Opinião

Liberdade contemporânea e apropriação cultural: Uma questão histórica - Por Saulo Oliveira

Debate sobre apropriação cultural voltou a tona nas mídias sociais

moca-turbante-2 moca-turbanteEsta semana viralizou pelas mídias digitais, principalmente na rede Facebook, a história de uma mulher branca, a Thuane Cordeiro, que disse ter sido questionada por uma mulher negra o porquê dela está usando um turbante e que esse ato se trata de uma apropriação cultural. Acontece que a Thuane passa por um processo de queda de cabelos, efeitos do tratamento contra um câncer. Discussão posta na Internet, polêmica gerada.

Falar sobre apropriação cultural num país como o Brasil é sempre complicado, pois apesar de popularmente muitos alegarem que somos misturados ou mestiços, poucos são aqueles que se afirmam negros – uma parte prefere se dizer “moreno” ou “moreno qualquer-coisa” em vez de negro, consequência de um racismo ainda atual, ou mesmo, não assumem que tem determinados privilégios diante outros por possuírem uma estética branca e/ou caucasiana.

Entretanto, a problemática da apropriação cultural não passa apenas sobre a questão da etnia/raça, mas sobre a moda, religião, música, costumes e diversos outros espectros sociais. Enfim, onde a mão do capitalismo alcança nós temos (sérios) problemas.

Primeiramente, precisamos entender que na sociedade temos grupos que são historicamente opressores e grupos que são historicamente oprimidos, a exemplo da dualidade homens – mulheres, brancos – negros, ricos – pobres, cristãos (independente do seguimento) – outras religiões, grandes empresários – trabalhadores. Nesse sentido, claramente, podemos atribuir um maior poder para aqueles que são opressores e uma determinada fragilidade para aqueles que são oprimidos. Dessa maneira, o processo de apropriação cultural ocorre em ambos os sentidos, porém, não é dotado do mesmo impacto e significância.

Estabelecida essa pequena introdução, precisamos entender que apropriação cultural “esvazia de sentido uma cultura com o propósito de mercantilização ao mesmo tempo em que exclui e invisibiliza quem produz.”, nos diz Djamila Ribeiro. Quando um grupo opressor incorpora elementos da cultura de um grupo oprimido, ele reelabora seus sentidos e possivelmente também as suas histórias, a exemplo da religião católica que séculos atrás incorporou diversas festividades de outras religiões à sua própria cultura, a fim de facilitar a transição e/ou assimilação de outros povos à sua religiosidade. Também podemos citar o processo de alfabetização dos colonizadores sobre os colonizados, utilizando exemplos da realidade do oprimido para facilitar o entendimento, fazendo com que esses muitas vezes perdessem sua própria língua para assimilar a língua do povo dominador.

Levando em consideração os exemplos citados acima, quais chances tinham os grupos oprimidos diante dos grupos opressores? Assim, quando o processo de apropriação cultural ocorre na via contrária, isso é, de um grupo oprimido assimilando elementos da cultura do grupo opressor, dificilmente ocorre ou ocorrerá uma perda de sentido ou apagamento histórico, uma vez que grupos opressores detêm o poder. Grupos oprimidos geralmente recorrem a apropriação cultural, para além da questão do poder do grupo opressor, para finalizarem ou diminuírem ações de exclusão, medo e violência. Hoje sabemos, pela Psicologia e pelo Direito, que não existe apenas a violência física, mas também a psicológica, igualmente forte e poderosa, apesar de às vezes mais sútil e imperceptível.

Quando a VOGUE, a revista de moda mais importante do mundo, decide fazer um editorial étnico e convoca apenas ou majoritariamente mulheres brancas para as fotos, escurecendo as suas peles, mudando seus cabelos e adotando acessórios de outra cultura, ocorre um processo de apropriação cultural na medida que vai vender, comercializar e/ou mercantilizar aqueles mesmos ideais e estética com outros valores, tornando eles agora legítimos e legais, o que antes era marginalizado –ou ainda é, mas apenas para a cultura base ou apropriada. Essa mesma lógica segue, talvez apenas com pequenas particularidades, para qualquer relação dual entre opressor e oprimido, como homem – mulher, branco – negro, jovialidade – velhice, magreza – gordura, entre outros.

A discussão acerca da apropriação cultural não visa proibir ninguém de usar ou adotar elementos de outra cultura. A discussão visa, sim, esclarecer sobre os processos de apropriação e deixar claro que mesmo ocorrendo em via de mão dupla em todos os nichos sociais, eles não possuem a mesma força, poder e significância, sendo assim, ficando a critério pessoal deixar de usar ou assimilar determinado elemento em respeito à cultura oprimida. Isso porque o processo de dominação, ou mesmo opressão e apropriação, nunca ocorre a nível individual, mas sempre coletivo.

Não podemos esquecer ou negar que são os grupos historicamente opressores que detêm o poder de criar e determinar o que é aceito socialmente, estabelecendo diretrizes para todos os aspectos da nossa vida, o que, com o passar do tempo, nos dá a ideia de normalização, gerando por sua vez preconceitos para com todos aqueles que não se encaixam no que é “considerado padrão”.

 

saulo-de-tarsoSaulo de Tarso Oliveira é um jovem paraibano, o texto foi originalmente divulgado em seu perfil no Facebook.

Fonte: Saulo Oliveira
Créditos: Saulo Oliveira