Maria Gadú será uma das personalidades – entre artistas, ativistas e lideranças indígenas – na live SOS Rainforest neste domingo (21), às 16h, nos canais do YouTube e TikTok da organização criada por Sting há 30 anos.
O evento da Fundação Rainforest será em apoio à luta dos povos indígenas contra a Covid-19 e a destruição das florestas tropicais na África, Ásia e América do Sul.
O trecho de Gadú na live será gravado, assim como o de muitos outros participantes. A transmissão ainda terá participação de Sting, Maná, Caetano Veloso, Gisele Bündchen, Stephen Fry, Sandy, Melim, Manu Gavassi, Zeca Baleiro e outros.
Em entrevista ao G1, além de dar detalhes sobre o projeto, a cantora e ativista também explicou sua declaração durante uma participação em um programa de uma TV portuguesa, em 2019, na qual disse que “iria parar de fazer música”.
“Na verdade, foi que eu ia parar por um período de fazer show, não de fazer música. Não tem como eu parar de fazer música. Mas eu venho estudando antropologia e história do Brasil há alguns anos e senti essa necessidade de dar essa pausa em fazer shows.”
Ela também falou sobre as lives que estão sendo transmitidas ao longo da quarentena e comentou o fato de as transmissões internacionais terem uma pegada mais sóbrias do que as brasileiras.
“Acho que generalizar, no Brasil, nunca é uma boa ideia, porque a gente é muito pluralizado. Acho que os sertanejos não carregam a bandeira do Brasil sozinhos.”
G1 – Você é defensora dos povos indígenas e do meio ambiente, usando bastante suas redes sociais para debater o tema. Participar dessa live amplia ainda mais sua voz para ajudar nestas campanhas?
Maria Gadú – Eu não consigo me ver como um campo unitário. Eu acho que a minha voz é um complexo de vozes. Quando falo, não falo só por mim. Sempre replico informações, pensamentos e conhecimento dos próprios povos indígenas. Quando a gente amplifica no coletivo, que é o intuito da live, o que está sendo amplificado não são as vozes unitárias, e sim, a causa: a proteção do meio ambiente e dar as mãos aos povos indígenas, que é super prioritário.
G1 – Como serão feitas as transmissões do SOS Rainforest?
Maria Gadú – São muitos artistas e do mundo inteiro, principalmente desse cinturão das florestas tropicais. Como a gente tem esse gap de internet no mundo que a gente está vivendo, esse super trânsito internético, não seria possível fazer isso ao vivo literalmente com todo mundo. E cada um num fuso também. Então muitas das coisas estão sendo pré-gravadas.
G1 – Você falou sobre ter 50 artistas. E a live vai ter três horas de duração. A gente tem visto aí lives de um único artista com três, 4, 5 horas de duração…
Maria Gadú – O lance é dar esse “quê” de coletividade e de que essa causa é de todos nós. Por isso essa quantidade pluralizada de pessoas completamente diferentes. Tem o Sting, que também é um ativista ambiental há muitos anos, o Caetano [Veloso], que é um ativista multidimensionado, a Iza, que é uma menina símbolo de uma diáspora negra, Sonia Guajajara, que é uma das maiores lideranças indígenas do mundo. Como é que a gente faz isso tudo se pertencer sem ficar cansativo, né?
G1 – A sua parte será gravada ou vivo?
Maria Gadú – A minha parte já fiz, vou cantar canções e apresentar alguns artistas. Não vou conseguir entrar ao vivo porque a internet aqui também não está muito boa. A live é pesada, com muito conteúdo. Questões técnicas…. Mas estou nessa parte da curadoria, que me chamaram, falando com esses artistas. Estou trabalhando “full time”.
G1 – Na quarentena, as lives brasileira têm tido uma pegada mais ‘festeira’, enquanto no resto no mundo, elas parecem mais sóbrias. O seu trecho na live terá qual perfil? E o que acha sobre essa diferença?
Maria Gadú – Acho que não dá pra generalizar. Tenho visto algumas lives de diversos segmentos diferentes e acho que cada segmento cria seu próprio ambiente. Tem esse lance de, de repente, ter ficado estigmatizado a live assim por conta da quantidade, do quão popular, grande, ficam as lives sertanejas. E acho que isso não estigmatiza todos os outros artistas do Brasil.
Tenho acompanhado as lives do Sesc, as lives que as pessoas estão fazendo por si só. E eu acho que generalizar no Brasil nunca é uma boa ideia, porque a gente é muito pluralizado. Acho que os sertanejos não carregam a bandeira do Brasil sozinhos.
