O juiz aponta o centro do gramado e apita com força. Final do primeiro tempo no Estádio do Canindé, em São Paulo. Mas para Bambam, meia do Volta Redonda, é fim de jogo. O corpo cobrou o esforço de passar 45 minutos correndo atrás da bola em plena tarde ensolarada de janeiro. Justo no ano que promete ser o mais quente já registrado.
Bambam chegou ao vestiário zonzo e mole. Enquanto o treinador explicava ao time como manter e, se possível, aumentar a vantagem de 1 a 0 sobre o Santo André, o meia estava entregue aos médicos. Colocado embaixo do chuveiro, tomou um banho frio seguido de um relaxante muscular. Depois, ordenaram descanso. De preferência, no banco de reservas para ficar mais perto da ambulância. Consequências de um jogo que começou às 15h em pleno verão paulista.
E para quem não conhece a referência, Bambam é o bebê com força descomunal que aparece no desenho Flintstones. Amparado pelo apelido e no auge dos 18 anos, o atleta está longe de ser considerado frágil fisicamente. Ainda assim, sentiu o jogo marcado para aqueles horários em que os médicos e as mães aconselham a não praticar atividade física.
“Eu pedi para sair porque não queria prejudicar o time jogando sem estar 100%”, explicou Bambam.
Cenas como esta não são exceção na Copa São Paulo de Futebol Júnior. As partidas que começam às 13h30 e 15h têm vários jogadores saindo de maca ou amparados por companheiros. Sem falar que os clubes jogam em média a cada três dias.
Se janeiro já é complicado, neste ano piorou porque especialistas dizem que é provável que o fenômeno El Niño esteja atuando no planeta tornando as temperaturas mais extremas. A cientista Samantha Stevenson, da Universidade da Califórnia (EUA), disse a Revista National Geographic que deve ser o ano mais quente da história.
São Paulo está dando razão a ela. A média histórica de temperatura na cidade em janeiro é de 28,2 graus, mas neste ano a média é de 30,6 graus. Somente no sábado os termômetros marcaram menos que os 28,2 graus da série histórica – foram 24 graus. Em compensação, na terça-feira foi registrada a maior temperatura deste verão na cidade, 34,1 graus.
Calor mudou estratégia do time
A frase é tão repetida que virou clichê, mas os comentaristas têm razão quando falam que marcar pressão cansa mais. O Volta Redonda aplicou esta estratégia nos dois primeiros jogos do time na Copinha. A equipe atuou quase 80% do tempo com marcação alta nas duas vezes que entrou em campo depois das 17h. No último confronto do Grupo 32, contra o Santo André, valia classificação e nem assim o índice chegou a 50%, contou o treinador Neto Colucci.
“Não conseguimos executar o nosso plano de jogo por causa do calor”, disse o técnico.
A situação não é novidade para os clubes e os elencos se preparam para as condições severas. João Hézio Moreira, gerente de futebol de Base do Volta Redonda, tratou de arranjar amistosos no horário. Iniciada a competição, reforçou os estoques de água e isotônico para a partida contra o Santo André.
“Em um jogo normal, os atletas consomem 20 litros de Gatorade e 40 litros de água. Desta vez, foi o dobro em tudo. Também encomendamos 30 pizzas e o dobro de carbo gel. Sem falar que priorizamos crioterapia (recuperação em água gelada) e descanso”.
O fisiologista Diego Leite de Barros, diretor da DLB assessoria esportiva, afirmou que nesta condição ocorre desidratação elevada por causa do esforço em temperaturas altas. O especialista declara que perdas de líquido que correspondam 2% do peso corporal ou mais levam a considerável queda do desempenho físico de um atleta.
Ele acrescenta que o condicionamento piora porque o tempo de recuperação é muito curto e não permite que o organismo se restabeleça. Diego declarou que o correto seria ter dois jogos por semana, bem distante da realidade da Copinha de jogo quase dia sim, dia não.
O fisiologista avalia que os mais prejudicados são os clubes com menos estrutura. O ideal é pesar cada atleta para saber qual foi a perda de peso e começar um trabalho individual de recuperação física. Algo que apenas os grandes clubes são capazes. No final das contas, o calor desequilibra a Copinha.
Arquibancada ruim de sentar
O calor é um aliado de Luis Fernandes do Carmo, 27 anos. Ele é vendedor de água e disse que já havia vendido 400 copinhos sendo que não havia este número de espectadores no estádio. Explicou que é normal as pessoas aderirem ao apelo de 3 copos por R$ 10.
O ambulante revelou que nas partidas das 13h30 e 15h comercializa 40% a mais do que em outros horários. Carlos Antonio Laço, 36 anos, é vendedor de picolés e também comemora lucros maiores. Conta que no estádio o preço sobe 50% e ainda assim sai todo o estoque.
“Lá fora é R$ 2 e aqui eu cobro R$ 3. E vende. Começo com uma caixa (de isopor) com 20 quilos de picolés. Antes do intervalo já foi a metade. Não sobra nem para o jogo que acontece depois”.
Não é de se estranhar o apelo destes produtos. A arquibancada do Estádio do Canindé estava tão quente que as pessoas longe da sombra viam a partida em pé. O cozinheiro João Batista Leandro estava na parte sem cobertura e ficou sentado o tempo de tomar um copo de 200 ml de água.
“Já tomei três (copos). Jogar às 3 horas (da tarde) é desumano. Fica difícil assistir, não consigo sentar porque parece que estou assando. Imagina jogar neste calor”.
Maria da Dores Melo, 79 anos, estava no estádio por causa do neto. Ela não liga para futebol, mas até acha legal o ambiente família da Copinha, algo que as cascas de amendoim e palitos de picolé atestam. Só não precisava ser tão quente.
“O calor não ajuda. Acho injusto com os jogadores”.
Os termômetros revelaram que Volta Redonda e Santo jogaram sob temperatura de 32 graus
Fonte: UOL
Créditos: UOL