Por favor, Fernanda Torres, dedique o Oscar à dona Elizabeth Teixeira. Ela ainda está aqui, ela faz cem anos no próximo 13 de fevereiro, em uma festa em Sapé, na Paraíba.
Encarecidamente, Walter, Selton, Marcelo Rubens Paiva, Rodrigo (também Teixeira, como nossa bravíssima paraibana), lembrem-se dessa camponesa.
Sim, amigos, enquanto via a história de Eunice Paiva no cinema, me veio à mente, em uma fusão delirante e memoriosa, dona Elizabeth encenando — sob direção de Eduardo Coutinho — o drama da morte do próprio marido, no filme “Cabra marcado para morrer” (1984).
Um filme bom leva a outro idem. “Ainda estou aqui” nos fez rebobinar no juízo diversas fitas sobre o período da Ditadura. No que vi Eunice cruzar o olhar cúmplice e demorado com Elizabeth Teixeira, a professora paraibana que assumiu a luta de João Pedro, marido assassinado por militares e capangas do latifúndio do Nordeste, à beira do mar de cana.
O olhar de Eunice atravessa o claro-escuro da história e encontra o de Elizabeth. Juntas, avistam dona Elzita Santa Cruz, que pergunta: “Vocês viram Fernando, meu filho?”
Dona Elzita, pernambucana de Olinda, faleceu em 2019, aos 105 anos, ainda à procura do filho desaparecido, um militante estudantil, morto pela Ditadura, provavelmente em 1974.
Elizabeth e Eunice até ensaiam uma reposta, mas daí aparece uma mãe atrás da outra, uma legião de mães — pretas, brancas, indígenas — com a mesma pergunta sobre suas crias abatidas por generais ou guardas da esquina.
Filme bom faz a gente montar outro filme na cabeça. Como se fosse um sonho. E sonhos, como se sabe, são restos de cenas que ficaram de fora das obras dos cineastas mortos.
Caso de Eduardo Coutinho (1933–2014), que contou sobre Elizabeth Teixeira na obra-prima “Cabra marcado para morrer”, de 1984. Uma saga que começa pouco antes do Golpe de 1964 — depois da morte de João Pedro —, é interrompida pelo regime militar, e concluída nos anos 1980.
João Pedro era um ativista negro das Ligas Camponesas, movimento social em defesa dos sem-terra desde os anos 1950. Leitor refinado da Bíblia — de formação nos cultos da igreja Batista —, o agricultor juntava na sua oratória o sermão da Montanha e a cartilha política de tendência socialista.
Com 11 filhos, enfrentando a máxima miséria rural, Elizabeth sofreu todo tipo de violência por parte do poder militar, porém seguiu na defesa dos ideais da reforma agrária. Com o golpe de 1964, ela se viu obrigada a abandonar a causa e parte da família. Para escapar da morte, espalhou dez filhos nas casas de parentes e desapareceu da sua região. Fugiu apenas com o primogênito debaixo do braço.
A luta desta mulher marcada para viver será celebrada, de 13 a 15 de fevereiro, no Festival da Memória Camponesa, em Sapé, a 57 km de João Pessoa. O documentário está disponível em serviços de streaming. Vale demais da conta.
Por favor, totalmente indicada Fernanda & grande elenco de todo o cinema brasileiro, precisamos contar a história da professora Elizabeth. E lembrar sempre, no claro-escuro dessa hora, de todas as vidas contadas por Eduardo Coutinho.