, chego no vestiário de cara fechada. Não me sinto bem comigo mesmo. Para me sentir bem eu tenho que ganhar. Se eu não fiz gol, tranquilo. Ganhamos, pronto. Com isso é suficiente.
Você vai jogar a Copa América?
O professor Gareca veio aqui falar comigo. Falei professor, você tem a decisão. Porque ele veio falar comigo pra ver o que eu queria. Se eu queria mais tempo com meu time ou se eu estava me sentindo bem como para ter uma sequência de jogos. Falei, professor, eu vou ter uma sequência daqui até a Copa, você me viu jogar contra o Palestino. Quem convoca é você. Eu não posso tomar a decisão por você. Se ele me chamar ou não é detalhe dele.
Mas se o treinador convocar, você vai?
Sim. Com algumas coisas que eu pedir para ele. Que eu quero que a minha federação se preocupe mais, não por mim, porque obviamente o que aconteceu comigo foi o destino. Mas eu quero que eles tenham respeito pelo jogador. Eles têm que se envolver mais pelo jogador, ter uma preocupação maior, porque por mim não tiveram.
Você se sentiu abandonado por todos, incluindo Flamengo e seleção peruana?
Sim. O Flamengo até se importava, porque às vezes me chamava para saber como eu estava. O Flamengo me blindou com apoio. Mas quem tinha que resolver isso era a Federação Peruana de Futebol, e nesse caso não me deram o apoio que eu precisei. Porque eles deveriam ter investigado e me ajudado mais.
Então você acabou lutando sozinho por sua honra, sua carreira e sua absolvição?
Eu estive sozinho. Minha família e meus amigos me ajudaram. Mas eu estava com a seleção peruana quando aconteceu tudo isso, então deveria ser a federação peruana.
Você tem planos de ser presidente do seu país, de se envolver na política?
Não. Agora que fomos ao Peru, todos os meus companheiros de Inter ficam me zoando com isso, mas não.
E no futebol?
Não sei. Não posso falar porque quero me dedicar a jogar futebol até quando puder. Eu estou me sentindo muito bem. Agora não posso falar sobre isso, só me dedico ao que eu tenho que fazer no momento. Cem por cento.
O Inter lançou uma camisa que lembra a da seleção peruana. O que achou? É uma segunda pele?
Gostei. Está linda demais. E esse é um manto que tenho que carregar e lutar por ele. Uma segunda pele, não. Acho que é uma primeira, porque é como se fosse a seleção peruana.
Fonte: globo esporte
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