Inconformada com alto número de migrantes e refugiados que perdem a vida ao tentar cruzar o mar Mediterrâneo rumo à Europa, uma família italiana decidiu ajudar de uma maneira surpreendente.
Em vez de doar dinheiro para organizações que prestam ajuda, o casal Christopher e Regina Catrambone gastou metade de suas economias (aproximadamente US$ 7 milhões, ou cerca de R$ 27 milhões) para criar sua própria ONG e equipá-la com um barco para resgatar náufragos no mar.
“Já havia instituições ajudando os migrantes na Europa, mas as pessoas estavam morrendo no mar e ninguém estava fazendo nada. Se os governos não agem é responsabilidade da sociedade civil responder. A Moas (Migrant Offshore Aid Station) foi a primeira ONG a ir ao mar resgatar pessoas”, conta Regina à BBC Brasil.
Falando pelo telefone de Malta, onde a família vive e mantém a sede da organização, ele conta que havia acabado de retornar de duas semanas no mar, acompanhando uma missão de resgate. Regina faz questão de estar a bordo atuando como ponte entre a equipe de técnicos, médicos e os refugiados resgatados.
O casal Catrambone se conheceu em 2006, na Itália. Christopher tinha retornado ao país de seus avós após a devastação do furacão Katrina no sul dos Estados Unidos. “Ele morava e trabalhava no Caribe naquela época. Foi um choque para toda a região a passagem do furacão”, diz Regina.
Em Malta, a família abriu uma empresa de seguros, assistência emergencial e inteligência, a Tangiers. Antes de criarem a Moas, Regina era o braço direito do marido no negócio da família, cuidando da parte financeira da empresa.
Resgate em massa
Criada em agosto de 2014, a Moas lançou no Mediterrâneo uma embarcação de 40 metros, a Phoenix, equipada com botes infláveis, satélites, dois drones, clínica médica e coletes salva-vidas. Nos primeiros seis dias de operação, 3 mil pessoas foram resgatadas.
“Tudo começou quando em 2013 decidimos passar um final de semana passeando de barco no mar e fomos para Lampedusa (no sul da Itália). De lá, partimos para Túnis. No meio do caminho avistamos pedaços de roupas no mar. Provavelmente de alguém cruzando o Mediterrâneo no sentido contrário tentando chegar à Europa. Foi o primeiro encontro concreto que tivemos com a questão”, explica ela.
Mais tarde, a tragédia de outubro de 2013 na ilha de Lampedusa (quando 400 migrantes morreram afogados no mar) e o apelo do papa Francisco pelo fim da “globalização da indiferença” foram decisivos para o casal criar a Moas.
Desde o lançamento de suas operações, em agosto de 2014, a Moas resgatou cerca de 11 mil pessoas no Mediterrâneo. Atualmente, o custo de manter o Phoenix no mar supera 500 mil euros por mês.
As atividades da Moas em 2014 foram custeadas somente pela família Catrambone, mas neste ano a iniciativa ganhou apoio de peso após fechar uma parceria com a organização médica internacional Médicos sem Fronteiras (MSF) para ampliar os resgates no Mediterrâneo.
Mas na primeira semana de setembro deste ano, veio uma nova injeção de dinheiro. Em 48 horas a Moas arrecadou 1 milhão de euros por meio de doações de todo o mundo, incluindo de países como Brasil, Turquia, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos.
A onda de doações foi motivada pelo caso trágico do menino sírio Alan Kurdi, morto em um naufrágio no Mediterrâneo. A foto do corpo do menino em uma praia na Turquia, usada em manchetes do mundo inteiro, causou grande comoção.
“Há muitos outros meninos pequenos morrendo no mar. Recebo muitas fotos como esta. É triste que o mundo tenha demorado tanto para perceber e se mobilizar. A Moas acredita que ninguém deve morrer no mar”, afirmou Regina.
“Acredito que é muito importante mostrar as fotos dessas crianças para que as pessoas saibam o que está acontecendo. Com as fotos, as pessoas podem prestar homenagem a essas vidas perdidas, para que essas crianças não sejam esquecidas”, acrescentou.
Primeiro passo
Entre tantos resgates, as memórias mais caras de Regina são justamente as de crianças acolhidas no Phoenix.
“No ano passado, me lembro perfeitamente de um menino chamado Hani. Sua mãe nos entregou o menino desesperada: ele fervia de febre, não comia e não bebia havia dias. Eles eram da Eritreia. Após horas tomando soro e sendo atendido pelos médicos a bordo, ele se recuperou. Quando desembarcaram a mãe tinha os olhos como estrelas, muito brilhantes e emocionados”, conta Regina.
Regina conta com ajuda de uma equipe com técnicos e médicos. Enquanto esperam para desembarcar, após os primeiros socorros, ela e os voluntários do MSF brincam com as crianças a bordo.
“As pessoas que resgatamos no mar são pessoas como nós. São médicos, advogados, professores, cabeleireiros. Podia ser eu ou você”, diz Regina.
Segundo ela, em 2015, a maioria das pessoas atendidas pela Moas vinha da Síria e da Eritreia, e muitos desses migrantes não carregam documentos nem passaportes.
Grande parte dos desembarques da Moas ocorrem na região de Reggio Calabria, no sul da Itália. “Foi ali que nasci e fui criada. Digo aos refugiados e migrantes que o resgate e desembarque em terra são apenas o começo de suas jornadas e de novas vidas”, diz Regina.
Mais barcos
Com o aumento da arrecadação de fundos, agora a Moas pensa em estender suas operações de busca e resgate no mar por mais tempo.
“Tínhamos nos planejado este ano para ficar no mar até outubro. No ano passado, ficamos apenas três meses. Sempre de acordo com o que podemos arcar de custos. Agora, acredito que a Moas deva ser uma missão de 12 meses”, revelou Regina.
A organização também lançou uma campanha online para arrecadar fundos e comprar ao menos mais um barco. A iniciativa ganhou o nome de#PeoplesArmadas e busca levantar cerca de US$ 3 milhões.
“Queremos partilhar uma mensagem de solidariedade em relação aos migrantes e refugiados. Não é um problema apenas europeu. É por isso também que é preciso continuar falando e debatendo o assunto”, afirma Regina.
Ela diz que a Moas serve também como inspiração para outros barcos menores e outras iniciativas de resgate que estão surgindo no Mediterrâneo.
Em 2015, a organização passou a receber jornalistas a bordo. “Podemos salvá-los no mar, mas é muito importante dar voz a essas pessoas, contar suas histórias para o mundo”, diz Regina.