O festival teve a sua primeira noite de aplausos prolongados e consagração de um filme. Foi com o longa Pacarrete, de Alan Deberton, do Ceará. A personagem-título é interpretada por uma Marcélia Cartaxo em estado de graça, desde já uma das favoritas ao Kikito de melhor atriz. Ela interpreta uma bailarina envelhecida, perdida numa comunidade que não compreende sua sensibilidade. Pacarrete (corruptela do francês Pâquerette) reage às vezes como louca, outras como dona de uma lucidez acima dos demais.
O diretor Deberton disse que Pacarrete foi uma personagem real de sua cidade, Russas, no interior do Ceará. Era a “louquinha” da cidade, aquele tipo de bode expiatório sobre o qual a população costuma projetar suas mazelas e piores instintos. No entanto, Pacarrete era um tipo fora da curva. Uma mulher sofisticada, de bom gosto musical, que havia sido professora e bailarina.
Em Pacarrete, Marcélia é um pouco como a ingênua Macabéa, vivida por ela mesma em A Hora da Estrela, tem um tanto da fragilidade de uma Giulietta Masina em A Estrada da Vida, e outro tanto da loucura de Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses. O filme todo respira esse mix de influências e referências, mas jamais se escraviza a elas. Constrói um todo orgânico, no qual brilha um elenco feminino muito afinado, que gravita em torno de Marcélia – são as também paraibanas Zezita Matos, que interpreta a irmã mais velha de Pacarrete, e Soia Lira, a empregada da casa.
Na história, Pacarrete veio de Fortaleza para cuidar da irmã que ficou inválida. Frustra-se ao ver recusada sua proposta de encenar um balé na festa de 200 anos de fundação da cidade. A secretária de cultura tenta explicar a ela que balé clássico não casa lá muito bem com o forró previsto para a comemoração popular.
O filme trabalha em vários registros e vai do cômico ao dramático. Tensiona a interpretação da protagonista até levá-la próxima ao abismo do caricato. Mas não cai jamais. Apenas a torna ainda mais comovente.
A gente deve agradecer aos filmes que nos fazem rir. E também aos que nos fazem chorar. E devemos agradecer duplamente os que nos fazem rir e chorar. É o caso de Pacarrete.
Latino
Despertar das Formigas, de Antonella Sudasassi Furnis é o concorrente da Costa Rica na mostra de filmes estrangeiros.
Isabella (Daniella Valenciano) é uma mãe de família, tem problemas de dinheiro, costura para fora e sustenta as duas filhas. Desespera-se quando o marido (Leynar Gomez, de Narcos) manifesta o desejo de ter mais um filho. O filme é delicadamente feminista. Faz parte de uma trilogia sobre a mulher, em três fases de idade diferentes. Na infância, na fase adulta e na velhice, sobretudo na questão da sexualidade na terceira idade. O despertar das formigas é alusão ao inseto que trabalha coletivamente. “As pequenas conquistas são a verdadeira revolução”, diz a diretor Antonella.
Fonte: Estadão
Créditos: Luiz Zanin Oricchio