Um dos maiores nomes do hip hop americano, Snoop Dogg rompeu com uma característica quase unânime das músicas do gênero: o machismo. Em entrevista à Sky News, no último sábado, o rapper garantiu que não usará mais palavras ofensivas, como “bitch” ou “whore” (“vadia”, na tradução livre para o português), para se referir a mulheres. No Brasil, a iniciativa parece ter sido vista com bons olhos.
– Graças a Deus. Achei legal a atitude dele. Isso tem que ser usado como exemplo, copiado por todo mundo, ainda mais no funk. As mulheres têm o direito de ser o que elas quiserem, de prostituta a presidente, e têm que ser respeitadas por isso – diz Mr. Catra, funkeiro conhecido por suas letras sexuais, por ter dezenas de filhos e por manter pelo menos cinco esposas simultaneamente.
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Snoop Dogg já teve problemas por suas letras. Em 2007, a apresentadora Oprah Winfrey o chamou de “misógino” (pessoa que tem ódio do gênero feminino). É que o rapper tem um vasto catálogo de ofensas a mulheres, como na música Bitches Ain’t Shit, parceria com Dr. Dre, por exemplo. Aparentemente, a coisa mudou na produção de Bush, seu disco mais recente – segundo ele, o produtor Pharell Williams o “desafiou” a mudar as letras que usavam palavras desrespeitosas, já que, “agora ele tem até uma filha”.
– A cultura hip hop, no Brasil, sempre foi bem diferente dos Estados Unidos. Esse teor americano de ostentação e ofensa à mulher se enquadra no funk. E as pessoas que ouvem se acostumam, acham normal. Por isso, é bem importante esse posicionamento do Snoop Dogg, que é uma das maiores referências do rap mundial. A partir do momento em que ele fala algo desse tipo, as coisas vão mudando – avalia o rapper Baze, do Da Guedes.
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Em terra brasilis, a comparação com os Estados Unidos não é direta. Como Baze, outros artistas avaliam que, por ser extremamente popular naquele país, o ritmo acaba se expandindo para ambientes mais diversos do que no Brasil – festas, por exemplo. Por aqui, o hip hop funciona muito mais como música de protesto e crônica do cotidiano da periferia do que como hit em rádios jovens. Até por isso, o paralelo de Snoop Dogg no Brasil seja os funkeiros, como Mr. Catra. Aqui, diz o próprio, essa conscientização “está rolando involuntariamente”:
– A rapazeada do rap fala de mulher com muito mais carinho e respeito por aqui – garante Catra.
Rico Dalasam, um dos primeiros rappers brasileiros a levar o tema da homossexualidade para as músicas, acha que há uma mudança de cultura geral que acaba se refletindo nas letras de música. Falar de mulheres – bem como de homossexuais – de uma maneira pejorativa não é mais aceito, graças a uma “avalanche de nova cultura”.
– Não sei se isso muda de fato o pensamento das pessoas, mas ter uma atitude pública machista, homofóbica, hoje em dia, mostra que você ficou para trás e não está apto a viver no dia de hoje e no de amanhã. E todo mundo quer ser avant-garde, ninguém quer ficar para trás, porque não vende. Se você quer ter público, tem que agregar. Ainda há muito a se fazer, mas você já ter isso atingindo a cultura de uma região, a ponto de as pessoas terem que vestir uma máscara, que seja, já é positivo – avalia Dalasam.
Por: Gustavo Foster do Zero Hora