Opinião

Jackson, a dura vida de um gênio - Por José Nêumanne Pinto

Conheci Jackson do Pandeiro no Salão Paroquial São Francisco, usado como teatro e cinema por iniciativa do empresário Ariosvaldo Fernandes, vice-maestro e tubista da Banda de Música de Jesus, Maria e José, os padroeiros da paróquia de Uiraúna, da qual o cônego Anacleto tomava conta. Com roupas simples, acompanhados por uma radiola portátil, movida a pilha, Jackson e sua parceira e então mulher, Almira Castilho, faziam piruetas para o público sem usar nem o palco montado com a tela para as exibições de séries de faroeste dos artistas Roy Rogers, Buck Jones, Hopalong Cassidy e outros.

Foto: Internet

Conheci Jackson do Pandeiro no Salão Paroquial São Francisco, usado como teatro e cinema por iniciativa do empresário Ariosvaldo Fernandes, vice-maestro e tubista da Banda de Música de Jesus, Maria e José, os padroeiros da paróquia de Uiraúna, da qual o cônego Anacleto tomava conta. Com roupas simples, acompanhados por uma radiola portátil, movida a pilha, Jackson e sua parceira e então mulher, Almira Castilho, faziam piruetas para o público sem usar nem o palco montado com a tela para as exibições de séries de faroeste dos artistas Roy Rogers, Buck Jones, Hopalong Cassidy e outros.

Os heróis do faroeste, por coincidência, inspiraram o brejeiro de Alagoa Grande a mudar o nome de registro, José Gomes Filho, para Jackson do Pandeiro, seu instrumento e companheiro inseparável, como à época também era a vistosa Almira. Ele era, então, um artista popular no semiárido nordestino por conta de suas apresentações na Rádio Jornal do Comércio de Recife. Anos depois, cruzando a adolescência, fui apresentado pessoalmente a ele por um amigo comum: Luiz Gonzaga do Nascimento, vulgo Rei do Baião.

Quando seu Luiz nos apresentou, ambos enfrentavam dificuldades no mercado fonográfico e nas apresentações ao vivo por causa da concorrência avassaladora da Jovem Guarda de Roberto e Erasmo Carlos. Mas o pernambucano do Exu saiu do miserê mercê do casal Tereza Souza e Walter Santos, produtores de jingles para campanhas publicitárias, uma das quais, da São Paulo Alpargatas, divulgava sandálias havaianas, à época ainda conhecidas como japonesas.

Agora, na abertura da mostra em São Paulo da programação do festival de Cinema Aruanda, dirigido pelo crítico paraibano Lúcio Vilar, ao ver o documentário Jackson – Na Batida do Pandeiro, percebi que Jackson chegou a ser alimentado, com a segunda mulher, Neusa, graças à doação de comida por almas caridosas. Graças à projeção pude, enfim, entender a veneração que o crítico Zuza Homem de Mello tinha por ele, chamando-o de “ritmista incomparável” ao pandeiro.

Jackson começou tocando no Brejo paraibano acompanhando a mãe, interpretando cocos e emboladas. À mesma época em que a música regional nordestina era substituída nas paradas pelo iê-iê-iê, ele foi vitimado por um desastre automobilístico na Via Dutra, depois de um show em São Paulo; teve os braços imobilizados e internou-se em sua casa simples em Olaria, na zona norte do Rio, durante um longo ano sem remuneração alguma.

No comovente documentário da dupla de cineastas paraibanos Marcus Vilar e Cacá Teixeira aprendi, emocionado, a dimensão real que alguns críticos respeitáveis lhe davam. E também tomei conhecimento de que o antigo entregador de pães da Panificadora das Neves, em Campina Grande, nunca foi remunerado à altura de seu talento. Num depoimento sincero e sentimental, Zuza contou que ficou assustado com o cachê do pandeirista para se apresentar num festival no Guarujá, dedicado à sua obra. Porque era baixo demais se comparado com o que, então, se pagava a estrelas de seu porte na MPB que se consagraram no negócio do espetáculo e na fonografia fazendo sucesso com o repertório dele.

O primeiro grande sucesso de Gal Costa foi “Sebastiana”, composição de Rosil Cavalcante, o Zé Lagoa da Rádio Borborema, de Campina Grande. Quem já não ouviu “Chiclete com Banana” com Gilberto Gil? Quem no Olympia de Paris, em 2004, sabia ser ele o autor de “A Ordem é Samba”, cantada por Ney Matogrosso, Pedro Luís e a Parede? Quem não percebeu o parentesco rítmico de João Bosco com o lançador de “Forró em Limoeiro”, de Edgar Ferreira, clássico da música popular nordestina?

O documentário resgata causos incríveis como a descoberta por Jackson de Alceu Valença e Geraldinho Azevedo como emboladores de raiz, embora jovens, na maravilhosa “Papagaio do Futuro”, da dupla. A obra seminal de Jackson foi gravada por intérpretes do naipe de Lenine, Genival Lacerda, Hermeto Paschoal e Elba Ramalho. E a ele o lendário maestro do frevo pernambucano Clóvis Pereira confiou a primeira gravação de uma canção dele.

Quando o leitor desavisado toma conhecimento dessa lista, deve questionar: como o autor dos sucessos dessa patota de campeões de venda passou por necessidades? A resposta, como cantaria Tetê Espíndola em canção celebrizada em festival global, está descrita nas estrelas. Direito autoral, uma conquista da Revolução Francesa no século 18, é uma ilusão. Em pleno século 21, quem depender das arrecadações de execuções no Brasil corre o sério risco de morrer de fome. É mais uma lição do filme, que Marcus Vilar e Cacá Teixeira passaram 15 anos produzindo e editando. E que será exibido no Canal Brasil, que o coproduziu, a partir de agosto. Quem não o assistir nunca vai saber o que estava e estará perdendo…

Fonte: José Nêumanne Pinto/Crusoé-UOL
Créditos: Polêmica Paraíba