"fazendo história!"

Globo mostrará primeiro beijo de homem trans e mulher cisgênero em novela 

Uma amizade colorida tem livrado Renatinha (Juliana Alves) do posicionamento maldoso e da falta de amor-próprio em “Salve-se quem puder”: Catatau (Bernardo de Assis) fez com que a colega de trabalho deixasse de mendigar a atenção do ex-namorado Rafael (Bruno Ferrari) e se sentisse valorizada com suas cantadas e elogios.

 

Uma amizade colorida tem livrado Renatinha (Juliana Alves) do posicionamento maldoso e da falta de amor-próprio em “Salve-se quem puder”: Catatau (Bernardo de Assis) fez com que a colega de trabalho deixasse de mendigar a atenção do ex-namorado Rafael (Bruno Ferrari) e se sentisse valorizada com suas cantadas e elogios. Primeiramente, o estagiário da Labrador conquistou o respeito da secretária, ao se autoafirmar um homem transgênero, com muito orgulho. Agora, na reta final da novela das sete, já ficou claro que conquistou também o coração dela.

A paixão entre Renatinha e Catatau continuará esquentando, até explodir no capítulo previsto para ir ao ar no dia 14 de julho com um beijão de calar o preconceito dos ex-colegas de ginástica artística dele. “Chega! Ninguém mexe com o meu macho!”, brada ela. Será o primeiro beijo entre um homem trans e uma mulher cisgênero em novelas. Nascido em Madureira e criado em Inhaúma, Zona Norte do Rio, Bernardo considera a cena revolucionária e celebra o fato de estar fazendo história já em sua estreia na TV. Conheça mais do carioca de 26 anos, que iniciou sua transição de gênero há cinco.

Quebra-cabeça

“Durante minha infância e adolescência, eu não tive referências de pessoas trans. Sentia incômodos com o meu corpo e com algumas ideias, mas achava que era algo particular. A sociedade me enxergava como lésbica, mas, quando uma namorada me olhava como mulher, eu negava ser uma. Era como se o meu quebra-cabeça estivesse embaralhado. Aos 15, escutando as palestras e lendo os livros do João W. Nery (psicólogo e ativista LGBTQIAP+), percebi que o sofrimento dele era igual ao meu. E que havia um nome para tudo aquilo (transexualidade)”.

O sonho cria asas

“Foi graças ao espetáculo teatral ‘Bird’, em 2015, que eu me assumi. Fui convidado pela diretora Livs Ataíde a interpretar uma garota que tinha um desejo tão grande de ser homem, que no dia seguinte ela se transformava em um; e depois em pássaro e em tudo o mais que ela quisesse. Nos ensaios, eu dizia: ‘Não consigo falar esse texto, é muito pesado pra mim, só quero chorar’. Depois de alguns meses, a peça estreou comigo assinando como Bernardo. Tomei a decisão de me identificar como homem trans para o mundo e cobrar respeito das pessoas”.

Negação da família

“Eu, infelizmente, faço parte da parcela de pessoas trans que perdem o seu vínculo familiar. Nunca tive muito diálogo com meus pais. Minha mãe escolhia as minhas roupas, me forçava a ser o mais feminino possível, a manter o cabelo longo. Numa viagem, eu decidi cortá-lo e fiz uma foto. Ela me mandou uma mensagem dizendo que eu não precisava mais voltar. Meu pai de criação decidiu não se intrometer na decisão dela; com o biológico, nunca tive contato. Então, deixei tudo pra trás. Um casal de tios me acolheu como filho, construí uma nova família com amigos como eu. Há pouco tempo, retomei contato com a minha irmã. Ela também tinha seus preconceitos e dores, mas se abriu, ressignificou tudo. Agora, assiste a todos os capítulos da novela e torce por mim”.

Processo de transição

“Minha transição começou no ano de 2016, aos 21 anos, tomando hormônios. Um ano depois, fiz a mastectomia. Foi libertador, porque os seios sempre me incomodaram muito, eu usava faixa compressora para escondê-los, e machucava. Quando a enfermeira tirou os curativos e eu me olhei no espelho, chorei feito criança. Hoje, estou num processo de me amar. É uma luta diária, porque a sociedade impõe que nosso corpo tem problemas, que precisamos modificá-lo o tempo todo”.

Portas fechadas

“Eu tinha acabado a minha graduação em Atuação Cênica e Direção Teatral na UniRio e na CAL quando passei pela transição. Quis me formar primeiro, porque sabia que as portas se fechariam pra mim. E assim foi. As pessoas não me enxergavam enquanto homem nem enquanto mulher. Eu não era chamado para trabalho nenhum, foram tempos muito difíceis. Mas o audiovisual me descobriu e recebi um convite para protagonizar uma série em Manaus (AM), fiz cinema, veio a novela… Até hoje, todos os papéis que interpretei foram de temática trans. Gostaria de fazer outros tipos de personagens, mas honro o espaço que ocupo. Muitos transgêneros celebram comigo essa representatividade. Os ataques que recebo são insignificantes perto desse carinho. Agradeço a Daniel Ortiz (autor da novela) e Fred Mayrink (diretor) por assumirem a ‘bronca’ comigo. Não há conquista de direitos sem pessoas aliadas”.

Final feliz

“Eu e Juliana conversamos sobre a importância de os nossos personagens, uma mulher negra e um homem trans, ficarem juntos. É um casal emblemático. Quando Renatinha assume Catatau para o mundo, não está falando só ‘Eu estou com ele’, mas também ‘Não importa o que pensem, nós vamos exercer a nossa afetividade’. Estou ansioso para assistir ao final dos dois. É revolucionário, ainda mais numa novela das sete. Já fiz cenas parecidas em outros trabalhos, mas nenhuma com essa importância. Os telespectadores vêm acompanhando a trajetória de Renatinha, preconceituosa e arrogante. Amada por Catatau, ela se redime. Assim como esse amor transforma a personagem de caráter duvidoso, outras pessoas podem passar pelo mesmo”.

Fonte: POLÊMICA PARAÍBA
Créditos: EXTRA GLOBO