Campina Grande tem para mim um significado profundo, inusitado para alguns, mas formador de um dominante estado de consciência na minha vida. Vou ser franco mesmo. Sou mais campinense roxo do que Cleidson Tejo e Agnelo Amorim. Quando chego lá eu sinto. Estou em casa. Seria influência do grandiloquente condoreiro Orlando Tejo, das calçadas da Maciel Pinheiro ─ o lazer da época ─ ou “campinismo” mesmo, como zombam os despeitados do litoral?
Para mim, entre outras cidades Campina é maior e melhor, dada a sua localização histórico-geográfica num vasto mundo novo que não ignora as conquistas do velho; privilegiada pela sua população contemplada com o tempero de origens em todos os continentes, honestamente, humanamente vivenciadas; possuidora de nomeada na expressão dos seus heróis do trabalho, dos seus artífices e filósofos construtores dos monumentos do conhecimento humano, feitos de pedra e de idéias. Pouco? O mundo inteiro, toda a vida social conhecida abriga-se nessas condições circuns-tanciais, nessas teses evidenciadas. É a Campina de Ronaldo que se ergue, distanciando-se inalcançável, inimitável.
Passado algum tempo sempre volto a Campina onde fui aluno do colégio de Padre Emídio, o lembrado Pio XI dos anos Cinqüenta. Não volto para o impossível reencontro boêmio com Eduardo Ramires, Deodato Borges, Perico, Palmeiras Guimarães, mais e mais poetas, e o incomparável vate e poliglota Oinotna Sevla Searom (anagrama de Antonio Alves Moraes, ─ como ele gostava e se assinava) garçom do “Ponto Chic”.
Algum tempo depois, na busca do aprendizado da língua e do falar nipônicos ─ refiro-me ao vate poliglota, ─ ele foi estagiário sem remuneração nos navios de pesca japoneses, fundeados no porto de Cabedelo, e por fim, burocrata civil de uma repartição militar. Está aí o modelo sem sorte de um poeta que viveu de reboladas grande parte de sua vida. E o que é pior, ignorado pela cultura oficial que lhe tem negado qualquer referência. Faz-se necessário que outro Orlando o faça real e verdadeiro, como outro o fez com Zé Limeira. No caso o atinado Gonzaga Rodrigues, seu colega de quarto, que ouvi declamar em tupi, numa mesa do Café São Braz, os versos de Gonçalves Dias “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá…” vertidos para o idioma índio pelo comentado bardo.
Para explicar Ronaldo, recorro a aspectos da imagem deste poeta que falava lia e traduzia alemão, espanhol, inglês, francês, latim, italiano, grego, também esperanto e tupi que lecionava gratuitamente (tudo aprendido em Campina), sem atentar para a tragédia pessoal do amanuense Policarpo Quaresma que sofreu e desapareceu nos desvãos do destino e da vida ─ uma criação de fato imortal do nosso Lima Barreto. Desafio personalidade alhures, no mundo que se equipare a Oinotna. Falou-me um amigo que ele faleceu em conseqüência de espancamento, sofrido em luta desigual, disputando com altivez e coragem o amor de uma dama numa das agitadas ruas da periferia local.Poetas, historiadores, romancistas, estadistas. Toynbee, Proust, Confúcio, Hitler, Onassis, Rockfeller, Robin Hood, tivemos os nossos. Apenas os nomes diferem, repito, tanto dos escritores como dos personagens, humanos sempre. Consultem Dinoá com seus retratos ao vivo, Josué Sylvestre com as suas revelações biográficas interpretativas, Epitácio Soares e Elpídio de Almeida com as suas fontes e o seu estilo paroquiais, e tantos e tantos, e lá encontrarão os generais, os capitães de negócios, foliculários e tratadistas eruditos, que viveram ou vivem ainda em Campina. Vejo e sinto no que digo verdades verdadeiras, constatadas irretorquivelmente. E Ronaldo as encarna multifacetariamente.
Não dá para falar isoladamente de pessoas na construção dos mitos que Campina propiciou, numa caracterização do sonho grego de uma civi-lização universal que se tornou única e insuperável. Tratemos de famílias e de tipos, de indústrias, no sentido de destreza, engenho e arte, que a notabilizaram, campinense na essência, enfim..
Conhecemos os Lauritzen, Figueiredo, Almeida, Cabral, Gaudêncio, Habib, Chabo, Procópio, Luna, Tejo, Cunha Lima, Asfora, Barreto, Rique, Amorim, Celino, Mota, Agra, do Ó, Hamad, Wanderley, Luna, Dantas, Rego, Pinto, Soares, Afonso Campos, e outros e outros, e os tipos e as personalidades inconfundíveis de Ataliba Arruda, Otávio Amorim, Pinta Cega, Zeca Chabo, Zefa Tributino, Nathanael Belo, Moacir Tié, Paizinho, Dona Irene, Fausto Alfaiate, Maciel Malheiro, Oliveiros Oliveira, Soares, Seu Muniz, Moço Amorim, Antonio Bioca, Nereu do Cartório, Giseuda Moreira, dr. Zé Arruda e Manoel Pé de Rotor, as rádio Cariri, Borborema e Caturité e tantos e tantos, ah! Imperdoáveis omissões. No tocante à ideologias e proselitismo, tivemos o comunista Peba que nunca esteve em Moscou em oposição a um empresário Barreto que falava inglês e morou nos Estados Unidos. Paremos no começo.
Sousa, janeiro de 2006
(Trecho de um breve ensaio: RONALDO CUNHA LIMA, POETA DE SALA E QUARTO)
https://www.youtube.com/watch?v=4pLfTcmMevI
Fonte: facebook
Créditos: Eilzo Matos