“Eu venho particularmente de outro segmento. Não tenho nem estrutura nem vontade pra fazer uma live daquele tamanho, acho que não faz muito meu tipo. Como não faz de muitas pessoas que dividem do mesmo segmento que eu.”
Mas isso não quer dizer que estou falando mal ou bem, só que são coisas diferentes e acho que isso não deve abrigar todo esse momento musical brasileiro.
Maria Gadú — Foto: Marcos Hermes/Divulgação
G1 – No ano passado, você comentou que ia parar de fazer música. E um dos argumentos era de que você queria fazer música em outros formatos. Primeiro queria perguntar sobre essa questão de você parar de fazer música e, também, saber se esse estudo sobre outros formatos tem te ajudado, em um momento em que a cultura precisou se reinventar para enfrentar esse período de pandemia.
Maria Gadú – Na verdade, o que eu disse… isso ficou por um tempo tão falacioso, que eu nem me pronunciei, porque eu achei muito louco. Na verdade, foi que eu ia parar por um período de fazer show, não de fazer música. Não tem como parar de fazer música. Não pra mim, acho que é uma coisa muito intrínseca.
Mas eu venho estudando antropologia e história do Brasil há alguns anos e senti essa necessidade de dar essa pausa de fazer shows, porque fazer shows é uma coisa que demanda muito, é dispendiosa de tempo, a gente se locomove, e tal. E esse tipo de estudo é um estudo que demanda muito tempo também.
Eu me considero uma pessoa jovem, acredito no livre arbítrio também, e deu essa vontade de me dedicar esse tempo pra estudar essa história indígena do Brasil até pra conseguir somar mais nessa luta que eu acredito.
“Não que eu deixasse de fazer música. Entre isso, eu gravei dois discos que ainda não saíram e tudo mais.”
E sobre esse formato de fazer show, também tomei essa decisão pra repensar tudo isso, que como você disse, está todo mundo tendo que repensar. É quase que obrigatoriamente pelo momento, mas é porque eu vinha achando o mercado muito sobrecarregado.
E eu me sentia sobrecarregada sobre o volume de informações, então preferi dar uma silenciada até pra entender o que estava acontecendo com esse volume todo e esses shows com ingresso caro, e isso virar um veículo de consumo mesmo. Acho que a arte é um veículo de muitas outras coisas. E aí resolvi dar esse silêncio. Tem gente que brinca: ‘nossa, você prenunciou…’
G1: Eu ia falar isso, saiu na frente. Já estava preparada…
Maria Gadú: De alguma forma, sim. não propositalmente, porque nunca imaginei que isso fosse acontecer. Imaginar, até posso dizer que não. Porque a gente que está envolvido nas causas ambientais, vem discutindo isso através de pronunciamentos de ativistas ambientais de que coisas como essa estavam muito próximas de acontecer. Mas não foi por causa disso.
G1: Mas muita gente ficou/está um pouco assustada sobre o que fazer, como seguir. Você, de certa forma, estava um pouco preparada, pelo menos psicologicamente…
Maria Gadú: Talvez psicologicamente, nesse lugar, sim. Mas acho que preparado ninguém estava. Eu também não tomei essa decisão de não fazer shows para ficar em casa. Tinha uma série de programações de viagens em prol desses estudos, em prol de projetos que a gente está construindo pra falar sobre isso aliado aos povos indígenas, e que foram cancelados.
Então essa frase faz sentido só no lance do show, apesar de eu também ter tido shows cancelados. Eu tinha shows marcados até o meio do ano. Mas tudo foi cancelado.
G1 – Como você vê esse cenário? Você está otimista nessa questão? Acha que ainda este ano poderemos ter eventos grandes acontecendo?
Maria Gadú – Eu fico com muito medo de tentar fazer uma previsão até porque os números não abaixam de mortos. A gente está lidando com a perda de muitas lideranças, inclusive indígenas que são os povos que ficam vulnerabilizados por uma pandemia. É um caos generalizado.
Eu particularmente não consigo entender essa positividade, nem tampouco negatividade, porque acho muito ruim. Mas a gente que ficou mês a mês com esperança e está vendo que as coisas não mudam, eu não sei se isso vai mudar.
Eu moro no centro de São Paulo, e com os números aumentando, a gente vê o funcionamento da cidade voltando numa velocidade surreal. Eu não sei onde isso vai dar. Eu fico com bastante medo. Eu não estou agendando nada pra outubro. Meu pensamento é: a gente consegue se movimentar quando houver uma estabilidade de segurança e a gente não tem isso, então não consigo fazer planos.
Fonte: G1
Créditos: G1