Se você está vendo ou viu “Casamento às Cegas”, da Netflix, eleito pela web como “o melhor pior reality show do mundo”, deve ter se envolvido com as histórias dos casais que estão se conhecendo para, sim, subir ao altar.
Caso não tenha chegado ao quarto episódio, saiba que a partir de agora tem spoiler: o participante Carlton decidiu contar à sua noiva, Diamond, algo sobre sua orientação sexual: ele é bissexual. A jovem fica visivelmente surpresa com a informação e, em uma conversa posterior, o pressiona dizendo que ele não estava sendo sincero desde o que começo da relação — e que tinha dúvidas se ele realmente queria ficar com uma mulher.
“Ele pode estar indeciso” e outros estereótipos, como o de ser mais infiel ou promíscuo, fazem parte da vida de pessoas bissexuais.
Para Universa, três jovens contam como isso influência nos relacionamentos, tanto amorosos quanto com amigos e familiares.
Também conversamos com a assistente social e doutoranda em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Núcleo de Pesquisa em Relações de Gênero e Sexualidade Flávia Novais, para entender mais sobre como falar sobre a orientação sexual, principalmente, a bissexualidade, para o parceiro ou parceira pode ser complicado. Afinal, tem hora certa?
Bissexuais e estigmas: desconfiança, traição e promiscuidade
No reality, Carlton se sente mal pela reação de Diamond a respeito de sua bissexualidade; tanto que o casal discute depois sobre respeito, sinceridade. A jovem ainda o pergunta se ele realmente queria ficar com ela.
“Me coloquei no lugar dele; sempre acham que somos infiéis e devassos”
Para a estudante de estudante de relações públicas Letícia do Nascimento Santos, assistir à cena do reality foi um momento de desconforto, justamente por sofrer preconceito por sua bissexualidade na vida amorosa.
“Eu já tive parceiros que traziam esse questionamento à tona, ao achar que amigos e amigos eram uma ameaça; sentia ciúme de todos. Eu não podia curtir fotos nem de homem, nem de mulher”, explica. “Fiquei me imaginando no lugar dele”.
Ela foi preconceituosa, perguntou se ele tinha certeza que queria uma mulher; isso nos incomoda demais.
Letícia conta que também há a ideia de que bissexuais são “devassos, promíscuos e têm mais tendência à traição” — um pensamento claramente preconceituoso. “Isso é bifobia. Já ouvi dentro de relacionamento também que eu seria mais capaz de trair por gostar de dois sexos. Pior: há bifobia entre as pessoas LGBTs também, pois elas reforçam esses estereótipos. Ou seja, em um lugar que era para ser de acolhimento, acabamos sofrendo ataque”.
“A aceitação para o homem é bem mais difícil”
“A aceitação para o homem é bem mais difícil já que, na nossa sociedade, para ‘ser homem’ é preciso ser hétero. E aí, quando assumimos a bissexualidade, a maioria das pessoas entendem que somos gays e que tentamos esconder isso para sermos menos julgados. E, claro, quando fui me descobrindo, depois que fiz 17 anos, também ouvi que eu estava confuso sobre o assunto”, explica.
“A repulsa e o questionamento, infelizmente, acontecem”
Já para Igor da Costa Carvalho, que produz conteúdo para canal do Youtube Igor Afirma, contar ou não sobre a bissexualidade, em qualquer momento do relacionamento, pode ser, de fato, cercado por medo. “A gente sabe que a repulsa e o questionamento acontecem e aí quem é bissexual se sente inseguro de saber se a pessoa vai gostar dele ou dela do mesmo jeito”, avalia.
Para Igor, que nunca namorou, a situação de revelar ou não a bissexualidade já aconteceu na balada. “Eu geralmente não conto, porque é apenas uma característica minha — é como se eu tivesse que falar se sou destro ou canhoto. E já tiveram casos em que eu contei e a pessoa não quis ficar comigo; e aí, eu vi como um livramento”.
Bissexualidade como “meio do caminho”: conceito distorcido
A assistente social e doutoranda em psicologia social e institucional na UFRGS Flávia Novais explica que parte da compreensão de que bissexuais são mal-resolvidos — e que, por isso, se relacionar com eles pode ser uma ‘cilada’ — vem da ideia de que a orientação sexual é um “meio do caminho” para alguém se compreender gay, lésbica, etc., inclusive, “como se necessariamente em algum momento as pessoas tivessem que tomar uma decisão final”. “Assim, muitas pessoas acabam por não assumir a identidade bi para evitar conflitos e estigmas, que muitas vezes acontecem dentro da militância”.
Manter segredo ou não?
Na opinião de Flávia, que já se relacionou com homens e mulheres e não mantêm segredo sobre isso na vida amorosa, o momento de falar sobre isso é uma escolha pessoa.
“Entendo, no entanto, que ainda há muito preconceito com a bissexualidade, pansexualidade; acreditam que nós não iremos ‘levar a sério’ o compromisso com alguém”, pontua.
Dentro de um relacionamento, ela destaca, é fundamental que o ‘contrato’ firmado pelos parceiros esteja evidente. “Se for uma relação monogâmica, por exemplo, é importante que a pessoa com quem estamos nos envolvendo saiba que a relação será vivida em plenitude, independentemente do gênero, e que não há uma necessidade de encontrar parceiros sexuais de um outro gênero fora dela apenas pelo fato de uma das partes ser capaz de se relacionar para além do binarismo de gênero”.
Fonte: Universa
Créditos: Universa