"Mãe, sou gênero fluido"

Conheça a história de Ravi, que aos 11 anos revelou para sua mãe que á trans por mensagem de celular

 

“Sou policial militar, tenho 41 anos e tenho quatro filhos, de 24, 20, 15 e 11 anos. A segunda me contou que é lésbica quando tinha 15, e agora está dando a maior força para o meu caçula, que acabou de me confessar que se identifica como um menino trans.

Quando eu tinha seis anos de idade, no Rio de Janeiro, de onde é minha família, um cabeleireiro gay, amigo da minha mãe, cuidava muito de mim quando ela saía para trabalhar. Então convivo com esse tema LGBTQ+ desde cedo. Nunca tivemos preconceito com nada.

Sempre falei para meus filhos que eles podem ser o que quiserem, desde que sejam bons e honestos. Nunca tentei traçar caminhos para eles. São indivíduos que botei no mundo e têm que ter sua própria trajetória.

Mesmo assim, quando minha filha contou que era lésbica, ela chorava de alívio, como se já quisesse falar sobre isso havia muito tempo. E, ao perceber que o meu caçula também poderia ser gay, me antecipei antes que ele falasse algo, para que não acontecesse a mesma coisa.

“Mãe, sou gênero fluido”
O Ravi, meu caçula, tem um grupo de amigos muito bacana, que gosta de ler. E todos vinham na nossa casa jogar xadrez. Uma vez, quando ele ainda se identificava no gênero feminino, meu marido falou: “Esses meninos ficam muito atrás dela. Daqui a pouco, está namorando”, e eu respondi: “Acho que não”. Eu tinha essa ideia de que ele gostava de meninas, mas não de que seria uma pessoa trans.

Até que um dia descobri uma cartinha dele se declarando para uma amiga. Era muito fofa. Eu não queria que ele soubesse que eu tinha visto, porque a gente respeita a privacidade um do outro. Aí comecei a falar: “Sabia que sua irmã namora uma menina?”. “Sabia que hoje é dia do orgulho gay?” Eu ficava tentando dizer para ele que estava tudo bem.

Foi só então que ele me mandou uma mensagem de texto bonitinha pelo celular, falando que era LGBTQ+, e que às vezes se identifica como menino, às vezes como menina, que era gênero fluido. Mas depois conversamos melhor e ele afirmou que era mesmo um menino. Falou também que já namorava com essa amiga, para quem escreveu a carta. Eu estava no trabalho e respondi que estava tudo bem e que eu o amava do jeitinho que ele era.

Cheguei em casa e dei um beijo e um abraço nele. Ainda levei alguma coisa para comer, só para marcar a data e depois virou um assunto comum. A gente não evita.

Caixinha de proteção
Tenho um medo diário de que meus filhos sofram preconceito. Quando minha filha, Ana Clara, me contou que era lésbica, falei que, se pudesse, a colocava numa caixinha de vidro para ela viver feliz e protegidinha.

Com o Ravi, perguntei se ele está preparado para o mundo, que não é legal. Tudo aconteceu agora, durante a pandemia. Ele está em casa com uma família que o ama, e minha preocupação é com o ano que vem, quando ele voltará para a escola. Isso me assusta bastante.

Existe um estereótipo de que o meio policial é preconceituoso, mas o pai dele também é e temos muitos amigos. Não existe preconceito entre a gente.

Até agora eu fui simpática à causa LGBTQ+. Agora sou mais que isso: sou da causa, quero ser ativista no processo de tentar criar um mundo onde meus filhos possam sair e eu dormir em paz. E o que eu posso fazer é garantir que o ambiente de casa tenha o máximo de amor, porque o mundo não terá. É o que a gente comenta aqui em casa:

Ele tem apoio, está seguro, é amado. E o que o mundo não puder dar eu darei em triplo. Ele precisa do amor da família

Você tem certeza disso?
Fui eu quem sugeri o nome Ravi, porque ele queria que a gente o chamasse pelo gênero masculino, e o ajudei a escolher o nome. Comecei a pesquisar, igual a uma grávida quando vai ter neném. E gostamos desse. Mas a gente não troca a identidade e o pronome de imediato. E eu sempre troquei, sem querer, o nome de todos os meus filhos até com o dos cachorros. Coisa de mãe. Eles não ligam.

Procuramos um ambulatório trans para ele ter acompanhamento psicológico, mas, no Distrito Federal, onde moramos hoje, só tem um e atende exclusivamente maiores de idade. Nos encaminharam para um centro especializado em adolescentes, mas ele ainda fará 12 anos agora em novembro. Nem eu nem ele sabemos muito o que fazer. E pergunto direto se é isso mesmo que ele quer. Tenho medo de estarmos perdidos nisso. Mas uma das melhores dicas que recebi foi deixar ele falar o que quer.

Acho que deve ser um peso na vida de qualquer um ter que lutar para ser o que quer. Por isso, quero muito que ele tenha um acompanhamento psicológico porque eu não posso dar esse tipo de suporte.

Mas ele passará por tudo isso aqui no meu ladinho”

Fonte: UNIVERSA
Créditos: Polêmica Paraíba