A divulgação dos balanços financeiros dos principais clubes do Brasil na última semana revelou o tamanho do impacto da covid-19 nos cofres dessas equipes. As 20 maiores agremiações do País tiveram queda nas receitas de 19,5% e juntas têm déficits que somam R$ 1,03 bilhão. Com isso, as dívidas passaram pela primeira vez de R$ 10 bilhões. Os dados foram analisados pela consultoria Sports Value. Diante desse cenário, o Estadão ouviu dirigentes, profissionais de marketing e advogados especializados em direito esportivo para tentar enxergar uma luz no fim do túnel.
Nesse período de pandemia, os clubes tiveram perdas financeiras principalmente sobre direitos de TV, bilheteria, sócios, transferências de jogadores e patrocínios. O Flamengo, por exemplo, que terminou 2019 em alta, sofreu forte impacto em seus cofres. No ano anterior o clube somente com estádio e o programa de sócio-torcedor arrecadou R$ 175 milhões. Em 2020, esse valor caiu para R$ 92 milhões. O Palmeiras viveu situação idêntica. O faturamento com sócios e bilheteria no Allianz Parque foi de R$ 91 milhões em 2019. No ano passado, o valor arrecadado com esses itens despencou para R$ 29 milhões.
Esse corte drástico das receitas e os custos ainda muito elevados fizeram com que os déficits somados atingissem, pela primeira vez na história, R$ 1 bilhão, alta de 39% em comparação com 2019. Naquele ano, os déficits, que já estavam altos, foram de R$ 721 milhões.
Considerado um dos responsáveis pela reestruturação financeira do Flamengo, o ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello falou ao Estadão sobre o cenário de penúria que atinge o futebol com a pandemia. “Os clubes que já estavam em desequilíbrio sofrem mais do que aqueles que estavam saudáveis e capitalizados. E a receita para superar as dificuldades é a mesma de sempre. Fazer o ajuste necessário equilibrando receitas e despesas, ainda que sacrificando objetivos na área esportiva”, disse ele que, entre outras atividades, atualmente trabalha como diretor do Instituto Nacional de Eficiência Energética (INEE).
Eleito em 2013, Bandeira de Mello herdou dívida de quase R$ 800 milhões. Ele seguiu como mandatário até 2018, conseguiu equacionar a dívida do clube e ajudou a montar a base para que o Flamengo voltasse a ser uma potência esportiva no cenário nacional.
Em tempos de pandemia, a penúria financeira continua crescendo num ritmo galopante. A prova é que, pela primeira vez, um clube, o Atlético-MG, atingiu o patamar de R$ 1,2 bilhão em dívidas. Em 2020, Cruzeiro e Corinthians passaram o Botafogo, que era até então o clube mais endividado do Brasil. O time mineiro, que está na Série B do Campeonato Brasileiro, tem agora R$ 962,5 milhões em dívidas, alta de 20% em relação a 2019. Já os paulistas acumulam R$ 949,2 milhões de dívidas, superando o Botafogo, com R$ 946,2 milhões. O Atlético-MG teve ano atípico com o negócio do Shopping Diamond Mall, que rendeu R$ 476 milhões ao clube. Isso impactou nos números.
“Muitos clubes precisam de choque de gestão, controle e regulação efetiva de suas administrações, a fim de serem saudáveis novamente. Nenhuma lei de clube-empresa alterará esse cenário”, analisou Amir Somoggi, sócio-diretor da Sports Value, em relatório publicado pela consultoria, numa referência ao projeto de lei que prevê o formato empresarial para gestão dos clubes e deve ser votado ainda este mês no Senado.
As dívidas fiscais dos clubes, por exemplo, estão em R$ 2,7 bilhões e representam 26% do endividamento total. Antes da pandemia, esse porcentual era de 38%. Isso mostra que os clubes, a cada ano, aumentam mais suas dívidas operacionais relacionadas à contratação de jogadores, empréstimos e passivos trabalhistas, que não serão resolvidas com uma nova legislação. “O mercado brasileiro de futebol precisa encontrar um modelo mais enxuto e menos alavancado de gestão. Com a pandemia, boa parte dos clubes perdeu o controle financeiro de suas operações”, apontou Somoggi.
EQUILÍBRIO NAS CONTAS – Cabe aos mandatários dos clubes o desafio de buscar alternativas. Para Marcelo Paz, presidente do Fortaleza, a responsabilidade com as contas é o primeiro passo a ser dado. “No nosso caso, é ter equilíbrio nos gastos. Não tivemos investimentos com compra de direitos econômicos de jogador para esse ano. Formamos um time com atletas contratados por empréstimos, ou que estavam livres, além dos que já estavam aqui, para honrar com os salários e não acumular dívidas. Além disso, temos que ter criatividade para achar dinheiro novo”, afirmou. Ainda de acordo com o dirigente, essas “novas receitas” podem vir em forma de avanço da equipe na Copa do Brasil ou ainda venda de atletas.
Caçula entre os times da Série A, o Cuiabá vai manter a linha de trabalho adotada no ano passado. A prioridade é o rigor com as contas. “O foco aqui foi controlar ao máximo as despesas para minimizar o prejuízo. Foi assim que nós passamos o ano de 2020. Além de não nos endividar, conseguimos o acesso. A gente teria renda grande de bilheteria com a torcida na Arena Pantanal. O ingresso também alavancaria a receita com sócio-torcedor”, disse o vice-presidente do clube, Cristiano Dresch.
Para Renê Salviano, executivo com mais de 20 anos de experiência em novos negócios do esporte, a saída é seriedade na comunicação com o torcedor. “Poderia aqui citar investimento em programas de sócios-torcedores ou em conteúdos para redes sociais, canal próprio. Em tempos de pandemia isso cresceu avassaladoramente. Para isso acontecer, no entanto, é preciso uma gestão séria e transparente.”
Outro ponto importante, segundo Salviano, é ouvir e conhecer a jornada do torcedor. “Passando por estas etapas, os clubes saberão se preparar para a captação de patrocínios e novos negócios. Uma grande e importante dica é ouvir o torcedor. Deles virão as melhores ideias e conexões”, aconselhou o empresário.
Fonte: Notícias ao minuto
Créditos: Polêmica Paraíba