Não, Parrá não morreu. Eu tenho certeza que ele apenas cansou de passar a perna na boa e velha morte. O último malandro do bem conseguia até disfarçar o peso da idade e mostrava uma leveza que sua vida nunca teve. Parrá, como todo malandro, segurava uma barra bem pesada. A primeira e maior de todas era sobreviver de arte na Paraíba e, como o maior seguidor de Jackson do Pandeiro, sabia dividir como seu mestre, pois dividia até o que não tinha, dividia até o que não era seu, como o estilo que pegou do Rei do Ritmo.
Severino Ramos de Oliveira nasceu no bairro do Róger e cresceu como lenda pela cidade velha. Era uma entidade fantástica que eu vi pela primeira vez numa apresentação no Colégio Pio X no início dos anos 1980 e me marcou pro resto da vida. A verve, a presença de palco, a ausência de cerimônias e uma ostentação de ritmo, formava aquela personalidade que tinha um pouco de João Grilo e a imponência de Durango Kid no caráter de Macunaíma. A elegância sutil de Bobô nunca seria páreo para a irreverência desconcertante de terno branco e suas tiradas de palhaço de pastoril. Como na vez que o tentaram assaltar alta madrugada no bambuzal da Lagoa e quando o meliante perguntou para aquela figura toda de branco, – O senhor não tem medo de andar por aqui uma hora dessas?, ele respondeu de pronto, -Quando eu era vivo tinha!
Parrá conhecia cada grão da Rua da Areia, acariciava cada face das mulheres de vida difícil e espalhou alegria por onde cantou e até nos contratos que não cumpriu, ele divertiu. Quantas lágrimas ele evitou nas cartas que não entregou e quantos amigos ele ajudou com as dívidas que nunca pagou. Agora Parrá está no panteão dos artistas que não foram reconhecidos em vida, mais um astro marginal que mesmo sem ter verniz de entidade celestial vai ficar lá em cima perto do Pai, se não for como anjo será como um “pindura” nosso com os seus e com Deus, nossa dívida eterna de gratidão.
Fonte: Marcelo Piancó
Créditos: Marcelo Piancó