Foram confirmados três casos de atrizes pornô que tiveram testes de HIV positivos em São Paulo, principal polo erótico no país.
A situação praticamente paralisou a indústria nacional de filmes do gênero, que está sendo obrigada a revisar a prática de sexo sem preservativos em cena. Produtoras menores, grandes fornecedoras de conteúdo para plataformas nacionais e estrangeiras, interromperam gravações por falta de elenco. Nos bastidores, atores pornô se dizem apavorados com a situação.
Duas das atrizes infectadas tinham participado de cenas de sexo grupal com troca de parceiros em outubro de 2021. O vídeo era produzido para o canal de um dos participantes na plataforma XVideos. Além delas, figuraram na produção outros quatro atores, cujos resultados para um teste de HIV realizado no ano passado foram negativos —eles a princípio fazem novos testes este mês. Ninguém usou camisinha.
Semanas antes, uma dessas atrizes havia participado de uma cena com uma intérprete trans para a produtora HardBrazil —também sem proteção. Foi dessa atriz trans o primeiro resultado positivo para HIV.
Desde então, e até dezembro, todos os atores envolvidos gravaram cenas com outros parceiros, seja para alimentar seus canais pessoais ou para produtoras menores.
Vale notar que não é possível afirmar que as infecções ocorreram dentro das gravações. Afinal, o elenco também pratica sexo em suas vidas privadas, fora do alcance das câmeras.
Produtoras menores têm como prática exigir dos atores a realização de exames de HIV antes das gravações. No dia das cenas, eles então compartilham seus resultados uns com os outros.
Algumas dessas produtoras, como a HardBrazil, dizem não adotar preservativos em suas gravações porque sobrevivem da exportação de seus filmes. E “ninguém compra lá fora se tiver camisinha”, diz Fábio Silva, CEO da empresa. “Essa prática ocorre não só no Brasil, mas na produção de filmes eróticos em todo o mundo. Nós tomamos todos os cuidados possíveis dentro do nosso alcance, porque estamos lidando com vidas e profissionais.”
Segundo Silva, “nunca houve um caso de contaminação, nem mesmo de gravidez na HardBrazil”.
Infectologistas consultados pela reportagem consideram “totalmente errada” a prática de sexo desprotegido na indústria, independentemente de o elenco apresentar exames de HIV negativos. Segundo eles, todos podem estar enquadrados na chamada “janela imunológica”, isto é, podem já ser portadores e transmissores do HIV mesmo sem a confirmação da presença do vírus nos exames.
“Um exame negativo para HIV não tem grande valor quando realizado recentemente. Uma pessoa pode estar infectada e apresentar resultado negativo”, diz o médico e professor mineiro Rodrigo Molina, um dos maiores especialistas em Aids do país, acrescentando que um exame realizado logo após a relação sexual também não tem qualquer serventia. “A positividade ocorrerá após duas semanas ou mais.”
Ele afirma que no período após uma exposição de risco, devem ser evitadas relações desprotegidas. Isso não acontece, no entanto, segundo os profissionais do ramo —atores pornô fazem filmes com frequência semanal, às vezes mesmo diária.
Segundo o infectologista Valdir Sabbag Amato, a prática da indústria é “um absurdo”. Ele reforça os alertas de Molina. “Usar o preservativo é a maior das seguranças. Esses atores e atrizes estão se expondo a um risco imenso”, diz ele.
Casos como os três recentes provavelmente jamais teriam acontecido nas duas maiores produtoras de filmes eróticos do país, SexyHot —também um canal na televisão— e Brasileirinhas. Isso porque elas não só exigem exames de HIV como também o uso de preservativos em suas produções.
Procurado, o SexyHot, administrado pelo Grupo Globo e a Playboy Brasil, afirmou à reportagem que em julho do ano passado decidiu ainda não comprar mais nenhum filme nacional que não faça uso de preservativos. Fontes próximas afirmam, no entanto, que a resolução aconteceu em janeiro deste ano, após vazar a informação de que havia atores infectados com HIV, e que a empresa negociou filmes nacionais retratando sem proteção nos últimos meses de 2021.
Fonte: Folha de S.Paulo
Créditos: Folha de São Paulo