Brasil é campeão mundial em cirurgia íntima em mulheres

Especialistas analisam aspectos culturais dessa tendência

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“Eu já não sinto mais vergonha. Quando me olho no espelho, não vejo aquele volume a mais que tanto me incomodava. A diferença é muito grande. A aparência fica igual à de uma criança”. Antes de ter a sua primeira relação sexual, G., uma garota de 21 anos que pediu para ter a sua identidade preservada, conta que se submeteu a uma cirurgia plástica para diminuir o tamanho dos pequenos lábios vaginais. A labioplastia, como é chamada essa intervenção, coloca o Brasil como campeão mundial nesse tipo de procedimento. Em 2014, 15.812 mulheres passaram pelo procedimento. Os dados são da pesquisa intitulada ‘Global Statistics on Cosmetic Procedures’, realizada pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps).

Quando a jovem utiliza a imagem de uma criança para explicar como se sente com o resultado da cirurgia plástica, G. revela não apenas que a busca por um suposto padrão de beleza que supervaloriza e juventude e já alcança o mais íntimo do corpo feminino, mas assinala também o que vem sendo chamado de infantilização da vulva com cada vez mais mulheres se submetendo à retirada total dos pelos pubianos na depilação e com a popularização da ninfoplastia, ou cirurgia da intimidade, como é chamado todo procedimento estético realizado na genitália da mulher.

A cirurgiã plástica Cíntia Mundin afirma que a estética e correção são as principais razões que levam as mulheres a procurar por esse tipo de cirurgia com o “o objetivo de melhorar a autoestima”. Segundo ela, “dependendo do incômodo, a mulher pode ter a vida sexual afetada e desenvolver algum tipo de problema psicológico”. A especialista explica que a cirurgia íntima contempla não apenas a ‘correção’ da hipertrofia dos pequenos lábios, mas também casos em que a mulher se incomode com o volume do monte de Vênus ou com a aparência dos grandes lábios, que pode ser hipertrofiado (cheio) ou hipotrofiado (murcho).

Outra técnica possível – mas essa mais polêmica e não realizada por todo cirurgião, já que envolve o órgão feminino responsável pelo orgasmo -, é a clitoroplastia. Também de caráter estético, a intervenção tem o objetivo de reduzir o volume do clitóris e aumentar a sua área de exposição. “Eu não opero clitóris. Algumas mulheres se queixam do volume do capuz de pele que envolve o órgão. Considero preciosismo por ser uma área muito nobre”, afirma Mundin.

A cirurgia estética da genitália é mais difundida na Europa. Em 2013, ginecologistas da Inglaterra expressaram preocupação com o aumento no número de cirurgias íntimas que, em uma década, aumentou cinco vezes. Na época, os especialistas atribuíram o fenômeno à popularização da pornografia em razão da internet. No Brasil, a cirurgia plástica do órgão genital feminino é realizada há sete anos e o tema é ainda considerado um tabu e pouco falado. No entanto, nos últimos quatro anos, a cirurgia de redução dos pequenos lábios cresceu 75% no país.

A cirurgia da intimidade só pode ser realizada em mulheres acima de 18 anos e os procedimentos não são complicados. “As intervenções duram, em média, 60 minutos, a alta hospitalar ocorre no mesmo dia e a recuperação plena ocorre em algumas semanas”, explica a médica. A especialista ressalta que é recomendável repouso de três dias e não ter relações sexuais durante um mês.

Cíntia Mundin explica que no caso da hipertrofia dos pequenos lábios, a mulher pode sentir algum tipo de desconforto ao usar uma calça mais justa ou o volume ficar aparente no biquíni depois de um mergulho. “A função dos grandes lábios seria a de guardar dentro dele toda a região genital feminina. Os pequenos lábios não têm pele, é só mucosa. Assim, a mulher pode relatar a ocorrência de pequenas lacerações (cortes pequenos) e, para protegê-los de tecidos de roupa mais duros (jeans, por exemplo) ser necessário usar um absorvente”, salienta.

Para a cirurgiã plástica, o desconforto estético como fundamento para a decisão por uma cirurgia íntima se sustenta, em parte, pela cultura do biquíni pequeno utilizado pelas brasileiras e uma maior insinuação da genitália feminina com a peça.

Padrão de beleza x subjetividade
Apesar da máxima feminista ‘meu corpo, minha regras’, que defende a autonomia e a liberdade da mulher sobre o próprio corpo, a intervenção estética na vulva é cada vez mais problematizada em razão de números que mostram o crescimento desse tipo de cirurgia. O famoso trabalho do artista plástico Jamie McCartney, ‘The Great Wall of Vagina’ (que pode ser visto aqui) questiona justamente essa busca por um padrão – motivada por um ideal de perfeição -, que não existe. A obra consiste em uma série de dez murais em que cada um deles traz a réplica de 40 vaginas de mulheres entre 18 e 76 anos e mostra o quão diverso é a aparência da vulva.

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Fonte: Sites Uai