Em 2012, o pesquisador americano Robert Epstein se enfureceu quando o Google pôs um alerta de segurança em seu site pessoal.
PhD em psicologia pela Universidade Harvard e pesquisador sênior do Instituto Americano para Pesquisa Comportamental e Tecnologia, ele ameaçou processar a empresa, temendo ter sua reputação abalada.
Epstein baixou o tom ao descobrir que o alerta se devia à invasão do site por hackers. Mas, àquela altura, sua mira já havia se voltado contra a companhia, que hoje tem nele um de seus principais críticos.
“Ao longo da história, sempre que uma empresa teve muito poder – estivesse abusando dele ou não – tivemos de criar proteções”, ele diz em entrevista à BBC Brasil.
Na véspera da eleição presidencial na Índia, em 2014, Epstein viajou ao país para estudar a influência que o Google poderia exercer em votações. Sua equipe apresentou resultados de buscas sobre os dois principais candidatos a 2.150 eleitores indecisos.
Um grupo via primeiro artigos positivos sobre um candidato, enquanto ao outro eram apresentados artigos positivos sobre outro candidato.
A pesquisa revelou que 24% dos eleitores tinham propensão maior a votar nos candidatos cujos artigos positivos viam primeiro. Em alguns grupos demográficos, o efeito atingia 72% dos participantes.
O experimento e pesquisas anteriores lhe fizeram concluir que o Google – principal site de buscas no mundo – tem o poder de determinar o resultado de um quarto de todas as eleições nacionais (para presidente ou Parlamento) do globo, principalmente, as mais disputadas.
Em nota à BBC Brasil, a empresa afirmou que “não há nenhum fato verídico na hipótese” levantada por Epstein e que jamais alterou resultados de buscas para manipular usuários.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista, concedida por telefone.
BBC Brasil – A última eleição presidencial no Brasil foi decidida por uma margem de 3,28 pontos percentuais. Acha que o Google pode ter influenciado o resultado?
Robert Epstein – Eles podem ter não só influenciado, mas facilmente determinado o resultado. Não posso ter certeza, mas acho que há uma chance razoável de que isso tenha ocorrido (ainda que ninguém tenha tido essa intenção).
BBC Brasil – Há indício de que isso ocorra propositalmente?
Epstein – Só posso especular. Sabemos que o Google e seus executivos doaram mais de US$ 800 mil para (Barack) Obama e só US$ 37 mil para (Mitt) Romney (candidato derrotado na última eleição americana, em 2012).
O reportou que, na noite anterior à eleição, Eric Schmidt, à época o presidente do Google, estava pessoalmente chefiando uma equipe para que as pessoas fossem votar no Obama (Segundo o jornal, Schmidt estava supervisionando o uso de um sistema eletrônico que combate abstenções, estimulando simpatizantes de Obama a votar. A reportagem não diz se ele teria agido como indivíduo ou funcionário do Google).
Então, não há dúvidas de que eles tinham uma preferência muito forte por Obama. Pela minha pesquisa, nós também sabemos que, se Obama fosse favorecido em rankings de pesquisa, isso poderia lhe render muitos milhões de votos nos últimos minutos.
BBC Brasil – Como funcionaria esse mecanismo?
Epstein – Quando um candidato está mais alto nos rankings de busca, isso muda a direção de eleitores indecisos. Chamamos isso de efeito de manipulação de sites de buscas (Seme, na sigla em inglês).
Dados do próprio Google mostram que houve mais buscas logo antes da eleição para Obama que para Romney. Uma forma de gerar mais buscas é pôr um candidato mais alto em rankings de busca.
Eu tenho certeza absoluta de que um executivo do Google deliberadamente manipulou resultados de buscas para que Obama ganhasse a eleição? Claro que não. Isso requer um delator ou uma investigação do FBI (a polícia federal americana).
BBC Brasil – Ao agir assim, o Google não minaria sua credibilidade?
Epstein – É o que eles dizem, mas o tipo de manipulação de que estamos falando é invisível. Mesmo na nossa pesquisa, os usuários não tinham consciência de que estavam sendo manipulados.
