BNegão está prestes a lançar um álbum solo e diz que não entrou no universo musical “para ser artista. Não gosto dessa palavra. É uma palavra que sai amarga da minha boca”, diz. Para ele, o termo tomou um cunho muito elitista em determinadas situações, mas, para outros “parece que é sinônimo para qualquer coisa e nada ao mesmo tempo”: “Não especifica a pessoa e a identidade se perde. Me identifico como um cara que gosta de música e faz música”. Além desse projeto, o músico participou do livro ‘Mobilidade Antirracista’, que propõe uma análise do sistema de transporte público dentro da estrutura deficiente e preconceituosa da sociedade. Entre isolamento e tecnologia, o cantor fala sobre como gosta de ser um ermitão na vida particular, mas a conversa entre ele e os fãs é algo essencial e fala do legado que quer deixar como músico: “A música me ofereceu caminhos quando eu encontrava atalhos que não levam a lugar nenhum, e outras situações que fizeram o meu tempo na Terra ser melhor. Por isso faço questão de retribuir o que aprendi”
*Com Bell Magalhães
Depois da parceria de 13 anos de parceria com a banda Seletores de Frequência, o músico BNegão se prepara para o lançamento de seu primeiro disco solo previsto para julho deste ano. Ainda sem nome, o álbum propõe uma perspectiva diferente de músicas próprias de discos antigos e versões de outros músicos. Segundo o compositor, o disco é um “conjunto de metamorfoses que aponta o caminho do som para o próximo álbum de músicas inéditas. Estou pensando em fusões sonoras a partir da música brasileira e foi um dos meus principais motivos para seguir na carreira solo. Vai algo que pode vir do rap, do funk e do reggae”, conta. Mudar a narrativa e trazer uma nova interpretação é algo comum ao cantor: “O principal para mim é trazer outro ponto de vista, algo diferente. Quero sair do óbvio. Sempre prezei por trazer o novo e não cair no comum durante toda a minha caminhada”.
BNegão prepara novo álbum solo e marca presença no livro ‘Mobilidade Antirracista’ (Reprodução Instagram)
Em casa desde o começo da pandemia e saindo apenas para mercado ou trabalhos rápidos, o músico diz viver uma sensação dúbia entre a vontade de estar na rua e a paz do lar: “Eu sou bom em ser um eremita, pois já tenho essa característica normalmente. Na realidade, eu estava sentindo falta de ficar sozinho. A única tristeza que sinto às vezes é de não poder ver as pessoas que são queridas para mim e de conhecer pessoas novas. Andar na rua significa conhecer gente nova”.
Algo que veio para suprir a necessidade de pessoas nesses tempos de isolamento social foi a chamada em vídeo e encontros virtuais, mas a necessidade de ter um aparelho eletrônico por perto aumentou consideravelmente. Para BNegão, telefones celulares e a tecnologia exacerbada nunca fizeram a cabeça do músico: “Eu me incomodo com a dependência desse aparelhinho que eu estou segurando para falar com você. Tenho andado cada vez mais propenso a fazer um ‘detox virtual’, ainda mais agora que estamos conectados o tempo inteiro”.
Fazendo uma conexão com a música ‘Mundo Tela’, que fala sobre estar imerso no mundo tecnológico, o músico acrescenta: “Você entra na web do telefone para ver algo específico, fica horas se ocupando com ele e, no final, você gasta seu tempo com besteira. Parece uma teia que o prende. É algo que me incomoda, porque, ao mesmo tempo que é prático, pode ser nocivo em muitos aspectos”.
A necessidade de estar inserido é algo que é pré-requisito caso queira se inteirar de tudo o que está acontecendo no mundo. BNegão diz que foi ‘obrigado’ a comprar um celular na época do lançamento do álbum ‘Enxugando Gelo’, em 2003. “Eu não tinha nem celular, para ter uma ideia, mas estava me atrapalhando para trabalhar. Eu tinha que ficar parado ao lado do telefone fixo esperando os entrevistadores me ligarem; Até e-mail eu não tinha, um amigo que fez para mim”. Apesar da mudança e da adesão à modernidade, o compositor ainda tem algumas dificuldades e vê com estranheza os hábitos que muitos julgam comuns: “Descobri que as pessoas não desligam o celular para dormir. Isso não existe para mim, sempre desligo o telefone para dormir. Não quero que ninguém fale comigo ou que apareça uma luz quando estou dormindo”, afirma, acrescentando: “Quando falo sobre esssa minha opção, as pessoas dizem: ‘não, você não pode desligar o celular’, como se estivessem falando de um tanque de oxigênio. O vício e a dependência do celular evoluíram para algo quase que patológico”, pontua.
Hoje, 18 anos depois daquele que o fez comprar o primeiro celular, o músico se rendeu também a ter um perfil no Instagram: “Gosto de trocar ideias com as pessoas, de falar de filmes e assuntos que podem fazer a diferença. É uma conversa do dia a dia que passa para o virtual, mas a intenção e interação é a mesma”. A interação com os fãs é direta, algo fora do comum visto que muitos profissionais da área são assessorados por equipes que tomam conta por completo de suas redes sociais.
