Isso pode ter acontecido com você. Acontece comigo quase todo dia. E acontece com as celebridades que fazem uso das redes sociais — ou seja, todas. Aconteceu até, veja só, com um padre, essa profissão que costuma ser respeitada por todo mundo. Fabio de Melo fez um comentário sobre a liberação de Alexandre Nardoni para o dia dos pais. Realmente, a notícia soa irônica, já que ele está preso justamente por matar sua filha. Mas o fato é que depois desse tweet, choveu comentário ofensivo.
Nas palavras dele: “Desde ontem, quando expressei minha indignação sobre a “saidinha”, estou sendo acusado de justiceiro, desonesto, desinformado, canalha e outros nomes impublicáveis. Só reitero. Já atuei na pastoral carcerária. Sei sobre a necessidade da ressocialização dos presos. Eu apenas salientei sobre a justiça não ser capaz de preservar, para os que sofrem suas perdas, o simbolismo das datas, libertando os responsáveis pelas mortes de seus entes queridos. Só isso.”
De fato, você pode concordar ou não. Eu mesmo não tenho certeza do que acho sobre o assunto. Mas tenho certeza absoluta de que não o ofenderia caso discordasse. Não ofenderia ninguém, na verdade. Ofender é errado.
Ofender é errado
Escrever uma frase dessa faz esse texto parecer direcionado ao meu filho de dois anos. A ele digo coisas como: bater é errado, chamar de feio deixa as pessoas tristes. “Não pode, João, não pode”. A internet precisa ser educada como uma criança na primeira infância — e isso requer paciência.
As ofensas que eu vejo nas minhas redes, ignoro — faz parte da minha profissão lidar com o público e grande parte dele infelizmente parece estar na primeira infância. Mas Padre Fabio de Melo tem um agravante. As frases que ofenderiam qualquer pessoa podem agir nele, uma pessoa com histórico de depressão, de maneira violenta. Podem derrubar. E isso bateu de tal forma nessa sexta-feira que ele anunciou inclusive sair do Twitter, uma rede na qual era bem ativo. “Meus queridos, vou ficando por aqui. Tenho uma saúde emocional a ser cuidada. Sei o quanto já provei a solidão provocada pela depressão, pelo pânico. Tomar remédios só faz sentido quando evitamos os gatilhos dos desconfortos. Este lugar deixou de ser saudável pra mim. Obrigado!”
É maluco pensar que uma rede social seja um gatilho, mas quem vive na pele a violência dos comentaristas de internet consegue imaginar facilmente que isso seja realidade. Em Universa, no mês passado, estreamos uma campanha “Por que meu corpo te incomoda?” em que os comentários de internet eram lidos em voz alta para mulheres negras, gordas, trans, peludas, amamentando. Você pode ver os vídeos aqui embaixo desse post (Erika Januza e Sabrina Sato se juntaram à nossa campanha).
A intenção era provocar a reflexão em quem acha certo ofender desconhecidos na internet. O resultado? Não dá para saber exatamente, mas muitos dos comentários nesses mesmos vídeos eram ofensivos. Sim, dá trabalho educar pessoas na primeira infância. Parece que ninguém quer entender nada.
“Nunca tive dificuldade com as diferenças. Aliás, o meu ministério sempre foi exercido entre elas. Mas a dialética, um dos movimentos que nos permitem o acesso à verdade, vem gradativamente sendo substituída por acusações e julgamentos. O Twitter sempre foi um lugar de encontro. A Àgora dos nossos tempos. O ponto de reunião improváveis. Falei e fiquei amigo de quem não passaria na porta da minha igreja. Foi bom”, ele diz antes de abandonar a rede — temporariamente, esperam os fãs.
Tenho uma teoria de que usar rede social em 30 anos terá a mesma conotação de fumar no avião. Meu filho, já adulto, vai virar para uma idosa mãe e perguntar surpreso: “Mas por que você me fotografava tanto aos 2 anos de idade? Você não sabia que isso fazia mal? Mãe, por que você divulgava seu trabalho no Instagram? A humanidade não sabia que isso eleva a ansiedade?” Veremos o lixo eletrônico que amontoamos nas redes horrorizados, com a mesma expressão incrédula que vemos as imagens de adultos fumando no carro fechado, com bebês sem cinto no banco de trás.
Já falei isso quando Bruna Marquezine deixou o Instagram, repito agora que Fabio de Melo decidiu sair do Twitter: se está fazendo mal para você, o melhor mesmo é reconhecer e sair fora. Não é fácil, afinal, é um vício. Um vício meio idiota, é verdade, mas o cigarro também não é?
Já parei de fumar. Em alguns anos, quando meu filho olhar horrorizado para mim, espero estar totalmente livre da parte nocivas das redes sociais. Padre Fabio de Melo está certíssimo. Errados estão os adultos que não crescem nunca e acham que podem sair por aí ofendendo quem nunca viram.
Fonte: Universa
Créditos: Luciana Bugni