‘Natural’ foi a palavra utilizada pela professora Milene Ferraro para descrever a sensação de pegar a filhinha de quatro anos se masturbando. A pequena Aline se esfregava no braço do sofá quando a mãe a encontrou. Sim, pode parecer estranho dizer isso de uma garotinha, mas o termo é aceito e usado por psicólogos infantis e ginecologistas. “Faz parte da sexualidade no sentido amplo e educacional, não do erotizado”, explica a ginecologista e obstetra Renata Menezes.
“Disse que era feio e me arrependo”
“Eu sabia que era natural, mas precisava dizer que ela não podia fazer isso na frente das pessoas. A primeira coisa que me ocorreu foi perguntar o que estava acontecendo. Ela me disse que estava imitando a amiga da escola, que costumava fazer isso em casa”, conta Milene.
“Eu falei que aquilo era ‘feio’ e que ela não podia imitar”, diz a mãe que, hoje, 20 anos depois do ocorrido, garante ter se arrependido por recriminar a filha.
“Eu me arrependo de ter usado a palavra ‘feio’ para classificar o que ela fazia. Hoje, faria diferente. Tentaria dizer que ela podia guardar aquele momento íntimo para ela; que talvez, se sentisse melhor assim”, diz Milene.
Milene é professora de educação infantil e diz que reações como a que teve com a filha podem causar inseguranças no desenvolvimento sexual futuro das mulheres. “Com a minha filha isso não aconteceu; mas pelo que vejo e estudo, essa é uma ocorrência comum.”
Para Aline, que hoje tem 24 anos e é arquiteta, o tema sexualidade sempre foi tratado com bastante razoabilidade em casa. “Conversamos desde que eu era criança. Minha mãe me falava dos riscos e de prevenção, mas nunca proibiu nada”, diz a arquiteta que, aos nove anos, ganhou da mãe um livro sobre sexo. “Foi a forma que encontrei de introduzir o assunto, com alguma profundidade”, conta Milene.
Masturbação infantil tem caráter educativo; não, erótico
A ginecologista Renata Menezes afirma que livros podem ser uma forma tranquila e didática de apresentar o tema da sexualidade para as crianças. Segundo ela, a masturbação infantil é natural e não pode ser proibida. “A criança está se conhecendo, entendendo as sensações. É importante que ela tenha esse autoconhecimento. É como comer um chocolate pela primeira vez: ela vai ver que é gostoso. Tocar certas regiões do corpo vai dar uma sensação interessante, e tudo bem a menina saber disso”, diz a especialista.
Segundo Renata, a sexualidade começa a se manifestar a partir dos quatro anos — quando a criança deixa de conviver apenas com a mãe e passa a socializar, principalmente, com outras crianças. É com essa idade que o tema sexo deve ser inserido nas conversas em casa, respeitando as limitações das crianças. “Até por uma medida de prevenção contra violência e pedofilia, é importante que a criança receba orientações sobre como agir em relação ao próprio corpo. É preciso que os pais ensinem quais são os toques do bem e quais são os toques do mal; que qualquer contato com o corpo dela sem que ela permita não é legal. Sempre que ela se sentir envergonhada ou coagida com a aproximação de alguém, precisa se sentir confortável para expor isso aos pais”.
Higiene e cuidados
Higiene e cuidados são dois outros pontos importantes a serem tratados quando você, mãe ou pai, perceber que que sua filha começou a se tocar. Recomende que ela sempre lave a mão antes e depois de brincar com a vagina, para evitar que bactérias se proliferem. É preciso que os pais fiquem atentos à possibilidade de a menina enfiar algum objeto na vagina, o que pode machucar.
“Lia quadrinhos de sexo e reproduzia as imagens com uma amiga”
A analista de T.I Catarina Saraiva, de 28 anos, descobriu a sexualidade cedo. Aos cinco anos, ela ficou amiga do chuveirinho. “Eu e algumas primas da minha idade apontávamos o jato do chuveirinho para a vagina uma da outra. Ficávamos horas no banho conhecendo nossos corpos. A gente sabia que tinha algo gostoso e proibido naquilo. Era escondido e divertido”, conta a jovem.