Para o cantor, a interação é algo natural, mas entende que possa ser diferente para outros. “Isso é natural para mim, mas para muitos é um suplício. No meu caso, prefiro fazer um texto autoral. porque vejo que, mesmo sendo contraproducente na questão da organização, o meu perfil surgiu justamente com o objetivo de interagir com as pessoas. Faço questão de manter dessa forma, porque é algo fundamental para mim fazer essa troca”.
Mobilidade Antirracista
O transporte público é um direito comum, mas os desafios encontrados pela realidade são complexos. ‘Mobilidade Antirracista’, publicação editada pela Fundação Rosa Luxemburgo, em parceria com a editora Autonomia Literária fala exatamente sobre o descaso e a ineficiência do sistema de transporte coletivo que corrobora com uma estrutura elitista e racista da sociedade. Organizado por Daniel Santini, Rafaela Albergaria e Paíque Duques Santarém, o livro aborda o tema em um conjunto formado por poemas, músicas, análises, entrevistas e artigos acadêmicos de diversos autores e entrevistados de origens, lugares e vivências diferentes. Além de BNegão, Elisa Lucinda, o ex-BBB Lucas Koka Penteado, MC Martina, Lúcia Xavier e a deputada federal Talíria Petrone são nomes que estão presentes na obra.
O sistema de transportes no Brasil é racista, desigual e excludente. Quase em sua totalidade, o sistema é pensado e reforçado sem participação democrática e tem como eixo estrutural dividir e segregar. Quem planeja e decide como as redes de transporte serão distribuídas, organizadas e mantidas costuma ter o mesmo perfil. Mesmo quando existe boa vontade, a falta de diversidade de olhares leva a uma visão limitada sobre problemas e soluções. Com isso, é perpetuada uma condição de desigualdade onde um direito humano, que é o simples ato de circular e acessar tudo o que integra o nosso cotidiano (trabalho, escola, lazer, por exemplo) não é garantido de forma sustentável e inclusiva à população, especialmente pessoas pretas, pobres e periféricas.
Sobre a participação no livro, o músico diz que o convite veio por intermédio de um dos organizadores e amigo pessoal, Paíque Duques Santarém, integrante do Movimento Passe Livre do Distrito Federal, organização social independente que propõe um transporte público gratuito para a população e sem interferência da iniciativa privada. “O Paíque é um amigo antigo, então a discussão sobre transporte público é algo que temos há décadas. A minha participação no livro foi uma extensão dessa troca. Ele mora em Brasília e, uma das vezes que eu fui lá, percebi que nunca tinha visto um ônibus na rua e fiquei me perguntando como que as pessoas faziam para se movimentar”.
Segundo BNegão, existe uma questão muito séria que impede a circulação de pessoas do subúrbio e de favelas nas grandes metrópoles: “Esses conflitos são eternos e colaboram com um projeto que cerceia o acesso da população aos grandes centros fazendo uma espécie de parceria ‘público-privada’ entre o Estado e as companhias de transporte. Tenho certeza de que, se os empregados da Zona Sul do Rio, por exemplo, não fossem do subúrbio, não existiriam mais linhas para conectar os dois polos. Eles só não cortam, porque precisam das pessoas para trabalhar. Se fosse tudo auto suficiente dentro da própria Zona Sul, por exemplo, os governantes dariam um jeito de cortar todas as linhas de ônibus”, afirma.
Música e legado
“Não entrei no universo musical para ser artista. Não gosto dessa palavra. É uma palavra que sai amarga da minha boca”, diz o músico. Para ele, o termo tomou um cunho muito elitista em determinadas situações, mas, para outros “parece que é sinônimo para qualquer coisa e nada ao mesmo tempo”: “Não especifica a pessoa e a identidade se perde. Me identifico como um cara que gosta de música e faz música”.
Desde 1995 para cá, BNegão vê toda a influência que criou com a música ser traduzida em mensagem de carinho e admiração e fala sobre como a necessidade de uma mudança interna é essencial para uma revolução: “Recebo mensagens diariamente de pessoas que falam que a minha letra ou a minha música ajudaram de alguma forma e fez a diferença. A mudança interior é o primeiro passo para a mudança no exterior. Quando você não muda o seu íntimo, qualquer situação que você se coloque pode ser um caminho ruim, pois não existe um pensamento crítico de si mesmo”, afirma.
A música pode assumir o papel de ferramenta de denúncia. Para BNegão, a música é uma ‘troca de ideia’: “Muitos aprendizados e ensinamentos vieram para mim por meio da música. Ela é mais um fio para puxar do que o novelo inteiro. Teve tanta gente que me deu esse fio ao longo do tempo e que me fez chegar onde eu estou. A música me ofereceu caminhos quando eu encontrava atalhos que não levam a lugar nenhum e outras situações que fizeram o meu tempo na Terra ser melhor. Por isso faço questão de retribuir o que aprendi. Quero divulgar ideias que ajudem outras pessoas, mas sempre pensando na forma artística de fazê-lo”. O legado? Os ensinamentos: “Sempre passo para frente o fio que já usei e sei que funcionou. Algo que fizeram antes de mim e por mim é o que eu faço questão de fazer, porque eu entrei na música para passar o ensinamento a diante”, conclui.
Fonte: IG
Créditos: IG