Você realmente precisa que alguém te diga o que fazer no trabalho? Três anos atrás, a consultoria de software sueca Crisp decidiu que a resposta era não.
A empresa, que tem cerca de 40 funcionários, já tinha testado várias estruturas organizacionais, incluindo a mais comum – ter um único líder comandando tudo.
A Crisp chegou a criar um esquema rotativo de comando, mudando o CEO anualmente com base em uma votação entre os trabalhadores. Mas acabou decidindo, coletivamente, que ter um chefe não era necessário.
Yassal Sundman, desenvolvedora na empresa, explica: “Nós questionamos: ‘e se nós não tivéssemos ninguém como nosso próximo CEO, como seria?’ E então fizemos um exercício no qual listamos as tarefas de um CEO”.
Os funcionários verificaram que muitas das responsabilidades do chefe coincidiam com as dos integrantes do conselho de administração (o “board”) da companhia, e que outras poderiam ser divididas entre os empregados.
“Quando olhamos para a lista na qual deveriam estar as funções do chefe, não tinha sobrado nada. E concluímos: ‘certo, por que nós não tentamos isso?, conta Sundman.
Tomada de decisões
A Crisp realiza encontros de quatro dias com todos os funcionários entre duas e três vezes ao ano. Essas reuniões são usadas para tomar decisões que afetam a todos, como mudança de escritório, mas em outros momentos os trabalhadores são encorajados a tomar decisões por conta própria.
Há também o conselho – uma exigência legal -, que pode ser usado como último recurso para resolver problemas, caso algo não esteja funcionando.
Henrik Kniberg, consultor organizacional na empresa, afirma que não ter de levar decisões sobre projetos ou orçamentos a um chefe faz com que a companhia resolva as coisas mais rapidamente.
“Se você quer que algo seja feito, precisa se levantar e começar a tocar isso”, diz.
Ele ressalta que não ter de pedir permissões não elimina a necessidade de que os empregados discutam problemas e troquem ideias uns com os outros.
Como todos são responsáveis por tudo, os empregados ficam mais motivados, argumenta. A Crisp mede regularmente a satisfação de seus funcionários – a média hoje é de 4,1 pontos, de um total de 5.
‘Uma família’
A companhia é organizada como se fosse uma família, compara Kniberg: embora ninguém precise dizer exatamente o que é preciso fazer, a regra implícita é que você não pode bagunçar a casa.
Mas e se o restante dos empregados acha que um colega tomou uma decisão ruim?
Sundman diz que não há problema. “Pelo menos você fez o que era certo naquele momento. Então podemos debater isso, você pode explicar por que você achou que aquele era um bom caminho. E na verdade você pode acabar levando todos os outros a pensar da mesma forma.”
Agora, a Crisp espera que seu modo de trabalhar inspire outras empresas a copiar o seu modelo.
Embora a decisão tomada pela empresa sueca pareça radical, várias companhias já testaram um arranjo semelhante. Uma das mais conhecidas é a loja online de roupas e sapatos Zappos, cuja dona é a gigante Amazon.
Em 2013, a empresa adotou uma nova estrutura de gestão chamada holocracia, cujo objetivo era eliminar a hierarquia e estimular a cooperação entre os funcionários.
Entretanto, quase um quinto dos empregados da Zappos acabaram deixando a empresa depois disso, o que levou seu diretor- executivo, Tony Hsieh, a admitir que “a autogestão não é para todo mundo”.
E enquanto exista uma alta na tendência de adotar estruturas mais horizontais – o que significa ter menos gerentes e chefes no meio da pirâmide -, a maioria dos experimentos mais radicais estão ocorrendo em pequenas startups.
Isso porque além de empregarem menos pessoas, essas companhias não tem uma história corporativa antiga o suficiente para fazer com que grandes mudanças sejam mais difíceis de implementar.
‘Caótico’
Drew Houston, fundador do serviço de armazenamento online Dropbox, não acredita que uma estrutura sem líder possa funcionar em empresas maiores. Para ele, isso seria muito caótico.
O principal risco, diz, é que os funcionários invadam as áreas de atuação uns dos outros, o que os tornaria menos eficientes.
“A liberdade infinita pode ser bastante desorientadora. A sensação nem sempre é boa, porque você não sabe mais o que você deveria fazer, o que é importante. E você vai ficar esbarrando nas outras pessoas.”
Meg Whitman, que comanda a gigante de tecnologia Hewlett Packard Enterprise, pensa parecido. Para ela, as companhias precisam, sim, de um líder.
“Você precisa ter uma responsabilização, porque se as pessoas em sua organização não sabem o que elas estão fazendo e como isso afeta os consumidores, há uma desconexão.”
Mas sua companhia tem enfrentado um problema que atinge muitas das grandes empresas: o tempo demandado para tomar decisões.
“Nós tendemos a demorar demais”, diz Whitman. “Por isso, nós temos uma pequena regra na Hewlett Packard Enterprise: se você tem de escalonar uma decisão ou missão, você tem de resolver isso em até 48 horas”.
No entanto, mesmo as empresas que veem com ceticismo esses testes de gestão sem chefe precisam prestar atenção em experiências como a da Crisp, avalia o coach de CEO’s e autor Steve Tappin.
“Muitas talvez possam não querer ir tão longe como eliminar seu CEO, mas há lições válidas a serem aprendidas com companhias ‘radicais’ como a Crisp.”
Esta reportagem é baseada em entrevistas realizadas por Steve Tappin e pelo produtor Neil Koenig para a série ‘BBC’s CEO Guru’
Fonte: 'BBC's CEO Guru'