Aos 24 anos, Vannick Belchior estreou nos palcos com um show aberto no último dia 1º de agosto, em Fortaleza, onde nasceu e mora. O sobrenome não é coincidência: ela é a caçula de Belchior, a quem homenageia no primeiro projeto profissional: “Coisas que Aprendi nos Discos”.
A ideia vai além de um show. “Estar tocando obras dele tem um teor de afetiva entre filha e pai, sabe? Eu sou a filha mais nova, tive a perda dele ainda muito jovem [ela tinha 20 anos], e teve a dele também durante muitos anos. Foi uma forma de reparar uma perda “, diz.
Belchior completaria 75 anos em 26 de outubro. Em entrevista a Universa , Vannick abre o coração e conta sobre influência artística, a relação com o seu pai e fala do afastamento do cantor por longos 10 anos de sua vida, após Belchior decidir viver recluso, a partir de 2006.
“Eu era muito pequena, por isso que eu falo que é muito uma afetiva desse projeto, de trazer a presença do meu pai aqui para perto
Para celebrar esse reencontro, uma nostalgia não está presente apenas nas músicas: as fotos oficiais da primeira apresentação foram feitas com uma câmera analógica. “Além de ter uma grande amiga que faz fotos de câmera analógica, o meu projeto vem muito de mesclar o antigo como novo; do vintage e da novidade; rejuvenescimento daquilo que já foi”, conta.
Vannick já tem mais duas apresentações marcadas em Natal, nos dias 1º e 2 de outubro. Ela admite que saiu mais que animada do primeiro show. “Teve uma grande repercussão! Eu fui super abraçada pelo público, fiquei mais feliz do que imaginava. Foi o comecinho de tudo, e agora estou preparando novidades”, conta, avisando: “a medida que for ganhando forma, a perspectiva é andar pelo Brasil todo “.
Ela ainda não toca instrumentos, nem tem composições próprias, mas sob o apadrinhamento do maestro Tarcísio Sardinha (ex-companheiro de Belchior) mira ampliar sua fronteira musical. “Eu quero começar a tocar algumas coisas, até aumentar a percepção musical. E estão surgindo algumas ideias de composições, mas ainda é uma coisa bem íntima.”
Universa – Quando foi que você se identificou com a música e decidiu embarcar em uma carreira profissional?
Vannick Belchior – Eu sempre amei muito a música , amo cantar desde criança. Porém, os caminhos da vida acabaram-me levando para outra área: eu sou graduada em direito, formada no final do ano passado. Mas eu já sabia que em algum momento eu iria me reencontrar com esse caminho; mas eu preciso passar por alguns processos, pelo período universitário —que foi de extrema importância, tanto pelas pessoas que conheci, como por aquela própria energia universitária também. Mas a música sempre esteve muito presente na minha vida, mas essa questão de seguir em frente na carreira só veio este ano.
O que teria sido o gatilho para isso? Teve algo que fez você ir?
Olha, foi muito meu momento de vida mesmo. Eu sempre quis. Quando eu cantava, as pessoas dizemiam: ‘poxa, mas você deveria investir na carreira’. Isso batia forte no meu coração, mas ainda não era o momento. Esse momento da pandemia me fez refletir sobre muitos caminhos —e aí bateu mais forte, realmente esse empenho de ir adiante, de dizer: ‘é agora’! Primeiro, porque eu tenho 24 anos, e é mais ou menos a idade que o meu pai iniciou uma carreira profissional, que foi embora do Nordeste.
Digo então que foi a música que me chamou, não fui eu que fui até a música. Os caminhos têm muita força; mesmo quando você acaba relutando um pouco, acaba encontrando realmente o que você veio fazer aqui na vida.
De que forma seu pai é importante nessa decisão? Teria algo nesse processo que tenha a ver com ele diretamente, tipo uma pandemia com um tornado mais sensível nesse aspecto?
Nossa, ele é de extrema importância. Para mim, boletim estar tocando obras dele tem um teor de afetiva entre filha e pai, sabe? Eu sou a filha mais nova, tive a perda dele ainda muito jovem [ela tinha 20 anos], e teve a dele também durante muitos anos. Então isso, para mim, é a presença dele aqui comigo. Foi uma forma de reparar uma perda. Por isso decidi tocar na obra dele boletim, por isso tem o nome “Das coisas que aprendi nos discos.” Até porque, quando escuto o meu pai, quando eu canto o meu pai, eu aprendo com o meu pai; é como se ele estivesse aqui me ensinando, sabe? É como o conselho, o ombro amigo, o aperto de mão. É, de fato, de extrema importância e muito relevante para mim.
Em algum momento vocês se distanciaram enquanto ele era vivo?