Eles não perderiam nada ao usar isso para mudar uma eleição. Também seria legal – não há leis que proíbam isso.
O fenômeno impacta mais que eleitores indecisos. Uma pesquisa de um instituto alemão mostrou que, ao pesquisar no Google sobre saúde – por exemplo, câncer de mama -, você recebe dez resultados de busca na primeira página. Um especialista verá que muitas das páginas contêm informações imprecisas.
Pode-se ir além. Para qualquer informação que as pessoas buscarem na internet, há uma boa possibilidade de que o mecanismo de busca – e não porque alguém queira prejudicar os outros – esteja tendo um impacto nocivo nas atitudes de centenas de milhões de pessoas.
BBC Brasil – O que sabemos sobre como os algoritmos do Google são elaborados?
Epstein – Há milhares de empresas no mundo todo tentando descobrir isso todos os dias, para que coloquem seus produtos e serviços mais acima nas buscas.
Nós não sabemos quais são as regras porque o Google diz mudar os algoritmos entre 500 a 600 vezes por ano.
Mas sabemos que a popularidade de links é um fator que usam e outro, talvez menos importante, é a quantidade de buscas.
O modelo de negócios do Google envolve pegar informações que as pessoas pedem e usá-las para aprender sobre as pessoas, de modo a ligá-las a empresas vendendo produtos e serviços.
Isso significa que, quando ranqueiam a ordem das buscas, não é necessariamente porque querem que você tenha a melhor informação. É para que possam ganhar dinheiro.
BBC Brasil – Como se contrapor a essa influência?
Epstein – Estamos pensando em possíveis alertas em navegadores que possam proteger eleitores, dizendo no topo dos resultados de pesquisas que elas parecem favorecer um candidato ou outro. Também estamos misturando a ordem de resultados de buscas.
Ao longo da história, sempre que uma empresa teve muito poder – estivesse abusando dele ou não – tivemos de criar proteções.
Na eleição de 1876, não houve dúvida de que uma companhia, a Western Union (à época a principal operadora de telégrafos nos EUA), determinou quem seria o presidente.
Eles fizeram de tudo para que os jornais só publicassem histórias positivas sobre seu candidato e também compartilharam com ele toda a comunicação do adversário.
BBC Brasil – O senhor decidiu pesquisar o Google por causa do episódio em que seu site foi bloqueado?
Epstein – É verdade que meu site foi hackeado e terminei na lista negra por alguns dias. É isso o que me fez me interessar neles como uma empresa.
Mas o incidente em si não é muito importante. O que importa é que todos encarem o tema criticamente.
BBC Brasil – Existe alguma alternativa a sites de busca na forma como vivemos hoje? Poderíamos viver sem o Google?
Epstein – A esta altura, não dá para ter um mundo sem eles.
Muitas pessoas no Parlamento Europeu querem dividir o Google na Europa em companhias menores. Em vez de ser um enorme mecanismo de busca, seriam centenas, talvez especializados. Isso nos protegeria, de certa forma.
Outra possibilidade é que o mecanismo de buscas se torne público – como a empresa de abastecimento, as companhias que nos dão os serviços básicos.
E já que o Google é a melhor, talvez se torne a base para essa empresa pública. Em vez de ser dirigida secretamente, saberíamos exatamente o que ela está fazendo.
BBC Brasil – Acha a ideia viável?
Epstein – Não nos Estados Unidos, mas na Europa é possível, ou mesmo na Índia. Lá eles são fanáticos sobre a democracia. É ilegal divulgar dados de pesquisas eleitorais até depois das eleições, porque eles têm muito medo de que os dados desequilibrem as disputas.
Só é preciso de um país para que a coisa comece. A maior telecom alemã e o maior grupo editorial europeu querem que o Google e o Facebook sejam estritamente regulados. BBC Brasil – Ao controlar a forma como Google opera, não correríamos o risco de agir como governos que censuram a internet?
Epstein – Sim, há um risco tremendo. Não há maior fã do Google que eu. Eles criaram uma ferramenta extraordinária. Mas não existe saída fácil.
Não importa se esses novos poderes de manipular estão sendo abusados neste instante, o que importa é que o poder existe. E isso basta para que façamos algo a respeito.