Quando a quarentena acabar, o roteirista P.N., 28, que pede para não ser identificado por motivos que serão conhecidos a seguir, terá que
bloquear alguns contatos de sua lista no WhatsApp. “Acho que uns 40”, diz ele, brincando com a situação. “É tanta gente que combinei de fazer sexo que é melhor nem ver depois.”
Lá se vai quase um mês desde que ele transou com alguém, “apesar de não ter sido exatamente… bom”. A não ser, claro, que sexo virtual também conte. E, para ele, contou.
Desde 15 de março, ele passou a trabalhar em casa e só sai esporadicamentepara ir ao supermercado. Foi ali, nos primeiros dias, que as coisas pareciam que seriam mais fáceis e prazerosas no resguardo. “Estava excitado, não só no sentido sexual, mas com a situação nova”, diz.
Tanta excitação culminou em dias intensos de prazer bem real, apesar da O mesmo não pode dizer o barista Rafael Facury, 25. Apesar das regras e
recomendações, ele saiu nesta semana com uma moça que conheceu no
aplicativo Tinder.
Solteiro há pouco, a pandemia estaria atrapalhando sua vida sexual, não
fossem os “avançados recursos de telecomunicação”. “Tem o lado do ego, é
legal a pessoa querer te ver ou querer receber um nude, mas o negócio do
sexo virtual rola mesmo”, diz.
No app de paquera, Rafael conheceu algumas mulheres durante a
quarentena. Com umas saiu, com outras fez sexo virtual. “Conheci uma,
começamos a ‘trocar ideia’ e ela já me passou o WhatsApp.
No dia seguinte me chamou para ir na casa dela e já mandou uma foto
pelada. Meu Deus, coisa linda!”, diz. “Mas por enquanto foi só via celular.”
Até aí tudo bem, para Rafael e para o roteirista lá do início desta reportagem.
Acontece, porém, que aos poucos algumas coisas foram ficando mais claras
—o que está longe de significar que as conclusões deles sejam uma regra.
O ímpeto e o interesse de P.N. pelas relações sexuais online, hoje, após quase
um mês de quarentena, já não é o mesmo. “No começo fiz bastante, mas
agora não ando com saco para mais nada disso”, afirma. “Estou me
masturbando normalmente, mas só isso.”
Importante dizer que todos com quem ele transou pela internet ou pelo
celular eram de alguma forma conhecidos. “São caras que ou eu conheço ou
pelo menos sei quem são, tenho atração. Tem uma questão de segurança,
porque tem muita gente louca por aí”, diz.
A queda de interesse por esse tipo de sexo não se deve a uma lista de
conhecidos restrita, mas ao fato de que, em um determinado instante, para
ele, o esforço estava sendo maior do que o prazer obtido.
Para Rafael, a segurança também é um ponto a observar. “Às vezes, elas
pedem para a gente mandar [nudes], mas mando sem mostrar o rosto. Vai
saber onde a foto vai parar.”
A questão para ele recai mais sobre o afeto ou a falta dele. “Claro que é legal
ver uma pessoa diferente pelada, mas é muito melhor quando é alguém que
você conhece e tem uma relação, carinho.”
É exatamente o caso da estudante de psicologia M.A., 27. Após um namoro de
pouco mais de um ano, ela rompeu a relação há uma semana, bem no meio
da quarentena. Há poucos dias transou virtualmente com…seu agora exnamorado.
Ela conta que nunca foi muito entusiasta da prática, a não ser em ocasiões
em que a distância falou mais alto, como durante viagens dela ou do ex.
“Manter o contato é importante. Você não vai sentir o cheiro da pessoa, mas
vai compartilhar um momento íntimo”, afirma.
Entra nessa equação também a confiança no parceiro. Mas, mesmo assim,
ela diz, a mulher sempre está mais exposta às consequências de ter um nude
ou um vídeo vazado. “Um homem não perde o emprego quando isso
acontece. A mulher, sim”, diz.
Outro ex-namorado da jovem tem vídeos dela, feitos quando estavam juntos.
Apesar de conhcer e confiar no antigo companheiro, ela diz se sentir
insegura até hoje. “Não tem como ter confiança absoluta em um individuo
que faz parte de um problema estrutural maior: o machismo”, afirma.
Experiências como a dela mostram que o sexo pode até ser mais uma das
carências que saltam aos olhos durante um período de confinamento, mas é
o mais difícil de se lidar. “É a grande prova de fogo. Outras privações são mais
toleráveis, principalmente para os mais jovens”, diz o psicanalista Flávio
Carvalho Ferraz, professor do Instituto Sedes Sapientiae
Essa relação marcada pelo fator espaço embute em si algo que pode se
revelar um problema com o passar do tempo.
“Como há esse limite, podemos ver uma reação extrapolada após o final da
quarentena”, diz o psicanalista.
Para o psiquiatra e psicanalista Ricardo Biz, casos em que o sexo virtual é
uma forma de defesa podem causar problemas. “Toda defesa psicológica
chega uma hora que satura. E os sintomas podem vir das mais variadas
maneiras.”
Apesar das dificuldades, há quem consiga lidar com a abstinência e mesmo
assim começar um relacionamento em meio à quarentena. A administradora
de empresas, T.O., 23, conheceu seu “crush”, no Tinder, em meio à pandemia.
Desde então, há 15 dias, um faz parte da vida do outro. Até filmes assistem
juntos.
“Juntos” é força de expressão. Eles assistem separados, cada um em sua casa,
mas combinam de apertar o play no mesmo instante e não param de trocar
impressões sobre o filme no WhatsApp. O último foi, claro, um romântico:
“Como eu era antes de você” —sobre o relacionamento amoroso entre um
homem paraplégico e sua cuidadora.
“A gente tem se falado todos os dias. Como temos o gosto muito parecido,
sempre conversamos sobre músicas e filmes, um compartilha uma música
nova com o outro.”
A quarentena, para ela, que não gosta de fazer sexo virtual, impediu que
qualquer coisa mais quente acontecesse. Não por falta de vontade. “Com
certeza! Se a gente tivesse nessa intensidade ao vivo, já teria acontecido
alguma coisa.”
Sites de acompanhantes têm estampado anúncios citando os perigos da
pandemia do novo coronavírus e destacam profissionais disponíveis para
atendimento virtual.
Na última semana, o ministério lançou uma cartilha de prevenção ao novo
coronavírus voltada para a população LGBT. Uma das orientações do
material é que profissionais do sexo se adaptem para oferecer serviços
virtuais.
Programas que chegam a custar até R$ 500 a hora são oferecidos por R$ 200,
meia hora, em sua “versão digital”. Esses são os valores para quem se
interessar em fazer sexo com uma das acompanhante de um dos maiores
sites de São Paulo.
À Folha, uma mulher, de 28 anos, afirmou que o atendimento seria feito pelo
WhatsApp, mas ainda não tinha feito nenhum. Segundo ela, os programas
presenciais caíram mais de 80%, e essa foi a saída para tentar recuperar ao
menos parte de sua renda mensal, de cerca de R$ 15 mil.
No dia em que a reportagem entrou em contato, ela afirmou que havia feito
dois programas normais durante a semana e que virtualmente não havia
feito nenhum.
Desconfortável com o sexo online, ela prefere o sexo convencional e diz que,
apesar da pandemia, não iria parar com os atendimentos presenciais.
Se o sexo virtual parece levar vantagem em dias de pandemia, o pornógrafo e
produtor visual Jeffe Grochovs, 28, vê nisso uma oportunidade.
Fonte: Folha
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