Houve, sim, esse distanciamento, até porque eu só tinha 10 anos quando o meu pai se tornou recluso. E essa reclusão abarcou todas as esferas da vida dele, inclusive um familiar. Eu era muito pequena, por isso que eu falo que é muito uma afetiva desse projeto, de trazer a presença do meu pai aqui para perto, para mim, para alguns entendimentos, algumas compreensões tanto da pessoa dele como da minha própria pessoa, do meu próprio amadurecimento. Então houve, sim, eu só tinha dez anos quando ele peneirou as pessoas como quais ele mantinha o contato. Ele realmente se isolou, e eu não tivo mais ligação com essa coisa física mesmo. A minha relação foi na infância, no período que ele realmente estava vivendo como relações sociais, familiares e afetivas dele normalmente.
Como era essa relação com seu pai?
Sou de Fortaleza. O meu pai nunca morou em Fortaleza, from que eu nasci, ele morava em São Paulo, e o meu contato com ele era quando ele vinha para cá. Ele vinha quase todo mês, então eu tinha esse contato, mas nunca cheguei a morar com ele. Para mim, ele era aquele pai que viajava muito. Ele vivia para trabalhar, e o amor dele era cantar, eram os shows e as produções artísticas. Nesse tempo, não tinha ainda não tinha essa facilidade, como agora, com comunicações digitais. Ele ligava aqui, para o telefone fixo. Eu era muito criança, não tinha celular, e os contatos mais memoráveis que foram nos shows dele aqui. Eu fui pra alguns e lembro muito bem de tudo, até mesmo no camarim, ou minha mãe falando com ele (eles mantinham muita amizade), dizendo que eu tinha muito prazer em cantar, e ele super emocionado, pedindo para eu cantar.
Eu me lembro dele pedindo para eu cantar e dizendo que eu ia ser cantora, que queria me levar sempre para os shows para investir nessa carreira, para eu ir logo me familiarizando com tudo isso. Eu ficava um pouco envergonhada. Ele queria muito ter uma filha cantora. Acho que ele apostou muito nisso, era um desejo que ele tinha —muito embora fosse muito pequena.
Sobre esse show da obra dele, o que mais você focou na obra dele para trazer ao público?
Eu foquei em trazer como canções clássicas, aquelas que não podem faltar sob hipótese nenhuma. Inclusive, foi até difícil escolher esse repertório, até porque eu sou apaixonada pela música popular brasileira e sou suspeita para falar o quanto amo a obra do meu pai. Mas assim, eu penso em trazer como canções que, se ele fosse fazer um show de retorno, não deixaria faltar.
Tem alguma música dele que lhe toca mais?
Mais uma vez digo que sou suspeita para falar porque todas me tocam de uma forma diferente; mas sem dúvida nenhuma “Como Nossos Pais.” Para mim, é a mais emblemática porque eu estou perpetuando aquela história que ele escreveu. Era a ideia dele, o sentimento dele, e aí vem a filha dele permanecendo com muitos dos intentos artísticos dessas produções. Isso me toca de uma forma bem vibrante, de uma forma bem singular e única.
Quem são seus ídolos na música, além do seu pai? Alguma cantora a inspira?
A minha cantora referência sem dúvidas é Elis Regina. A cantora que eu mais admiro em todos os aspectos, mas também tenho cantoras nas quais eu me inspiro, como Gal Costa, Maria Bethânia. E tem os cantores também: Gilberto Gil e Chico Buarque, são os meus maiores inspiradores de musicalidade, na conduta artística, no seu conteúdo. Quanto à musicalidade, também têm vários outros e outras que eu gosto de ouvir como João Bosco, Caetano Veloso, Marina Lima.
Algum amigo ou parceiro do seu pai já a formal, a incentivou?
Eu estou iniciando o meu projeto agora. Quem está me acompanhando é o maestro Tarcísio Sardinha. Ele foi companheiro de estrada do meu pai, tocou muitos anos com ele e está sendo o meu maior incentivador, está me apadrinhando mesmo nesse novo projeto. Para mim, é uma grande honra estar acompanhada de um artista com a qualidade, tanto pessoal, como artística, que ele tem. Me sinto muito mais segura, e ele está sendo um grande intermediário para os meus intentos.
Você pensa em ser cantora de MPB, tem algumas ideias diferentes de estilo?
Com certeza MPB. Desde criança foi o que eu sempre gostei de escutar. Pretendo continuar nesse estilo. Inicialmente, estou com esse projeto, mas futuramente virão outros, quem sabe até direitos autorais e / ou interpretações mesmo, mas sempre seguindo a música popular brasileira, o samba raiz. Sempre pretendo explorar essa área mesmo. Isso já para mim já é muito bem decidido, muito antes de começar a carreira profissional como cantora.
Fonte: UOL
Créditos: UOL