OUTRO LADO: Whatsapp se nega a cumprir decisões judiciais e encobre informações sobre criminosos

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O bloqueio por mais de 12 horas do WhatsApp, aplicativo que reúne 100 milhões de usuários no Brasil, nesta quinta-feira (17) causou clamor nacional. Houve quem achasse a punição justa – uma empresa estrangeira não está acima das instituições de um estado. A maioria, porém, criticou a medida. Mesmo os que se mostraram a favor de uma punição ao Facebook, dono do aplicativo, consideram a determinação da justiça desproporcional. Um único caso não deveria prejudicar uma base de 100 milhões de usuários. Também abre um precedente para outras decisões que coloquem em risco a privacidade dos brasileiros e a liberdade de expressão.

Agora, um desembargador, felizmente, reverteu a decisão. Não vou discutir seus méritos. Não faltam textos elucidativos em sites e nas redes sociais. Mas vale falar um pouco da postura de Mark Zuckerberg e de seu Facebook em relação a casos assim. Se você não viu, Zuckerberg publicou um texto dramático em seu perfil na rede social com direito a trechos como “Estou chocado” e “Este é um dia triste para o país”.

De fato, o Brasil tem vivido dias tristes. Mas arriscaria dizer que o bloqueio temporário do WhatsApp é um problema bem menor diante de outras questões que o país enfrenta hoje. O bloqueio de uma ferramenta de comunicação que 100 milhões de usuários brasileiros aprenderam a amar tem a ver com a decisão esquisita da justiça sim, mas também tem a ver com a falta de transparência com que o Facebook atua no país.

O Facebook pagou um total de US$ 22 bilhões pelo WhatsApp. É quase o valor de mercado da Petrobras, que hoje vale US$ 27,4 bilhões. Ninguém paga tudo isso numa empresa sem ambições de conseguir cada vez mais usuários e gerar lucro. Numa publicação recente, Zuckerberg se vangloriou dos números de usuários do aplicativo. No texto publicado ontem, tomou partido de sua empresa. Mas toda a vez que o Facebook é indagado sobre o WhatsApp no país – seja por jornalistas, seja por autoridades – o discurso é o mesmo: o Facebook não é o responsável legal pelo WhatsApp. É uma empresa independente que não tem estrutura no Brasil.

Corrida de obstáculos

Como uma empresa que tem seu produto usado por 100 milhões de habitantes em um país não se responsabiliza por ele? Como que uma empresa que tem 100 milhões de usuários não tem um escritório, não tem responsável, não tem assessoria de imprensa que fala português? É muito fácil posar de dono injustiçado quando se “faz a egípcia” para determinações judiciais de um país.

Ao longo dos últimos anos, conversei com autoridades de diversas esferas no Brasil. Não tem uma que não reclame da dificuldade que o Facebook impõe a investigações. Não falo só de casos como o do membro do PCC envolvido em atividades como tráfico e latrocínio. Falo de investigações sobre crimes de racismo, sobre a pornografia de vingança, sobre a incitação ao ódio e mais um sem-número de situações em que a tecnologia é usada para facilitar crimes.

Eis o que diz o advogado Leonardo Serra de Almeida Pacheco em seu perfil na rede social. “Sabem o que o Facebook Brasil diz em todos os seus processos? Que eles não são donos do site Facebook. Que o Facebook é uma empresa que fica na Irlanda e que se alguém aqui no Brasil tiver que processar, terá que fazê-lo na Irlanda, pois o Facebook Brasil não tem nada a ver com isto”. Ele continua: “[O escritório] Tem nome de Facebook, tem cor de Facebook, tem cheiro de Facebook, tem sócios de Facebook, mas não é… Facebook. Parece escárnio. E é”.

Pacheco também dá um exemplo prático do que pode acontecer: “Temos um processo judicial de uma garota, vítima de pornografia de vingança. A garota, mesmo com todo o sofrimento, resolve buscar justiça. E resolve identificar quem é o estúpido criminoso que divulgou fotos e vídeos íntimos seus na internet. Ela pede ao Juiz e o juiz determina: Facebook, você que é o dono do WhatsApp, me dê o IP de quem mandou essa mensagem. E o Facebook ignora o que o juiz determinou. Juiz endurece: Facebook, me entregue os dados ou pague uma multa de R$ 4 milhões. O que o Facebook faz? Ignora”.

O WhatsApp, por meio de sua assessoria internacional, enviou um comunicado em inglês para os jornalistas brasileiros que fizeram pedidos de entrevistas: “Estamos desapontados que um juiz puniu 100 milhões de pessoas no Brasil porque nós não conseguimos entregar informações das quais não possuímos. Porta voz do WhatsApp”. And that’s it!

Mais transparência

A contribuição de Zuckerberg para o mundo é inegável. Ele construiu a mais poderosa e completa ferramenta de comunicação já produzida pela humanidade. Comprou o WhatsApp, uma forma extremamente simples e ágil de trocar mensagens. Mas a impressão que dá é que em vez de investir parte dos US$ 4,5 bilhões que fatura a cada trimestre na melhoria de seus processos e aumento de transparência, o Facebook prefere se armar do melhor corpo de advogados do mundo em busca de brechas legais que o livre de punições. Quando elas ocorrem, como o nosso polêmico bloqueio de 12 horas, seu presidente e fundador vai a público se posicionar como vítima e defensor da privacidade de seus usuários.

Depositamos a nossa confiança em seus produtos. Entregamos nossos dados, abrimos mão de nossa privacidade, tudo em troca de aplicativos que se tornaram indispensáveis em nossas vidas. Nessa relação, transparência entre todas as partes é fundamental. E a história recente mostra que a rede social não tem se esforçado muito neste sentido. Nós é que deveríamos estar chocados com a postura do Facebook.

 

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