O primeiro orgasmo de Catarina aconteceu aos 12 anos, sozinha, com os próprios dedos. Só que, antes disso, aos nove anos, ela teve contato com um corpo que não era o dela. “Eu e uma vizinha líamos revistinhas, quadrinhos pornôs escondidas em um quarto. Ela tinha irmãos mais velhos e já sabia como funcionavam algumas coisas. Abríamos os quadrinhos e reproduzíamos as imagens. Nos beijávamos, tocávamos, lambíamos. Aquela lambidinha de gato, sabe?”.
Pura diversão
A vizinha de Catarina era dois anos mais velha que ela. “A gente se amassava e achava gostoso. Eu não pensava que podia ser gay, nem mesmo bi, não sabia o que era isso. Para mim, eu só estava me divertindo. Qual era o problema?”.
Quando a jovem completou 15 anos, a mãe marcou a primeira consulta ao ginecologista. “Foi quando ela começou a falar comigo sobre sexo e sexualidade. Ela não imaginava que eu já sabia tanto. Perguntou se eu era virgem e eu respondi: ‘Claro, né, mãe!?”.
“Perdi a “virgindade” com um roll-on”
Catarina descobriu a penetração com um desodorante roll-on, antes de ter tido relações sexuais com um homem. “Eu tinha 15 anos e sempre fui muito curiosa. Coloquei o desodorante na vagina e tive um orgasmo. Pode acreditar, foi bem melhor que minha primeira vez com um cara”.
Para ela, iniciar a sexualidade ainda muito nova só trouxe benefícios. “Sempre lidei muito bem com meu corpo e com meu prazer. Entendia meus limites, experimentei de tudo. Amadureci rápido e, para mim, isso não foi ruim”.
Como liberar a masturbação sem avançar nos limites de cada criança
Para a psicóloga e terapeuta familiar Marina Vasconcellos, iniciar a sexualidade cedo traz consequências diferentes para cada mulher. “Não há uma regra. Para algumas, é bom, como é o caso da Catarina. Já para outras, amadurecer sexualmente muito cedo pode gerar traumas. Por isso, é importante respeitar a sexualidade do filho, mas não estimular”, disse.
Há uma linha tênue entre a liberação e o incentivo. Segundo a especialista, expor a criança a situações erotizadas muito cedo faz com que a sexualização aflore mais rápido. “Evite deixar que a criança assista a séries ou novelas que contenham muitas cenas de sexo, mesmo que implícitas e tente não falar de forma maliciosa com outras pessoas se ela estiver por perto. Apesar de entender que nudez e erotismo são coisas diferentes, também sugiro que os pais não andem nus perto dos filhos se perceberem que eles ficam incomodados”.
Mãe, pai: tá tudo bem
Não há nada de errado na masturbação infantil. Para as crianças, é só um carinho que elas fazem nelas mesmas. E tudo bem. “Os pais precisam entender que, para a criança, isso não é uma sexualização, mas, sim uma descoberta do corpo. Se for visto com naturalidade, tudo fica bem. O que não pode é brigar, dizer que é errado. Só é necessário explicar que é um momento íntimo, e que não precisa acontecer perto de outras pessoas”, diz a especialista.
Segundo ela, se houver bronca e repressão, na vida adulta, a mulher pode ter diversos problemas relacionados à sexualidade. “Ela vai crescer achando que o tesão é algo repulsivo e feio. Não pode ser assim, o sexo tem que fazer parte da vida de uma mulher, é fisiológico. Por isso, é só esperar que a sexualidade ocorra na hora certa, sem reprimir nem incentivar o desenvolvimento precoce”.
Fonte: UOL
Créditos: UOL